Hoje é o terceiro e último dia de uma vigília à frente da Assembleia da República organizada através das redes sociais por um grupo de bombeiros voluntários. “(...) o Governo, mais uma vez, esqueceu-se dos bombeiros e tem-se esquecido dos bombeiros” disse um dos bombeiros presentes à comunicação social. Algumas das suas reivindicações estavam num cartaz afixado: “revisão de carreiras e salários; financiamento estável para o setor; mais meios, formação e modernização”.
Em Portugal, os bombeiros voluntários, juntamente com os restantes trabalhadores do socorro — técnicos de emergência pré-hospitalar (TEPHs) e bombeiros sapadores — respondem a um sem fim de emergências e desastres, desde incêndios a acidentes rodoviários. São principalmente os bombeiros voluntários, em condições de extrema precariedade, que tomam conta destas ocorrências e mais pagam na pele por esta falta de investimento e condições. Só este ano até meados de Agosto já ficaram feridos mais de 200 bombeiros, tendo vindo a falecer dois deles.
Sob este sistema económico os bombeiros voluntários servem para assegurar uma grande parte do socorro sem que o Estado tenha de gastar quase nada! O discurso de que “somos mais honrados por fazer o que fazemos em piores condições”, que nós próprios repetimos dentro dos nossos quarteis, só serve para desculpar a falta de investimento por parte do Estado e beneficiar uma infima parte da sociedade: a burguesia. Como veremos em detalhe mais abaixo, a gigantesca maioria destas ocorrências são produto do controlo da sociedade por esta classe que despreza a vida d classe trabalhadora, da generalidade do povo, e em particular dos trabalhadores do socorro, que, através do Estado burguês, utiliza como mão-de-obra barata e descartável no salvamento da população.
Somos voluntários porque reconhecemos a necessidade e a importância da nossa missão, mas precisamos de compreender a realidade para podermos tomar uma posição e levar avante a nossa luta por condições dignas.
Incêndio Urbano e Rural: A cidade e a floresta sob as leis do capital facilitam os incêndios!
A gigantesca maioria da floresta em Portugal, perto de 85%, é privada e tem como objectivo a maximização do lucro. Por isso é que encontramos com tanta frequência o eucalipto, conhecido pelo rápido crescimento e usado para a indústria do papel. É uma árvore que arde com facilidade e de difícil extinção, seja pela projeção de fagulhas seja pela extensão das suas raízes, criando largos incêndios subterrâneos. A redução de custos estende-se também à não limpeza dos terrenos, muitos deles ao abandono. Estes são os fatores fundamentais que explicam as proporções monstruosas que estes incêndios adquirem. Uma outra floresta é urgente: uma floresta pública, com árvores autóctones e livre da epidemia do eucalipto, ao serviço das populações, devidamente limpa, com faixas de contenção e acessos próprios!
A total indiferença da burguesia perante as vidas perdidas e a miséria deixada pelo fogo nas zonas rurais é igualmente evidente pela quantidade de incêndios provocados por mão criminosa. Ao contrário daquilo que os meios de comunicação social tentam transmitir, em grande parte o fogo não é começado por pirómanos ou por familiares e vizinhos desavindos. É-o sim pela própria indústria da madeira e do papel. As queimadas efetuadas em época de alto risco de incêndio rural, levadas a cabo para reduzir o seu custo associado e o fogo posto com o objetivo de forçar o pequeno proprietário a vender a sua madeira são pão nosso de cada dia! Quantas vezes não combatemos incêndios em zonas rurais para as quais estão planificados projetos imobiliários ou industriais? Não podemos ser ingénuos ao ponto de acreditar que é por sorte que a maioria dos incêndios rurais favorecem os projetos dos grandes grupos económicos.
Já uma grande parte dos incêndios urbanos têm como origem a eletricidade. Em caso de sobretensão elétrica a culpa é da falta de planeamento urbanístico para lidar com as necessidades energéticas de uma habitação, que é muitas vezes provocada pela própria falta de isolamento térmico nas nossas casas, fruto da intenção de redução de custos por parte das empresas de construção ou dos senhorios. Uma parte dos curto-circuitos nos eletrodomésticos são também resultado de uma redução de custos por parte das grandes empresas de produtos eletrónicos. Mesmo a facilidade de propagação de um incêndio urbano vai depender da escolha dos materiais de construção e das medidas de segurança implementadas pelas empresas de construção e senhorios, sujeitas a uma das leis centrais do capitalismo — a redução de custos para a maximização dos lucros!
Mesmo quando falamos de incêndios provocados por falha humana, falamos de uma negligência inteiramente provocada pelo dia-a-dia esgotante que a classe trabalhadora enfrenta. Ninguém se arrisca a perder a própria vida num incêndio na sua casa porque quer! A nossa classe acorda cansada, atravessa uma jornada laboral esgotante e quando finalmente chega a casa enfrenta ainda as tarefas domésticas. O risco de desleixo com uma frigideira, uma vela ou um aquecedor aumenta brutalmente quando este é o retrato diário da gigantesca maioria da população.
É possível uma alternativa a todo este cenário! Só quando a cidade e a floresta não forem um negócio é que as nossas condições de segurança não vão depender da margem de lucro que a empresa de construção, o senhorio ou as grandes empresas da madeira queiram manter. Nada disto pode ser assegurado em capitalismo. A luta para a diminuição dos incêndios urbanos e rurais e a redução dos danos provocados pelos mesmos é a luta pelo socialismo.
Emergência Pré-Hospitalar: São as nossas condições de vida e o estado do SNS que provocam os nossos problemas de saúde!
Já há muito tempo que sabemos que os principais determinantes de saúde são as condições económicas e sociais. Fatores como a pobreza, o tipo de trabalho realizado durante a vida, o stress crónico ou más condições de habitação são centrais para determinar tanto a saúde como os anos de vida do indivíduo. O sufoco da rotina diária rouba-nos o tempo livre necessário para prevenirmos problemas de saúde mais graves. E quando o tentamos fazer, os enormes tempos de espera do Serviço Nacional de Saúde (SNS) adiam potenciais diagnósticos, agravando o que poderia ser um problema de saúde facilmente solucionável.
A dificuldade que a grande maioria da população tem no acesso à saúde em nada se compara ao acesso que tem um burguês, com todo o tempo livre do mundo e com a possibilidade de acompanhamento num hospital privado. É na degradação das condições de vida da classe trabalhadora e na falta de investimento no SNS que encontramos a origem da maioria dos serviços de ambulância! O aumento gritante do número de nascimentos em ambulância ou mesmo no meio da rua, enquanto as urgências e serviços de ginecologia/obstetrícia se encontram encerrados são mais um reflexo disso mesmo, cabendo muitas vezes aos bombeiros a tarefa de efetuar o parto.
O fim da precariedade, a redução da jornada de trabalho, a melhoria drástica nas condições laborais e um investimento massivo na habitação e no lazer da classe trabalhadora são a solução para a grande maioria das emergências médicas. Contudo, isso não é possível em capitalismo — um sistema que põe o lucro da burguesia à frente da vida de toda a classe trabalhadora. Os cortes brutais no SNS, o desvio de dinheiro público para a saúde privada, a subida a pique do custo de vida e as tentativas de aumento da carga laboral são provas claras disso mesmo.
Salvamento Rodoviário: a dependência do veículo próprio é produto deste sistema!
A principal causa dos acidentes rodoviários vem da necessidade de veículo próprio imposta pelo capitalismo. É a falta de investimento em transportes públicos que provoca os engarrafamentos diários dentro das áreas metropolitanas. Quantos carros não se tirariam da cidade se os autocarros chegassem a horas e se não tivéssemos que ir apertados como sardinhas em lata? E quantos carros não se tirariam das estradas se tivéssemos boas ligações de comboio ou metro entre cidades? Mais ainda, se os passes dos transportes públicos fossem gratuitos, quantos trabalhadores não prefeririam os transportes públicos invés das constantes despesas com o carro próprio?
Além disso, quando falamos de trajetos realizados em veículo próprio, falamos de trajetos feitos em estradas completamente negligenciadas. A falta de manutenção por parte do Estado facilita os acidentes de forma direta, mas é preciso também considerar que os facilita de forma indireta, por provocar um maior desgaste nos veículos que utilizamos para nos deslocar.
Mas o investimento massivo nos transportes públicos e na manutenção das estradas e a gratuitidade dos passes não são medidas que possam ser asseguradas em capitalismo. Para a burguesia, os transportes públicos são a forma de levar e trazer a classe trabalhadora de casa até ao trabalho. Não lhes importa a qualidade do transporte ou o tempo que demoremos, importa apenas que cheguemos - se a viagem tarda, a solução é levantar mais cedo. Só com o fim do capitalismo é que conseguiremos uma redução brutal dos carros nas vias e, dessa forma, uma redução brutal dos acidentes rodoviários.
Não queremos ser usados como mão-de-obra barata para o socorro da nossa classe!
Este sistema económico não só é o responsável por estas emergências, como por ditar as prioridades com que somos ativados e ainda determinar a forma como as corporações de bombeiros se organizam, como trabalhamos e como nos relacionamos com outras entidades que asseguram o socorro.
A existência de voluntários permite diminuir o efetivo de bombeiros assalariados, quer nas corporações de voluntários quer nas corporações de bombeiros sapadores, e ainda de trabalhadores do INEM. Por sua vez, a falta de investimento nas corporações de voluntários e o investimento, ainda que insuficiente, nos bombeiros sapadores serve para nos dividir, para nos impedir de tomar consciência da força que teríamos se tivéssemos juntos.
Além disto, o Estado utiliza os bombeiros voluntários como arma de arremesso contra a luta laboral levada a cabo pelos restantes trabalhadores do setor. O exemplo mais recente disso foi a greve levada a cabo pelos TEPHs entre outubro e novembro do ano passado e o papel indireto de fura-greves que o Estado forçou os bombeiros voluntários a tomar.
Há que bater o pé e de dizer claramente: recusamos ser mão-de-obra barata da burguesia! Recusamos servir de fura-greves quando camaradas com outras fardas lutam pelos seus direitos! Recusamos ser “pagos” com elogios ao mesmo tempo que morremos nas chamas por falta de condições materiais!
Nós trabalhadores do socorro dependemos todos uns dos outros e a melhoria das condições de uns é a melhoria das condições de todos. A solidariedade e união das nossas lutas é essencial para conseguirmos arrancar os nossos direitos a este governo dos patrões. A mesma camaradagem que estendemos entre bombeiros voluntários deve ser estendida aos restantes trabalhadores da emergência e socorro, sejam eles bombeiros sapadores, técnicos de emergência médica do INEM ou sapadores florestais do ICNF. Esta nossa vigília, a greve do INEM e os protestos dos bombeiros sapadores de Lisboa são os primeiros passos de uma luta que deve ser unificada!
Só através da luta conseguiremos um socorro público, universal e de qualidade!
A única coisa que este sistema tem para nos oferecer são condições de vida sufocantes, retirando-nos tempo e capacidade para realizarmos devidamente o nosso treino operacional, retirando investimento das nossas corporações e retirando-nos tempo para dar à causa. Somos úteis para a classe capitalista porque somos uma mão-de-obra barata para assegurar socorro à classe trabalhadora, além de nos utilizarem para tirarmos força à luta levada a cabo pelos camaradas que envergam outras fardas.
Para além disso todas as ocorrências a que respondemos seriam facilmente evitadas com uma gestão democrática dos locais de trabalho e da terra. Se fosse a classe trabalhadora a discutir e decidir as condições materiais e de trabalho, de segurança e de tempo de descanso, reduzimos os acidentes a uma pequeníssima fração. Mas a prioridade deste sistema não é o bem estar da população, antes a maximização dos lucros de um punhado de capitalistas. Só quando as cidades e as florestas não forem mais um negócio é que as nossas condições de segurança vão deixar de depender da margem de lucro que a empresa de construção, o senhorio ou as grandes empresas queiram manter.
Cada emergência a que temos de atender é um alarme gritante do quão podre é o sistema capitalista e do quão urgente é a transformação da sociedade! Só em socialismo, num sistema que coloque como prioridade o bem estar da classe trabalhadora, é que conseguiremos condições de vida que nos permitam ir para o quartel sem preocupações exteriores e o tempo e investimento para realizar o treino operacional que precisamos! Só com a transformação da sociedade é que conseguiremos fazer parte de uma força que tenha como base o cumprimento do nosso dever: uma classe trabalhadora capaz de se socorrer a si mesma!
O primeiro passo nesta luta é a união de todos os trabalhadores da emergência e socorro! Precisamos de acabar com as divisões entre corporações e diferentes entidades. Para isso, exigimos:
- A subida e equiparação dos salários entre todos os operacionais da emergência e socorro, independentemente da força ou corporação que servirem! Queremos um salário base de 1500€ com um subsídio de risco digno!
- Um grande investimento nos quartéis, nos veículos e em equipamento de proteção individual!
- A redução da semana de trabalho para que voluntários possam servir e realizar treino operacional!
Lutar pela vida e saúde das nossas vítimas e pela melhoria do nosso serviço é lutar pelo fim do capitalismo e pela construção do socialismo!
Junta-te à luta pelo socialismo!
Junta-te à Esquerda Revolucionária!