Podes ler a primeira parte do artigo aqui.


A Milícia dos Trabalhadores e os Seus Adversários

Para lutar é preciso conservar e fortalecer os instrumentos e meios de luta: as organizações, a imprensa, as reuniões, etc. O fascismo ameaça-os todos direta e imediatamente. Ainda é demasiado fraco para lançar-se à luta direta pelo poder; mas é forte o suficiente para tentar destruir as organizações dos trabalhadores pedaço a pedaço, para fortalecer os seus grupos nesses ataques, para semear nas fileiras dos trabalhadores o desalento e a falta de confiança nas suas próprias forças. 

O fascismo encontra auxiliares inconscientes em todos aqueles que dizem que a "luta física" é inadmissível ou inútil, e que exigem de Doumergue o desarmamento da sua guarda fascista. Nada é tão perigoso para o proletariado, especialmente nas condições atuais, que o veneno açucarado das falsas esperanças. Nada aumenta tanto a insolência dos fascistas quanto o brando "pacifismo" por parte das organizações dos trabalhadores. Nada destrói tanto a confiança das classes médias na classe trabalhadora quanto a passividade expectante e a ausência de vontade de lutar.

Le Populaire, e especialmente L'Humanité, escreve todos os dias: "A Frente única é uma barreira contra o fascismo", "A Frente única não permitirá...", "Os fascistas não se atreverão", etc. São apenas frases. É preciso dizer aos trabalhadores, socialistas e comunistas: "Não permitam que os jornalistas e oradores superficiais e irresponsáveis os embalem com frases. Trata-se das nossas vidas e do futuro do socialismo". Não somos nós que negamos a importância da frente única. Nós exigimo-la quando os dirigentes de ambos os partidos estavam contra ela. A frente única abre enormes possibilidades. Porém, nada mais. A frente única, em si mesma, não decide nada. Apenas a luta das massas decide. A frente única revelará o seu valor quando, no caso de um ataque dos grupos fascistas contra Le Populaire e L'Humanité, os destacamentos comunistas socorrerem os destacamentos socialistas e vice-versa. Mas, para que tal aconteça, os destacamentos de combate proletários devem existir, educar-se, treinar-se, armar-se. Se não há organização de defesa, isto é, milícia do povo, Le Populaire e L'Humanité poderão escrever quantos artigos quiserem sobre a omnipotência da frente única mas ambos os jornais encontrar-se-ão indefesos perante o primeiro ataque bem preparado dos fascistas. 

Propomos fazer um exame crítico dos "argumentos" e das "teorias" dos opositores da milícia dos trabalhadores, que são muitos e bastante influentes nos dois partidos da classe trabalhadora.

“Necessitamos de autodefesa de massas e não de milícias” dizem-nos frequentemente. Mas, o que é esta "autodefesa de massas sem organização de combate, sem quadros especializados, sem armas? Transferir para as massas não-organizadas, não-equipadas, não-preparadas, entregues a si mesmas, a defesa contra o fascismo, seria interpretar um papel incomparavelmente mais baixo que o de Pôncio Pilatos. Negar o papel da milícia é negar o papel da vanguarda. Então para quê um partido? Sem o apoio das massas, a milícia não é nada. Mas sem destacamentos de combate organizados as massas mais heróicas serão esmagadas pouco a pouco pelos grupos fascistas. Opor a milícia à autodefesa é absurdo. A milícia é um órgão de autodefesa.

“Chamar à organização de uma milícia é fazer uma provocação", dizem alguns opositores, os menos sérios e honestos. Isto não é um argumento mas um insulto. Se a necessidade de defender as organizações dos trabalhadores surge de toda esta situação, como é possível não se chamar à criação de milícias? Talvez queiram dizer que a criação de milícias "provoca" os ataques dos fascistas e a repressão do governo? Neste caso, trata-se de um argumento absolutamente reacionário. O liberalismo sempre disse aos trabalhadores que eles "provocam" a reação com sua luta de classes. Os reformistas repetiram essa acusação contra os marxistas; os mencheviques contra os bolcheviques. A conclusão destas acusações reduz-se a este pensamento profundo: se os oprimidos não se pusessem em movimento, os opressores não seriam obrigados a golpeá-los. É a filosofia de Tolstoy e de Gandhi, mas de modo algum a de Marx e Lenin. Se L'Humanité quer também desenvolver a doutrina da "não-resistência ao mal pela violência", deve tomar como símbolo não a foice e o martelo, emblema da Revolução de Outubro, mas a piedosa cabra que nutre Gandhi com o seu leite.

"Mas armar os trabalhadores só é oportuno numa situação revolucionária, que ainda não existe." Este argumento significa que os trabalhadores devem deixar-se esmagar até que a situação se torne revolucionária. Aqueles que ontem pregavam o "terceiro período"1 não querem ver o que se passa diante dos seus olhos. A própria questão do armamento só surgiu na prática porque a situação "pacífica", "normal", "democrática", deu lugar a uma situação agitada, crítica, instável, que facilmente se pode transformar tanto em situação revolucionária quanto contra-revolucionária. Esta alternativa depende, antes de tudo, da resposta a esta questão: os trabalhadores de vanguarda deixar-se-ão atacar impunemente, sector a sector, ou a cada golpe responderão com dois golpes, despertando a coragem dos oprimidos e unindo-os em seu redor? Uma situação revolucionária não cai do céu. É criada com a participação ativa da classe revolucionária e do seu partido.

Os estalinistas franceses argumentam agora que a milícia não salvou o proletariado alemão da derrota. Até ontem negavam haver qualquer derrota na Alemanha, e afirmavam que a política dos estalinistas alemães tinha sido correta do princípio ao fim. Hoje vêem todo o mal na milícia dos trabalhadores alemães (Rote Front). Assim, de um erro caem no erro diametralmente oposto, não menos monstruoso. A milícia não resolve a questão por si mesma. É necessária uma política correta. E a política dos estalinistas na Alemanha ("o social-fascismo é o inimigo principal", a cisão sindical, o namoro com o nacionalismo, o putchismo) conduz fatalmente ao isolamento da vanguarda proletária e ao seu desmoronamento. Com uma estratégia totalmente errada, nenhuma milícia podia ter salvo a situação.

É uma tolice dizer que a organização da milícia, por si mesma, abre o caminho a aventuras, provoca o inimigo, substitui a luta política pela luta física, etc. Em todas estas frases não há senão covardia política. A milícia, enquanto organização forte da vanguarda, é, de facto, o meio mais seguro contra as aventuras, contra o terrorismo individual, contra as sangrentas explosões espontâneas. A milícia é, ao mesmo tempo, o único meio sério de se reduzir ao mínimo a guerra civil que o fascismo impõe ao proletariado. Deixem os trabalhadores, apesar da ausência de uma "situação revolucionária", corrigir os "filhinhos do pai" patriotas com seus próprios métodos, e o recrutamento de novos grupos fascistas tornar-se-á incomparavelmente mais difícil.

Mas aqui os estrategas, confusos pelos seu próprios raciocínios, apresentam argumentos ainda mais surpreendentes. Lemos textualmente o que escreve L'Humaníté a 23 de outubro (1934): "Se respondemos aos tiros dos grupos fascistas com outros tiros perdemos de vista que o fascismo é o produto do regime capitalista e que, lutando contra o fascismo, enfrentamos todo o sistema." É difícil acumular em tão poucas linhas maior confusão e erros. É impossível defender-se contra os fascistas porque representam "um produto do regime". Isto significa que se deve renunciar a toda luta, pois todos os males sociais contemporâneos são "produtos do sistema capitalista".

Quando os fascistas matam um revolucionário ou incendeiam a sede de um jornal proletário, os trabalhadores devem suspirar filosoficamente: "Enfim, os assassinatos e os incêndios são produtos do sistema capitalista", e voltar para casa com a consciência tranquila. A prostração fatalista substitui a teoria militante de Marx, para única vantagem do inimigo de classe. Certamente, a ruína da pequena-burguesia é produto do capitalismo. O crescimento dos grupos fascistas é, por sua vez, produto da ruína da pequena-burguesia. Mas, por outro lado, o aumento da miséria e da revolta do proletariado é também, por seu lado, produto do capitalismo, e a milícia, produto do aumento da luta de classes. Então, por que para os "marxistas" de L’Humanité, os grupos fascistas são produto legítimo do capitalismo e a milícia dos trabalhadores um produto ilegítimo... dos trotskistas? É impossível encontrar algum sentido nisto.

Dizem-nos: “é necessário enfrentar todo o sistema". Como? Passando por cima da cabeça dos seres humanos? Os fascistas em diferentes países começaram pelos tiros e acabaram a destruir todo o "sistema" das organizações dos trabalhadores. Como deter a ofensiva armada do inimigo senão por meio de uma defesa armada, para passarmos depois à ofensiva?

L'Humanité admite a defesa, mas apenas como "autodefesa de massas": a milícia é prejudicial porque, reparem bem, separa os destacamentos de combate das massas. Mas, então, por que entre os fascistas existem destacamentos armados independentes que não se separam das massas reacionárias, senão pelo contrário, através dos seus ataques bem organizados aumentam a coragem dessas massas e reforçam sua audácia? Ou são por acaso as massas proletárias inferiores à pequena-burguesia arruinada nas suas qualidades combativas?

Completamente confuso, L'Humanité começa a hesitar: parece que a autodefesa de massas precisa de criar os seus "grupos de autodefesa". Propõe grupos especiais, destacamentos, no lugar da milícia que repudiam. À primeira vista, parece que a diferença é apenas de nome. Na verdade, nem sequer o nome proposto por L'Humanité vale coisa alguma. Pode-se falar de "autodefesa de massas", mas é impossível falar de "grupos de autodefesa", pois os grupos não têm por objetivo defender-se a si mesmos, mas sim às organizações dos trabalhadores. No entanto, não se trata, certamente, da questão do nome. Os "grupos de autodefesa", segundo L'Humanité, devem renunciar ao uso de armas, para não caírem no "putchismo". Estes sábios tratam a classe trabalhadora como uma criança em cujas mãos não se deve deixar uma navalha. Além disso, como se sabe, as navalhas são monopólio dos Camelots du Roi que, como legítimo "produto do capitalismo", derrubaram o "sistema" da democracia. Mas, então, como se vão defender os "grupos de autodefesa" contra os revólveres fascistas? "Ideologicamente", é claro. Dito de outro modo: não lhes resta outro remédio que correr a esconder-se. Não tendo nas suas mãos o que lhes falta, devem buscar a "autodefesa" nos pés. Enquanto isso, os fascistas atacarão impunemente as organizações dos trabalhadores. Mas, se o proletariado sofrer uma terrível derrota, ao menos não terá sido culpado de "putchismo"! Esta conversa fraudulenta, que se apresenta sob a bandeira do “Bolchevismo”, provoca apenas nojo e aversão.

Já na época do "terceiro período", de tão feliz memória, quando os estrategas do L'Humanité foral afligidos com  delírio das barricadas, "conquistavam" a rua todos os dias e rotulavam de social-fascistas a todos os que não compartilhavam das suas extravagâncias, prevímos: "No momento em que se queimarem, tornar-se-ão os piores oportunistas." A profecia confirmou-se agora por completo. Num momento em que o movimento a favor da milícia se reforça e cresce no Partido Socialista, os dirigentes do intitulado Partido Comunista correm a pegar a mangueira de incêndio para arrefecer as aspirações dos trabalhadores de vanguarda a formar colunas de combate. É possível imaginar um trabalho mais nefasto e desmoralizante que este?

É Preciso Construir a Milícia dos Trabalhadores

Nas fileiras do Partido Socialista, às vezes escuta-se esta objeção: "É necessário formar a milícia, mas não é preciso dizê-lo em voz alta." Não se pode senão felicitar os camaradas que desejam proteger de olhos e ouvidos indesejáveis o lado prático do assunto. Mas é demasiadamente ingénuo pensar que se pode criar a milícia em segredo, entre quatro paredes. Precisamos de dezenas e logo de centenas de milhares de combatentes. Estes só virão se milhões de trabalhadores e trabalhadoras, e atrás deles também os camponeses, compreenderem a necessidade da milícia e criarem em torno dos voluntários um clima de ardente simpatia e apoio ativo. O cuidado conspiratório pode e deve envolver unicamente o lado técnico do assunto. Enquanto campanha política, deve desenvolver-se abertamente nas reuniões, nas fábricas, nas ruas e praças públicas.

Os quadros fundamentais da milícia devem ser os trabalhadores fabris, agrupados segundo o lugar de trabalho, conhecendo-se uns aos outros e sendo capazes de proteger os seus destacamentos de combate da infiltração de agentes inimigos com muito mais facilidade e segurança que os burocratas mais educados. Sem a mobilização aberta das massas, os estados-maiores conspirativos ficarão suspensos no ar no momento do perigo. É necessário que todas as organizações da classe trabalhadora ponham mãos à obra. Nesta questão não pode haver uma linha divisória entre os partidos dos trabalhadores e os sindicatos. Ombro a ombro, devem mobilizar as massas. Assim, o êxito da milícia dos trabalhadores estará plenamente assegurado.

"Mas onde vão os trabalhadores arranjar as armas?" objetam os sérios "realistas" assustados. “O inimigo tem espingardas, canhões, tanques, gases e aviões. Os  trabalhadores têm apenas algumas centenas de revólveres e canivetes.”

Nesta objeção, mistura-se tudo para assustar os trabalhadores. Por um lado, os nossos sábios confundem o armamento dos fascistas com o armamento do Estado; por outro, suplicam ao Estado para que desarme os fascistas. Admirável lógica! Na verdade, a sua posição é falsa em ambos os casos. Em França, os fascistas ainda estão longe de se ter apoderado do Estado. A 6 de fevereiro, entraram em confronto armado com a polícia do Estado. Por isso é falso falar de canhões e tanques quando se trata no imediato da luta armada contra os fascistas. Os fascistas, evidentemente, são mais ricos que nós, e podem comprar armas mais facilmente. Contudo, os trabalhadores são mais numerosos e decididos, pelo menos quando contam com uma direção revolucionária firme. 

Entre outras fontes, os trabalhadores podem armar-se à custa dos fascistas, desarmando-os sistematicamente. Atualmente, esta é uma das mais sérias formas de luta contra o fascismo. Quando os arsenais dos trabalhadores se começarem a encher à custa dos depósitos fascistas, os bancos e os trusts tornar-se-ão mais prudentes em financiar o armamento dos seus guardas assassinos. Pode-se mesmo admitir que nesse caso - mas só nesse caso - as autoridades, alarmadas, comecem realmente a impedir o armamento dos fascistas, para não oferecer uma fonte suplementar de armamento aos trabalhadores. Há muito que se sabe que apenas uma tática revolucionária gera, como produto acessório, "reformas" ou concessões do governo.

Mas como desarmar os fascistas? Naturalmente, é impossível fazê-lo unicamente por meio de artigos nos jornais. É preciso criar esquadrões de combate. É preciso criar os estados-maiores da milícia. É preciso instituir um bom serviço de informações. Milhares de informadores e auxiliares voluntários aproximar-se-ão de nós quando compreenderem que encaramos o assunto com seriedade. Isso requer uma vontade de ação proletária2.

Mas as armas dos fascistas não são, naturalmente, a única fonte. Em França há mais de um milhão de trabalhadores organizados. De um modo geral é pouco, mas mais que suficiente para iniciar uma milícia dos trabalhadores. Se os partidos e sindicatos armassem somente a décima parte dos seus membros, haveria já uma milícia de 100 mil homens. Não há dúvida de que, no dia seguinte à convocação de uma frente única para se formar a milícia, o número de voluntários ultrapassaria de longe esse número. As quotizações dos partidos e dos sindicatos, as coletas e contribuições voluntárias dariam a possibilidade de, num ou dois meses, assegurar armas a 100 mil ou 200 mil trabalhadores combatentes. A canalha fascista rapidamente colocaria o rabo entre as pernas. A perspetiva de todo o processo seria incomparavelmente mais favorável.

Invocar a ausência de armamento ou outras causas objetivas para explicar por que ainda não se começou a criação da milícia é enganar-se a si mesmo e aos demais. O principal obstáculo, pode-se dizer o único, está no caráter conservador e passivo dos dirigentes das organizações de trabalhadores. Os céticos que as dirigem não acreditam na força do proletariado. Colocam a sua esperança em todo tipo de milagres vindos do céu, em vez de dar uma saída revolucionária à energia desde abaixo. Os trabalhadores socialistas devem obrigar os seus líderes a passarem imediatamente à criação da milícia dos trabalhadores ou então dar lugar a forças mais jovens e frescas.

O Armamento do Proletariado

Um greve é inconcebível sem propaganda e agitação, mas também sem piquetes que, onde puderem, atuem através da persuasão, e onde se virem obrigados, recorram à força física. A greve é a forma mais elementar da luta de classes, na qual se combinam sempre, em proporções variáveis, os procedimentos "ideológicos" e os físicos. A luta contra o fascismo é essencialmente uma luta política que requer uma milícia do mesmo modo que uma greve requer piquetes. No fundo, o piquete é o embrião da milícia dos trabalhadores. Aquele que pensa ser necessário renunciar à luta física deve renunciar a toda luta, pois o espírito não vive sem a carne.

De acordo com a magnífica expressão do teórico militar Clausewitz, a guerra é a continuação da política por outros meios. Esta definição também se aplica plenamente à guerra civil. A luta física não é senão um dos "outros meios" da luta política. É impossível opor uma à outra, porque é impossível deter a luta política quando se transforma, pela força das suas necessidades internas, em luta física. 

O dever de um partido revolucionário é prever a inevitabilidade da transformação da luta política em conflito armado declarado e preparar-se com todas as suas forças para esse momento, como para ele se preparam as classes dominantes.

Os destacamentos da milícia para a defesa contra o fascismo são os primeiros passos no caminho do armamento do proletariado, e não o último. Nossa palavra de ordem é: "Armamento do proletariado e dos camponeses revolucionários"

A milícia do povo deve, no fim de contas, abarcar todos os trabalhadores. Não será possível cumprir esse programa completamente, a não ser no Estado operário, para cujas mãos passarão todos os meios de produção e, conseqüentemente, também os meios de destruição, isto é, os armamentos e todas as fábricas que os produzem.

No entanto, é impossível chegar ao Estado operário com as mãos vazias. Apenas os inválidos políticos, do tipo de Renaudel, podem falar de uma via pacífica, constitucional, para o socialismo. A via constitucional está cortada por trincheiras ocupadas pelos grupos fascistas. Há muitas dessas trincheiras diante de nós. A burguesia não vacilará em provocar uma dúzia de golpes de Estado para impedir a chegada do proletariado ao poder. Um Estado operário socialista não pode ser criado senão por via de uma revolução vitoriosa. 

Toda a revolução é preparada pela marcha do desenvolvimento económico e político, mas é decidida sempre por conflitos armados declarados entre as classes hostis. Uma vitória revolucionária não é possível a não ser graças a uma ampla agitação política, a um amplo trabalho de educação, uma ampla tarefa de organização das massas. Mas o próprio conflito armado também deve ser preparado com muita antecedência. Os reabalhadores avançados devem saber que terão de bater-se numa luta de morte. Devem armar-se, como garantia de sua liberação. 

Nma época tão crítica como a atual o partido da revolução deve recomendar aos operários, incansavelmente, a necessidade de se armarem e de fazerem tudo o que possam para assegurar, pelo menos, o armamento da vanguarda proletária. Sem isto, a vitória é impossível.

As vitórias eleitorais mais recentes do Partido Trabalhista britânico não invalidam de forma alguma o que foi dito acima. Mesmo que permitíssemos que as próximas eleições parlamentares dessem ao Partido Trabalhista uma maioria absoluta (o que não está assegurado); se ainda admitissemos que o partido realmente seguisse o caminho de reformas socialistas (o que é pouco provável) imediatamente se depararia com uma resistência tão feroz da Câmara dos Lordes, do rei, dos bancos, do mercado de ações, da burocracia, da imprensa, que uma cisão nas suas fileiras se tornaria inevitável, e a ala esquerda, mais radical, se tornaria uma minoria parlamentar. Simultaneamente, o movimento fascista ganharia um alcance sem precedentes. Alarmada pelas eleições municipais, a burguesia britânica está sem dúvida já a preparar ativamente uma luta extra-parlamentar enquanto os líderes do Partido Trabalhista embalham o proletariado com os sucessos e ilusões parlamentares. Os trabalhadores Socialistas são forçados, infelizmente, a ver os acontecimentos britânicos através das lentes cor-de-rosa de Jean Longuet. De fato, quanto menos os dirigentes do Partido Trabalhista se prepararem para ela, mais cruel será a guerra civil imposta ao proletariado pela burguesia britânica.

Mas de onde tirar armas para todo o proletariado? objetam novamente os céticos, que tomam a sua própria inutilidade por uma impossibilidade objetiva. Esquecem que a mesma questão foi colocada por todas as revoluções ao longo da história. E, apesar de tudo, as revoluções triunfantes marcam etapas importantes no desenvolvimento da humanidade.

O proletariado produz armas, transporta-as, constrói os arsenais em que são depositadas, defende esses arsenais contra o seu próprio interesse, serve no exército e cria todo o equipamento deste último. Não são fechaduras nem muros que separam o proletariado das armas, mas o hábito da submissão, a hipnose da dominação de classe, o veneno nacionalista. Basta destruir esses muros psicológicos e nenhum muro de pedra resistirá. Basta que o proletariado queira ter armas e encontra-las-á. A tarefa do partido revolucionário é despertar no proletariado essa vontade e facilitar a sua realização.

Mas eis que Frossard e algumas centenas de parlamentares, jornalistas e burocratas sindicais assustados avançam com o seu último argumento, o de maior peso: "Podem em geral as pessoas sérias colocar as suas esperanças no êxito da luta física depois das últimas experiências trágicas de Áustria e de Espanha? Pensem na técnica atual: os tanques, os gases, os aviões!" Este argumento demonstra apenas que algumas "pessoas sérias" não só não querem aprender nada como, medrosas, esquecem o pouco que aprenderam noutros tempos. 

A história dos últimos vinte anos demonstra, de modo particularmente claro, que os problemas fundamentais nas relações entre as classes, assim como entre as nações, são resolvidos pela força física. Os pacifistas esperaram durante muito tempo que o progresso da técnica militar tornasse a guerra impossível. Durante décadas repetiram que o progresso da técnica militar tornaria impossível a revolução. No entanto, guerras e revoluções continuam. Nunca houve tantas revoluções, incluindo revoluções vitoriosas, como desde a última guerra, que precisamente revelou toda o poder da técnica militar.

Frossard e companhia apresentam velhos esquemas como se fossem as últimas novidades, limitando-se a trocar tanques e aviões bombardeiros pelas anteriores armas automáticos e metralhadoras. Respondemos: atrás de cada máquina há homens ligados não apenas por laços técnicos mas possuem também sociais e políticos. 

Quando o desenvolvimento histórico coloca diante da sociedade uma tarefa revolucionária inadiável, como questão de vida ou morte, quando existe uma classe progressista a cuja vitória se encontra ligada a salvação da sociedade, a própria marcha da luta política abre ante a classe revolucionária as possibilidades mais diversas, tanto seja paralisar a força militar do inimigo como apoderar-se dela, ao menos parcialmente. Na consciência de um ignorante, estas possibilidades apresentam-se sempre como "acidentes devidos ao acaso”, que nunca mais se repetirão. De facto, em cada grande revolução verdadeiramente popular, abre-se todo tipo de possibilidade, nas combinações mais inesperadas, mas no fundo completamente naturais. Mas, apesar de tudo, a vitória não se produz por si mesma. Para utilizar as possibilidades favoráveis, é preciso uma vontade revolucionária, uma firme resolução de vencer, uma direção sólida e audaz. 

L'Humanité concorda em teoria com a palavra de ordem do "armamento dos trabalhadores", mas só para renunciar a ela na prática. Atualmente, segundo este jornal, é inadmissível lançar uma palavra de ordem que não é oportuna senão em "plena crise revolucionária". É perigoso carregar a espingarda, diz o caçador excessivamente "prudente", enquanto não vê a presa. Mas quando a avista é já demasiado tarde para carregar o fuzil. Os estrategas de L'Humanité pensam que, em "plena crise revolucionária" poderão, sem preparação, mobilizar e armar o proletariado? Para assegurar uma grande quantidade de armas é preciso ter ao menos algumas à mão. É preciso quadros militares. É preciso que as massas tenham o desejo invencível de se apoderar das armas. É preciso um trabalho preparatório ininterrupto, não só nos escritórios, mas indissoluvelmente ligado à luta cotidiana das massas. Isto quer dizer: é preciso construir imediatamente a milícia e, ao mesmo tempo, fazer propaganda a favor do armamento geral dos trabalhadores e camponeses revolucionários.

Mas as Derrotas da Áustria e da Espanha...

A impotência do parlamentarismo nas condições de crise total do sistema social do sistema capitalista é tão evidente que os democratas vulgares no campo dos trabalhadores (Renaudel, Frossard e os seus imitadores) não encontram um argumento para defender seus preconceitos petrificados. Com maior razão, estão dispostos a brandir todos os fracassos e derrotas sofridos no caminho revolucionário. O desenvolvimento do seu pensamento é o seguinte: se o parlamentarismo puro não oferece saída, com a luta armada não se melhora a situação. As derrotas das insurreições proletárias da Áustria e da Espanha são agora o seu argumento preferido claro está. De facto a inconsistência teórica e política dos democratas vulgares aparece ainda mais claramente na sua crítica do método revolucionário do que na defesa dos métodos da democracia burguesa em apodrecimento.

Ninguém disse que o método revolucionário assegura automaticamente a vitória. O decisivo não é o método em si mesmo, mas a sua aplicação correta, a orientação marxista nos acontecimentos, uma organização poderosa, a confiança das massas conquistada através de uma ampla experiência, uma direção perspicaz e ousada. O resultado de qualquer combate depende do momento e das condições do conflito e da relação de forças. O marxismo está bem longe de pensar que o conflito armado é o único método revolucionário, uma espécie de panacéia que vale para todas as situações. O marxismo em geral não conhece fetiches, sejam eles parlamentares ou insurrecionais. Há um tempo e lugar para tudo. 

O que se pode dizer, para começar, é que, pela via parlamentar, o proletariado Socialista nunca e em nenhum lugar conquistou o poder, ou sequer teve próximo de o fazer. Os governos de Scheidemann, Hermann Müller, MacDonald nada tinham em comum com o socialismo. A burguesia não permitiu aos Social-Democratas e Trabalhistas chegar ao poder senão sob a condição de que defendessem o capitalismo contra os seus inimigos. E eles cumpriram escrupulosamente esta condição. O socialismo puramente parlamentar, anti-revolucionário, nunca e em nenhum lugar tornou realidade um ministério socialista. Pelo contrário, conseguiu criar desprezíveis renegados que exploraram o partido dos trabalhadores para fazer uma carreira ministerial: Millerand, Briand, Viviani, Laval, Paul-Boncour, Marquet.

Por outro lado, a experiência histórica demonstrou que o método revolucionário pode conduzir à conquista do poder pelo proletariado: na Rússia em 1917, na Alemanha e na Áustria em 1918, em Espanha em 1930. Na Rússia havia um poderoso partido bolchevique, que durante longos anos preparou a revolução e que soube apoderar-se do poder solidamente. Os partidos reformistas da Alemanha, Áustria e Espanha não prepararam nem dirigiram a revolução, antes sofreram-na. Espantados com o poder que havia caído nas suas mãos, contra a sua vontade, cederam-no benevolamente à burguesia. Deste modo, minaram a confiança do proletariado em si mesmo e, mais que isso, a confiança da pequena-burguesia no proletariado. Prepararam as condições de crescimento da reação fascista de que foram vítimas.

Citando Clausewitz, dissemos que a guerra civil é a continuação da política por outros meios. Isto significa: o resultado da guerra civil depende somente 1/4, para não dizer 1/10, da marcha da própria guerra civil, dos seus meios técnicos, da direção meramente militar, e os 3/4 restantes, senão 9/10, da preparação política. Em que consiste essa preparação? Na coesão revolucionária das massas, na sua libertação das esperanças servis na clemência, generosidade e lealdade dos escravistas "democráticos", na educação de quadros revolucionários que saibam desafiar a opinião pública oficial e que sejam capazes de exibir diante da burguesia, quanto mais não seja, uma décima parte da implacabilidade que a burguesia exibe diante dos trabalhadores. Sem esta preparação, a guerra civil, quando as condições a impõem - e sempre terminam por impô-la -, desenvolver-se-á em condições mais desfavoráveis para o proletariado, dependerá em maior medida de acasos; e mesmo em caso de vitória militar, o poder poderá escapar das mãos do proletariado. Quem não vê que a luta de classes conduz inevitavelmente a um conflito armado é um cego. Mas não é menos cego quem falha em ver por detrás deste confito armado e da sua resolução toda a política anterior das classes em luta.

Quem foi derrotato na Áustria não foi o método da insurreição, mas o Austro-Marxismo e na Espanha, o reformismo parlamentar sem princípios. Em 1918, a social-democracia austríaca, entregou à burguesia, à revelia do proletariado, o poder que este havia conquistado. Em 1927, não só se afastou cobardemente da insurreição proletária que tinha todas as possibilidades de vencer, como dirigiu a Schutzbund dos trabalhadores contra as massas insurgentes. Deste modo preparou a vitória de Dolfuss. Bauer e companhia. diziam: "Queremos uma evolução pacífica, mas se o inimigo perde a cabeça e nos ataca, então..." Esta fórmula parecia ser muito "sábia" e muito "realista". Infelizmente é sobre este modelo Austro-Marxista que Marceau Pivert também constrói os seus raciocínios: "Se... então...". De facto, esta fórmula é uma armadilha para os trabalhadores: tranquiliza-os, adormece-os, engana-os. "Se" significa que as formas de luta dependem da boa vontade da burguesia e não da impossibilidade de conciliar os interesses de classes. "Se" significa se somos pacíficos, prudentes, conciliadores, a burguesia será leal e tudo seguirá pacificamente. Correndo atrás do fantasma "se", Otto Bauer e outros líderes da social-democracia austríaca retrocederam passivamente ante a reação, cederam-lhe uma posição após a outra, desmoralizaram as massas, voltaram a retroceder, até ao momento em que se encontraram, finalmente, num beco sem saída; ali, no último reduto, aceitaram a batalha... e perderam-na3.

Em Espanha, os acontecimentos seguiram outro caminho, mas no fundo as causas da derrota foram as mesmas. O Partido Socialista, como os Socialistas Revolucionários e os Mencheviques russos, compartilhou o poder com a burguesia republicana para impedir que os trabalhadores levassem a revolução até o final. Durante dois anos, os Socialistas no poder ajudaram a burguesia a desembaraçar-se das massas através de migalhas de reformas agrárias, sociais e nacionais. Contra as camadas mais revolucionárias do povo, os Socialistas utilizaram a repressão. 

O resultado foi duplo. O anarco-sindicalismo, que com uma política correta por parte do partido dos trabalhadores haver-se-ia derretido como cera no fogo da revolução, na realidade reforçou-se e atraiu em torno de si as camadas mais combativas do proletariado. No pólo oposto, a demagogia social-católica explorou habilmente o descontentamento das massas com o governo burguês-socialista. 

Quando o Partido Socialista estava suficientemente comprometido, a burguesia tirou-o do poder e passou à ofensiva em toda a linha. O Partido Socialista viu-se obrigado a defender-se nas condições extremamente desfavoráveis em que a sua própria política anterior o havia deixado. A burguesia já tinha apoio de massas à direita. Os líderes anarco-sindicalistas, que no curso da revolução cometeram todos os erros, negaram-se a apoiar a insurreição dirigida pelos "políticos" traidores. O movimento não teve caráter geral, mas esporádico. O governo pôde dirigir os seus golpes contra as forças dispersas dos trabalhadores. A guerra civil assim imposta pela reação terminou com a derrota do proletariado.

Da experiência espanhola não é difícil tirar uma conclusão contra a participação Socialista num governo burguês. A conclusão é em si mesma indiscutível, mas absolutamente insuficiente. O suposto "radicalismo" do Austro-Marxismo não é em nenhum sentido melhor que o ministerialismo espanhol. A diferença entre eles é técnica, não política. Ambos esperavam que a burguesia retribuísse "lealdade" com "lealdade". E ambos levaram o proletariado à catástrofe. Em Espanha como na Áustria não foram os métodos da revolução que fracassaram, mas os métodos oportunistas usados numa situação revolucionária. Não é a mesma coisa!

Não nos deteremos aqui sobre a política da Internacional Comunista na Áustria e na Espanha; remetemos o leitor aos números da La Veríté4 e a uma série de folhetos publicados nos últimos anos. Numa situação política excepcionalmente favorável, os Partidos Comunistas austríaco e espanhol, prostrados pela teoria do "terceiro período", do "social-fascismo", etc., condenaram-se a um isolamento completo. Comprometendo os métodos da revolução pela autoridade de "Moscovo", fecharam assim a via para uma política verdadeiramente marxista, verdadeiramente Bolchevique. A faculdade fundamentar da revolução é submeter a um exame rápido e implacável todas as doutrinas e métodos. O castigo segue-se quase imediatamente ao crime. A responsabilidade da Internacional Comunista pelas derrotas do proletariado na Alemanha, na Áustria e em Espanha é incalculável. Não basta ter uma política "revolucionária" em palavras. preciso ter uma política correta. Ninguém encontrou ainda outro segredo para a vitória.

A Frente Única e a Luta Pelo Poder

Já dissemos: a frente única dos Partidos Socialista e Comunista tem grandiosas possibilidades. Basta querer seriamente e será amanhã a dona da França. Mas deve querê-lo.

O facto de Jouhaux e, em geral, a burocracia da CGT se manterem fora da frente única, preservando a sua "independência", parece contradizer o que dizemos. Mas apenas à primeira vista. Numa época de grandes tarefas e de grandes perigos que põem as massas de pé, desaparecem os limites entre as organizações políticas e sindicais do proletariado. Os trabalhadores querem saber como salvar-se do desemprego e do fascismo, como conquistar a sua independência face ao capital, não estão nem um pouco preocupados com a "independência" de Jouhaux em relação à política proletária (em relação à política burguesa Jouhaux é, lamentavelmente, bastante dependente). Se a vanguarda proletária, representada pela frente única, traça corretamente o caminho da luta, todos os obstáculos levantados pela burocracia sindical serão varridos pela corrente viva do proletariado. A chave da situação está hoje na frente única dos dois partidos. Se não utilizar essa chave, desempenhará o lamentável papel que a frente única dos Socialistas Revolucionários e Mencheviques teriam inevitavelmente desempenhado na Rússia de 1917... se os Bolcheviques não o tivessem impedido.

Não falamos dos Partidos Socialista e Comunista em particular, pois, politicamente, ambos renunciaram à sua independência a favor da frente única. Desde o momento em que os dois partidos dos trabalhadores, que competiam vivamente no passado, renunciaram a criticar-se mutuamente e a conquistar, cada um, os membros do outro, por essa mesma circunstância deixaram de existir como partidos distintos. Invocar "divergências de princípios" que se mantêm não muda nada. Desde que as divergências de princípios não se manifestem aberta e ativamente num momento tão cheio de responsabilidades como o atual, deixam de existir politicamente; são como tesouros no fundo do mar. O trabalho comum terminará ou não em fusão? Não queremos fazer previsões. Mas, neste momento decisivo para o destino da França, a frente única dos dois partidos atua como um partido incompleto, construído sobre o princípio federativo.

O que quer a frente única? Até agora não o disse às massas. A luta contra o fascismo? Mas até agora não explicou sequer como pensa lutar contra o fascismo. Além disso, o bloco puramente defensivo contra o fascismo poderia bastar apenas se, em tudo o resto, os partidos conservassem uma completa independência. Mas não, temos uma frente única que abrange quase toda a atividade política dos dois partidos e exclui a sua luta recíproca para conquistar a maioria do proletariado. É necessário extrair todas as consequências desta situação. A primeira, e mais importante, é que é preciso lutar pelo poder. O objetivo da frente única dos Partidos Socialista e Comunista não pode ser outro que um governo desta frente, isto é, um governo socialista-comunista, um ministério Blum-Cachin. 

É preciso dizê-lo abertamente. Se a frente única se toma a si própria seriamente - e esta é a única condição para que seja tomada a sério pelas massas populares -, não pode furtar-se à palavra de ordem da conquista do poder. Por que meios? Por todos os meios que conduzam a esse objetivo, a frente única não renuncia à luta parlamentar. Mas utiliza o parlamento antes de tudo para demonstrar a impotência deste e explicar ao povo que o governo burguês atual tem uma base extraparlamentar e que não se pode derrotá-lo a não ser com um poderoso movimento de massas. A luta pelo poder significa a utilização de todas as possibilidades oferecidas pelo regime bonapartista semiparlamentar para derrotá-lo mediante um golpe revolucionário; para substituir o Estado burguês por um Estado operário.

As últimas eleições locais revelaram um crescimento dos votos Socialistas, e sobretudo Comunistas. Em si mesmo, este facto nada significa. O Partido Comunista Alemão teve, na véspera do seu desmoronamento, uma afluência incomparavelmente mais impetuosa de votos. Novas e amplas camadas de oprimidos são empurradas para a esquerda por toda a situação, independentemente mesmo da política dos partidos que estão nos extremos. O Partido Comunista Francês ganhou mais votos porque, apesar da sua atual política conservadora, continua a ser "a extrema-esquerda", por tradição. As massas manifestaram desse modo a sua tendência a dar um impulso à esquerda aos partidos dos trabalhadores, pois elas estão muito mais à esquerda do que os seus partidos. O estado de ânimo revolucionário da Juventude Socialista também é testemunho disso5. É preciso não esquecer que a juventude representa o barómetro sensível de toda classe e da sua vanguarda! 

Se a frente única não sai da passividade ou, pior ainda, começa um indigno romance com os Radicais, grupos de desagregação política como os Anarco-sindicalistas, os Anarquistas e outros começarão a fortalecer-se “à esquerda” da frente única. Ao mesmo, a indiferença, precursora da catástrofe, fortaler-se-á. Pelo contrário, se a frente única, protegendo a sua retaguarda e os seus flancos dos grupos fascistas, inicia uma grande ofensiva política sob a palavra de ordem de conquista do poder, encontrará um entusiasmo tão poderoso que superará as expectativas mais otimistas. Só os charlatães, para quem os grandes movimentos de massas permanecerão para sempre um segredo fechado a sete chaves, não conseguem compreender isto.

Um Programa de Revolução e Não de Passividade

A luta pelo poder deve partir da ideia fundamental de que, embora seja possível opor-se a um agravamento da situação das massas no terreno do capitalismo, não se pode conceber nenhuma melhoria real da situação sem uma incursão revolucionária contra o direito de propriedade capitalista. A campanha da frente única deve apoiar-se sobre um programa de transição bem elaborado, isto é, sobre um sistema de medidas que - com um governo dos trabalhadores e camponeses - deve assegurar a transição do capitalismo ao socialismo6.

Um programa é necessário não para tranquilizar a consciência mas conduzir a ação revolucionária. De que vale um programa se é letra morta? O Partido dos Trabalhadores belga, por exemplo, adotou o pomposo plano De Man, com todas as "nacionalizações". Mas que sentido tem esse plano, se não quiseram mover um dedo mindinho para o realizar? Os programas do fascismo são uma fantasia, mentirosos, demagógicos. Mas o fascismo trava uma luta raivosa pelo poder. Os Partidos Socialistas podem lançar o programa mais sábio, mas o seu valor será igual a zero se a vanguarda do proletariado não desenvolver uma audaciosa luta para apoderar-se do Estado. A crise social, na sua expressão política, é a crise do poder. O velho amo da sociedade faliu. É preciso um novo. Se o proletariado revolucionário não tomar o poder o fascismo inevitavelmente tormá-lo-á!

Um programa de reivindicações transitórias para as "classes médias" pode adotar grande importância se corresponder, por um lado, às necessidades reais das classes médias e, por outro, às exigências do desenvolvimento para o socialismo7. Mas uma vez mais, o centro de gravidade não se encontra, atualmente, neste ou naquele programa particular. As "classes médias" já ouviram muitos programas. O que precisam é de ter confiança em que o programa será realizado. No momento em que o camponês disser: "Desta vez, parece que os partidos dos trabalhadores não vão retroceder", a causa do socialismo estará ganha. Mas, para isso, é necessário mostrar, através de ações, que estamos firmemente dispostos a eliminar todos os obstáculos do nosso caminho.

Não é preciso inventar meios de luta, já foram dados por toda a história do movimento da classe trabalhadora mundial: uma forte campanha orquestrada pela imprensa da classe trabalhadora, atacando um mesmo ponto; discursos autenticamente socialistas nas tribunas parlamentares, não de deputados domesticados, mas de dirigentes do povo; utilização de todas as campanhas eleitorais para a propaganda revolucionária; reuniões frequentes a que as massas compareçam não apenas para escutar os oradores, mas para receber as palavras de ordem e as diretrizes do momento; criação e fortalecimento da milícia da classe trabalhadora; manifestações bem organizadas que varram das ruas os grupos reacionários; greves de protesto; campanha aberta pela unificação e aumento das fileiras sindicais sob o signo de uma decidida luta de classes; ações tenazes e bem calculadas para conquistar o exército para a causa do povo; greves mais amplas; manifestações mais poderosas; greve geral dos trabalhadores da cidade e do campo; ofensiva geral contra o governo bonapartista pelo poder dos trabalhadores e camponeses. 

Ainda há tempo para preparar a vitória. O fascismo ainda não se converteu num movimento de massas. No entanto, a inevitável decomposição do Partido radical significará o estreitamento da base do bonapartismo, o crescimento dos campos extremos e a aproximação do confronto final. Não é uma questão de anos, mas de meses. Este prazo, evidentemente, não está escrito em parte alguma. Depende da luta das forças vivas e, em primeiro lugar, da política do proletariado e da sua frente única. 

As forças potenciais da revolução superam em muito as forças do fascismo e, em geral, as de toda a reação unida. Os céticos que pensam que tudo está perdido devem ser implacavelmente expulsos das fileiras dos trabalhadores. Das profundezas das masses responde um eco vibrante a cada palavra ousada, a cada palavra de ordem verdadeiramente revolucionária. As massas querem a luta.

O fator mais progressista da história hoje não é o espírito de conciliação dos deputados e jornalistas: é o ódio legítimo criador dos oprimidos contra os opressores. É preciso dirigir-se às massas, às suas camadas mais profundas. É preciso fazer um chamamento à sua razão e à sua paixão. É preciso rejeitar essa "prudência" fatal, que serve de pseudônimo à covardia e que, nos pontos de viragem históricos, equivale a traição. A frente única deve tornar como lema a fórmula de Danton: "De l’audace, toujours de l’audace, et encore de l’audace”8.

Compreender bem a situação e extrair todas as conclusões práticas - ousadamente, sem medo e até ao fim - é assegurar a vitória do socialismo.


Notas:

1. Segundo o esquema proclamado pelos estalinistas, o "terceiro período" era a etapa final do capitalismo, o período da sua imediata liquidação e da sua substituição pelos sovietes. O primeiro período foi de 1917 a 1924 (crise capitalista e insurreição revolucionária); o segundo, de 1925 a 1928 (estabilização capitalista); e o terceiro, de 1929 a 1934. A política da Internacional Comunista durante o terceiro período foi marcada pelo ultraesquerdismo, a equiparação de socialistas e anarquistas ao fascismo ("socialfascismo" e "anarcofascismo"), a formação de sindicatos sectários ("sindicatos vermelhos") e a oposição à frente única de classe. Dado que os seus resultados - entre outros, a ascensão de Hitler ao poder - foram desastrosos, os estalinistas mudaram de rumo e em 1934 adotaram a política oportunista de frente popular, promovendo alianças com a burguesia "progressista" em nome da defesa da "democracia" contra o fascismo. Os resultados do frentepopulismo, cuja máxima expressão se viu em Espanha durante a revolução de 1936-37, foram igualmente desastrosos.

2. Nota de Trotsky: No L'Humanité de 30 de outubro, Vaillant-Couturier mostra muito bem que exigir do governo o desarmamento dos fascistas é um absurdo, e que só um movimento de massas pode desarma-los. Já que se trata, evidentemente, não de um desarmamento "ideológico", mas físico, queremos crer que, agora, L'Humanité reconhecerá a necessidade da milícia operária. Estamos dispostos a saudar sinceramente qualquer passo dos estalinistas no caminho correto.

Mas, lamentavelmente, desde 1º de novembro, Vaillant-Couturier deu um passo decisivo para trás: o desarmamento dos fascistas não será feito mediante a frente única, mas mediante a polícia de Doumergue, "sob a pressão e controlo" da frente única. Grande ideia: sem revolução, apenas pela pressão "ideológica", converter a polícia num órgão executivo do proletariado!

Para quê conquistar o poder, se é possível obter-se os mesmos resultados pela via pacífica? "Sob a pressão e controlo" da frente única, Germain-Martin vai nacionalizar os bancos e Marchandeau vai mandar para a prisão os conspiradores reacionários, começando prlo seu colega Tardieu. A ideia de "pressão" e "controlo" em vez da luta revolucionária não foi inventada por Vaillant-Couturier, foi emprestada de Otto Bauer, de Hilferding e do menchevique russo Dan. O objetivo desta ideia é desviar os operários da luta revolucionária. De facto, é cem vezes mais fácil esmagar os fascistas com as próprias mãos do que com as mãos de uma polícia hostil. Quando a frente única se tornar suficientemente poderosa para "controlar" o aparato do Estado - quer dizer, depois da tomada do poder, e nunca antes , simplesmente eliminará a polícia burguesa e substitui-la-á pela milícia dos trabalhadores.

3. O Partido Social-Democrata austríaco recebeu mais de um milhão e meio de votos nas eleições de 24 de abril de 1927, o que representava quase metade do eleitorado. O primeiro-ministro Seipel limitou-se a ampliar mais à direita a coligação que sustentava o seu governo no parlamento. Os ataques fascistas redobraram contra as organizações dos trabalhadores, com a proteção mais ou menos aberta das autoridades. A 15 de julho, em Viena, uma manifestação dos trabalhadores contra a libertação de reconhecidos assassinos fascistas transformou-se numa rebelião. A social-democracia lança a palavra de ordem da greve geral de 24 horas e de greve por tempo ilimitado dos transportes para prevenir que o protesto selvagem levasse à guerra civil e revolução. O Schutzbund - organização paramiliatar do Partido Social-Democrata austríaco - foi mobilizado para garantir que os trabalhadores ficavam em casa. Finalmente, no dia 18, os dirigentes do sindicato dos transportes puseram fim à greve. Otto Bauer justificou a decisão do seu partido de impedir o combate empreendido pelos trabalhadores em virtude do "sentimento republicano de responsabilidades". É a partir destes acontecimentos que começa a contra-ofensiva burguesa que levará ao poder, em 1932, o primeiro-ministro Dollfuss. O mesmo Dollfuss esmagará a classe trabalhadora vienense antes de ser ele próprio assassinado pelos nazis aos quais abriu caminho.

4. A Verdade: Periódico editado pelos trotskistas franceses da Liga Comunista entre 1929 e 1936.

5. Os militantes da Juventude Socialista estavam na vanguarda da luta no interior da SFIO: pela milícia dos trabalhadores, a frente única, contra o militarismo e a União Sagrada.

6. Nota de Trotsky: Não nos deteremos aqui sobre o conteúdo do programa propriamente dito; remetemos o leitor ao Programa de ação editado pela Liga Comunista em 1934, que é o projeto de um programa de transição semelhante.

7. Nota de Trotsky: Em L'Ecole Emancipée, o camarada G. Serret publica um interessante questionário, a propósito da situação econômica das diferentes camadas do campesinato e das suas tendências políticas. Os professores poderiam tornar-se agentes insubstituíveis da frente única na aldeia e desempenhar, no período imediato, um papel histórico. Mas, para isso, devem sair da sua concha. Verdadeiramente, não é o momento de se dedicar a pequenas experiências em pequenos laboratórios. Os professores revolucionários devem ingressar no Partido Socialista para fortalecer a sua ala revolucionária e ligá-lo às massas camponesas. Seria criminoso perder tempo!

8. Audácia, sempre audácia e ainda mais audácia.

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