A 18 de abril, o presidente equatoriano, Daniel Noboa, decretou o estado de "alerta máximo". Esta declaração, reservada para catástrofes ou ameaças de guerra, significa instaurar o recolher obrigatório e suspender direitos democráticos essenciais como os de reunião, manifestação e inviolabilidade do domicílio. Noboa também ordenou ao exército, à polícia e aos serviços secretos que perseguissem aqueles que "promoverem protestos".

A desculpa para estas medidas próprias de um regime ditatorial é um enredo fabricado pelo Comando Conjunto das Forças Armadas sobre a delirante acusação de que a esquerda que denunciou fraude nas eleições de 13 de abril passado prepara "manifestações e atentados" contra Noboa "em colaboração com o narcotráfico".

Eleições coercivas

Após a primeira volta eleitoral, que resultou num empate técnico entre Noboa e Luisa González, candidata do partido correísta Revolución Ciudadana, o líder de extrema-direita deixou claro que nunca aceitaria sua derrota e estava disposto a provocar um banho de sangue para impor a sua reeleição.

Na véspera da segunda volta e violando a Constituição — que o obrigava a deixar a chefia do Estado enquanto fosse candidato — decretou o estado de exceção em oito regiões, incluindo as duas mais populosas e aquelas onde tinha perdido na primeira volta, proibindo qualquer manifestação durante sessenta dias e garantindo que a contagem dos votos ocorria sob os fuzis das forças armadas que controla com mão de ferro.

img
A 18 de abril, o presidente equatoriano, Daniel Noboa, decretou o estado de "alerta máximo". Esta declaração, reservada para catástrofes ou ameaças de guerra, significa instaurar o recolher obrigatório e suspender direitos democráticos essenciais.

Além disso, durante a campanha, anunciou a contratação pelo Estado da agência de mercenários Blackwater, conhecida pelos seus assassinatos e violações de direitos humanos no Iraque, para "manter a segurança e a ordem". Também aprovou medidas clientelistas, como bónus de 400 e 500 dólares para polícias, soldados e familiares, desempregados e sectores da economia informal, buscando mobilizar em apoio às suas medidas entre as camadas atrasadas e desesperadas da população.

Nestas condições, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) proclamava Noboa como vencedor com 12 pontos de vantagem e mais de um milhão de votos de diferença em relação ao seu rival. Isto, apesar da participação ter sido semelhante à da primeira volta e da terceira força mais votada então (o Movimento Pachakutik, com 500.000 boletins, 5,25%) pediu o voto nesta ocasião para Luisa González. Uma muito suspeita alteração de votos da esquerda para a extrema-direita que se concentra (como não!) nas zonas controladas pelo exército!

González e Correa denunciaram estes resultados como uma "fraude grotesca". Governos latino-americanos como o colombiano de Petro, o mexicano de Claudia Sheinbaum e outros recusaram-se a reconhecer Noboa. Mas em vez de convocar a mobilização nas ruas e uma greve geral, os dirigentes de Revolución Ciudadana apelaram à "comunidade internacional" e às mesmas autoridades eleitorais que validaram a fraude pedindo-lhes uma recontagem transparente.

Este sintoma de fraqueza tem sido aproveitado por Noboa para se mover rapidamente. Levou adiante os seus planos para estabelecer um regime bonapartista semidictatorial sob uma fachada democrática com o apoio unânime da oligarquia equatoriana, do imperialismo estado-unidense e da ultradireita global. O autogolpe deste oligarca de extrema-direita está a ser facilitado pela cumplicidade desses mesmos governos que tanto alarido fizeram depois das eleições venezuelanas e agora aceitam estas eleições realizadas sob coerção. Dirigentes social-democratas como Lula ou Boric, em prol da estabilidade capitalista e da paz social, não hesitaram em felicitar Noboa de forma vergonhosa.

img
Na véspera da segunda volta e violando a Constituição Noboa decretou o estado de exceção em oito regiões, garantindo que a contagem dos votos ocorria sob os fuzis das forças armadas que controla com mão de ferro.

A oligarquia equatoriana, Washington e a extrema-direita global ao ataque

Para compreender como chegámos a este ponto e que políticas são necessárias para derrotar Noboa, é preciso começar pelo desenvolvimento da luta de classes no Equador nos últimos anos e pela sua posição estratégica na luta interimperialista entre Washington e Pequim pela hegemonia económica e política na América Latina.

Durante anos, a juventude, a classe trabalhadora e o movimento indígena equatoriano têm sido um ponto de referência para os oprimidos de todo o continente, protagonizando levantamentos revolucionários que superaram a repressão policial e militar, colocando a classe dominante contra as cordas em diferentes ocasiões, sendo as mais recentes as insurreições de 2019 e 2022.

As greves gerais impulsionadas pela Confederación de Nacionalidades Indígenas (CONAIE) e pelos sectores mais combativos do movimento sindical paralisaram o país. As massas formaram assembleias populares e cabildos abertos. Com uma direção e um programa revolucionário, unificando esses organismos para lutar pelo poder, teriam conseguido derrubar a oligarquia e iniciar o caminho para transformar a sociedade. Essas oportunidades foram desperdiçadas pelos apelos à negociação dos dirigentes do correísmo. Mas também pela CONAIE e a sua expressão política, Pachakutik.

A burguesia equatoriana e o imperialismo estado-unidense passaram ao ataque, aproveitando o colapso económico e a onda de violência que sacudio o Equador, que de ser o segundo país mais seguro da América Latina em 2016 passou a liderar as estatísticas de mortes violentas. Uma violência alimentada pelas políticas impostas pela oligarquia, como a dolarização da economia e a total abertura do país ao saque por grandes especuladoras e à lavagem de dinheiro do narcotráfico.

As eleições de agosto e outubro de 2023 decorreram no meio de uma crise institucional sem precedentes. Após o assassinato de vários líderes políticos, destacando o candidato presidencial Fernando Villavicencio, o país estava em choque. A viúva de Villavicencio denunciou que Noboa (um milionário nascido e criado em Miami, pertencente a uma das famílias mais ricas da oligarquia), que antes do assassinato praticamente não tinha apoio, usou esse crime para se elevar ao poder, apresentando-se como o Bukele equatoriano e prometendo mão dura contra o narcotráfico e a violência.

Um narcotráfico com o qual o seu próprio clã familiar está envolvido, e uma violência que as suas políticas de cortes, privatização e utilização do exército (implicado até aos dentes na narcoviolência e na corrupção) aumentaram exponencialmente. Desde a sua chegada ao poder, em outubro de 2023, Noboa decretou nove militarizações parciais ou totais do país. Os homicídios nos primeiros cinquenta dias de 2025 atingiram o maior número da história: 1.300, um por hora.

img
Durante anos, a juventude, a classe trabalhadora e o movimento indígena equatoriano protagonizaram levantamentos revolucionários que superaram a repressão policial e militar, os mais recentes em 2019 e 2022.

A militarização serviu sim para atacar o movimento dos trabalhadores e indígena e converter Noboa num árbitro entre sectores da classe dominante, reforçando o controlo da oligarquia tradicional sobre os negócios ligados ao narcotráfico e às atividades extrativas, e disciplinando sectores mais indóceis e menos poderosos.

Após falhar nas suas ofensivas golpistas na Venezuela e na Bolívia e no golpe de Bolsonaro no Brasil, com Milei enfrentando um levantamento de massas, Donald Trump e o imperialismo estado-unidense viram no regime bonapartista cada vez mais autoritário e repressivo de Noboa um ponto de apoio para os seus planos de tentar dinamitar o avanço imparável da China numa zona chave para as suas trocas comerciais com a América Latina. Durante a campanha eleitoral, Trump e Noboa selaram um acordo para estabelecer bases militares estado-unidenses no Equador (algo que a atual Constituição, elaborada em 2008 durante o Governo de Correa, proíbe) e enviar tropas para "lutar contra o narcotráfico" e outras "ameaças internas e externas".

Levantar uma política revolucionária para afastar Noboa

A militarização imposta por Noboa permitiu à classe dominante desenvolver a sua agenda: privatização da eletricidade, ataques aos salários e às condições laborais, aumento do IVA, cortes drásticos em investimentos e serviços públicos... O resultado foi uma crise energética sem precedentes, com cortes de energia de entre 12 e 14 horas diárias, e um aumento da pobreza e das desigualdades. Sobre uma população de 18 milhões, 5 milhões sobrevivem com menos de 3 dólares por dia.

Todos estes problemas se agravarão ao longo de 2025 devido à crise da dívida e às negociações com o FMI, que, num contexto de crise internacional, exigirá novos e mais severos cortes. A oligarquia prepara-se para impor uma agenda de ataques brutais. Este é o contexto em que se inserem os decretos de exceção e alerta máximo de Noboa e os seus planos para organizar uma Assembleia Constituinte — que pretende controlar com métodos semelhantes aos usados nestas eleições — e eliminar artigos da Constituição de 2008 que obstaculizam o seu objetivo de concentrar ainda mais poder nas suas mãos.

Perante uma ameaça como a que representa este elemento de extrema-direita, o único caminho é recuperar a autoorganização e mobilização das massas com um plano de luta claro e uma política revolucionária que permita canalizar toda a sua força e confiança. Não há tempo a perder.

img
Perante uma ameaça como a que representa este elemento de extrema-direita, o único caminho é recuperar a autoorganização e mobilização das massas com um plano de luta claro e uma política revolucionária que permita canalizar toda a sua força e confiança.

A vanguarda da classe trabalhadora, indígenas e estudantes, ao mesmo tempo que deve exigir aos dirigentes da Revolución Ciudadana, Pachakutik, CONAIE e aos sindicatos a organização de uma greve geral e um plano de luta ascendente para derrubar Noboa, tem que impulsionar a autoorganização de baixo para cima, organizando assembleias e comités de ação e autodefesa em cada bairro e local de trabalho contra a repressão do exército e do aparelho estatal. Juntamente, é necessário fazer um apelo internacional à organização de mobilizações de solidariedade com a esquerda equatoriana em todo o mundo e contra a fraude e as medidas ditatoriais de Noboa.

É necessário acompanhar estas palavras de ordem com um programa comunista, revolucionário, que proponha a expropriação da oligarquia e das multinacionais sob controlo dos trabalhadores como a única forma de responder às necessidades sociais e acabar com o pesadelo do narcotráfico, da violência e da repressão militar e policial.

JORNAL DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA

JORNAL DA LIVRES E COMBATIVAS