2023 vai ser um ano decisivo a nível eleitoral. Em maio terão lugar as eleições municipais e doze comunidades autónomas, entre elas Madrid, renovarão os seus parlamentos. Em dezembro, o mais tardar, haverá eleições gerais e a coligação PSOE-UP enfrentará o desafio de renovar o seu mandato.

O contexto em que acontecerão estes atos eleitorais está marcado por dois fatores: a forte polarização social, que se reflete tanto nos conflitos políticos e institucionais dos últimos meses como na situação interna dos principais partidos; e uma provável recessão económica internacional que acentuará o abrandamento da economia espanhola, precisamente quando os efeitos empobrecedores da onda inflacionária golpeiam com dureza a grande maioria da população.

O que é que nos trouxeram estes três anos de governo PSOE-UP?

As grandes expectativas criadas pelo acordo de governação entre o PSOE e a UP sofreram uma erosão considerável. Longe de pôr em prática os compromissos incluídos no pacto de governação, Pedro Sánchez apostou, desde o início, numa política de colaboração ativa com a burguesia e o imperialismo norte-americano, mascarando-a com uma grande dose de propaganda para exaltar os planos de proteção social limitados aprovados. Como parte desta estratégia, os aparelhos da CCOO (Confederación Sindical de Comisiones Obreras) e UGT esforçaram-se para promover a desmobilização nas ruas, algo que foi contestado por movimentos sociais massivos como o dos pensionistas e o feminista, e por lutas de trabalhadores que demonstraram uma grande radicalização. No quadro político atual, os dirigentes da UP continuam a utilizar a sua autoridade — como representação parlamentar da onda de rebelião dos anos 2011-2015 — para apaziguar e direcionar os protestos para vias institucionais, extinguindo-os melhor dessa forma.

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O contexto em que acontecerão os próximos atos eleitorais está marcado por dois fatores: uma forte polarização social e uma provável recessão económica internacional que acentuará o abrandamento da economia espanhola.

Com o seu flanco esquerdo assegurado, o PSOE sentiu-se capaz de pôr em prática uma política de estabilidade institucional nos grandes assuntos de Estado. E isto levou a que votassem lado a lado com o PP e o Vox em inúmeras ocasiões, como no bloqueio à comissão de investigação sobre a corrupção do rei emérito. A proteção do sinistro aparelho judicial herdado do franquismo, a cobertura da repressão criminal contra milhares de migrantes que fogem da miséria dos seus países, a passividade perante a crescente e generalizada violência policial, e uma política externa completamente submissa às exigências do imperialismo norte-americano são algumas amostras do acordo de fundo entre as políticas do PSOE e do PP.

Torna-se óbvia a convergência entre as políticas do PSOE e do PP quando se trata de apoiar ativamente a intervenção da NATO na Ucrânia, enviando armas, quando se trata de agradar à política externa dos EUA abandonando o povo saharaui, quando se trata de reprimir o movimento de libertação nacional na Catalunha, ou quando se trata da legislação repressiva preparada para fazer frente à crescente e inevitável onda de protestos sociais, como a não revogação da Lei da Mordaça.

Uma política económica ao serviço dos lucros das empresas

Desde o primeiro dia, o Governo concentrou os seus esforços na tentativa de fazer a quadratura do círculo. Por um lado, ativar o que os ministros da UP chamaram de “escudo social” e, por outro, não provocar os grandes monopólios e os patrões, garantindo os seus lucros.

Com base nos dados do INE, a UGT publicou há poucos dias um estudo que demonstrava as consequências desta política: no fim de 2020, os salários reais eram não só mais baixos que os de antes da coligação PSOE-UP, como também tinham perdido 6,5 pontos percentuais comparando com os salários de 2008. Segundo os dados do Ministério do Trabalho, a média de subida salarial foi de 1,69% em 2021, e de 2,65% em 2022, perante uma inflação de 6,7% e de 8,5% respetivamente. Isto equivale a uma perda adicional de poder de compra de 10,86% nos últimos anos e uma queda salarial global de quase 17,4% desde 2008. Catorze anos de constante empobrecimento da classe trabalhadora que o governo de coligação não parou!

A subida do salário mínimo nacional de pouco mais de 700€ para 1000€, ou o aumento das pensões para este ano (mais de 8%) são medidas inegavelmente positivas. Assim como o decreto de um teto máximo de aumento das rendas de casa (2%) no ano passado e para os próximos seis meses, ou a redução do preço dos passes dos transportes urbanos e dos comboios de média distância. Sem dúvida que estas medidas contam com o apoio da grande maioria mas, se pensarmos no todo, foram insuficientes para travar a tendência de empobrecimento de largas camadas da população e não resolveram os problemas gravíssimos de falta de habitação pública e do desmantelamento da educação e saúde públicas.

Muito se escreveu sobre a reforma laboral de Yolanda Díaz, e muito se celebrou os seus resultados entre a UP e na comunicação social a si afiliados. Mas como explicamos nos artigos publicados no El Militante de janeiro e março de 2022, esta reforma mantém e consolida os efeitos mais negativos da reforma laboral do PP (especialmente a redução dos custos de despedimento), ao mesmo tempo que com as novas facilidades concedidas para a generalização do “contrato permanente descontínuo” — um tipo de contrato sazonal —, que com esta reforma pode ser a tempo parcial ou utilizado pelas empresas de trabalho temporário, abrem-se novos caminhos para a generalização da precariedade laboral.

Em outubro de 2022, a rotatividade de trabalhadores efetivos tinha multiplicado por cinco e, já no final do ano, a instabilidade dos contratos temporários alastrou-se para os contratos permanentes, já que 7% dos trabalhadores supostamente “efetivos” assinavam mais de um contrato por mês. É verdade que, com a reforma laboral, o número de contratos efetivos aumentou. Mas também disparou o número de despedimentos, especialmente os realizados em período de experimentação, que em setembro cresceu 700% comparando com o mesmo período do ano anterior.

Em suma, a política económica do governo não alterou a realidade negativa em que vive um grande setor da classe trabalhadora. Em finais de 2021, 27,8% da população (13,1 milhões de pessoas), estava em risco de pobreza e 4,8 milhões (10,2% da população), sofria de pobreza extrema. O número de pobres com contrato de trabalho, e com estudos universitários, cresce sem parar. O pior é que isto afeta os mais jovens e indefesos de forma particularmente cruel: segundo dados recentes da Plataforma da Infância, 33% das meninas e meninos do Estado espanhol vivem em pobreza.

Como não podia deixar de ser, são os capitalistas quem beneficia diretamente do empobrecimento da classe trabalhadora. O Banco de Espanha acaba de informar que os lucros das empresas cresceram 21% em 2022, sete vezes mais que os salários.

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A política económica do governo não alterou a realidade negativa em que vive um grande setor da classe trabalhadora. Em finais de 2021, 27,8% da população (13,1 milhões de pessoas), estava em risco de pobreza.

A direita encorajada

Gostaríamos de ter escrito que o governo mais progressista da história melhorou substancialmente as condições de vida da classe trabalhadora, ou melhorou o presente desesperante em que vive a juventude. Mas não o podemos fazer porque não tem sido assim. E, de cada vez que golpeia a sua base social, reforça a audácia da direita.

No Estado espanhol vivemos o mesmo processo de radicalização dos setores da classe dominante, com a reconfiguração das forças políticas conservadoras. Para além do crescimento do Vox, Díaz Ayuso tem sido a grande vencedora da batalha interna que despoletou no PP há uns meses, e conseguiu neutralizar qualquer tentativa de aproximação à “moderação”. Feijóo não é mais do que a sua marioneta.

Esta guinada para a extrema direita percebe-se claramente no seio do aparelho de Estado, como o confirma a recente decisão do Tribunal Constitucional de privar o Parlamento da sua capacidade de debater e aprovar leis. Esta ação é mais um passo da ofensiva do aparelho judicial para garantir, perante as previsíveis consequências de uma crise social que se agrava todos os dias, que a classe dominante manterá intacta a sua capacidade de recorrer à força para manter os seus privilégios.

Mas o triunfalismo da direita pode ser prematuro. A desmobilização dos votantes da esquerda, particularmente os do PSOE, pode reverter-se perante a iminência dum governo PP-Vox. Um amplo setor da classe trabalhadora e da juventude, liderado pelas mulheres, não está disposto a aceitar passivamente a ameaça aos nossos direitos e liberdades mais básicas às mãos de um governo da reação e, tal como tem acontecido nos atos eleitorais de outros países, a sua mobilização poderá travar o avanço da direita.

Obviamente que o resultado final das eleições depende em grande parte das decisões que os dirigentes do Unidas Podemos tomem sobre o futuro da sua organização. A iniciativa de Yolanda Díaz tenta canalizar, sem disfarçar e com o apoio de grande parte dos meios de comunicação, o potencial eleitoral do UP para um apoio incondicional a Sánchez e às suas políticas, já que esses votos serão decisivos para ganhar um novo mantado para o governo de coligação.

Uma parte relevante do aparelho do Podemos, encabeçado por Iglesias, anda às voltas com esta tentativa de converter a formação roxa, nascida, não nos esqueçamos, para "assaltar os céus”, num apêndice passivo da social-democracia tradicional. Mesmo que na prática quotidiana e nos assuntos de fundo não haja diferenças entre Díaz e as ministras do Podemos, neste conflito há mais do que apenas um choque de ambições pessoais. O PSOE quer apagar todos os vestígios do vínculo do Podemos com as grandes mobilizações que lhe deram vida, prevendo que num futuro próximo isso possa, apesar dos seus atuais dirigentes, converter-se num catalisador de mau-estar social e de um novo crescimento da luta de classes.

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No Estado espanhol vivemos o mesmo processo de radicalização à extrema direita dos setores da classe dominante. Esta guinada percebe-se claramente no seio do aparelho de Estado.

Apesar da burocracia sindical, abre-se caminho à luta dos trabalhadores

Apesar de os dirigentes de CCOO e UGT terem feito de tudo para assegurar um ambiente de paz social com o governo e a CEOE, ao assinar acordos vergonhosos e aceitar perdas brutais de poder de compra e de direitos sem qualquer reserva, a luta da classe trabalhadora foi avançando lentamente ao longo de 2022.

As mobilizações e greves metalúrgicas de Vigo e Cádiz em 2021 tiveram continuidade em outras como a da Cantábria e da Mercedes Benz em Gasteiz, em que as CCOO e a UGT fizeram de tudo para impor um acordo a nivelar por baixo, ou a de Bizkaia onde ainda está pendente a assinatura do mesmo.

Noutras empresas e setores, como os Correios, a saúde de Madrid, Tubacex, telemarketing, Amazon ou Inditex, a pressão das bases despoletou conflitos importantes que terão continuidade e ampliar-se-ão num futuro próximo.

Há que destacar a grande greve por tempo indeterminado das trabalhadoras do SAD (Serviço de Ajuda ao Domicílio) das Astúrias. Estas trabalhadoras foram capazes de resistir à pressão conjunta das empresas, da administração e dos aparelhos das CCOO e UGT durante semanas. Embora estes dois sindicatos tenham assinado um acordo miserável, o ânimo das trabalhadoras mantém-se e agora exigem eleições sindicais para renovar os comités de empresa com mandatos caducados.

As condições para que a pressão das bases ultrapasse a burocracia sindical desenvolvem-se dia após dia. A mobilização dos pensionistas, dos estudantes ou do movimento exemplar contra a violência machista e justiça patriarcal protagonizados por centenas de milhares de mulheres, vai ajudar a recuperar as tradições do sindicalismo combativo e de classe.

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Apesar de os dirigentes das CCOO e UGT terem feito de tudo para assegurar um ambiente de paz social com o governo e a CEOE, a luta da classe trabalhadora foi avançando lentamente ao longo de 2022.

2023 será um ano muito importante para as nossas vidas. Nos próximos atos eleitorais, cometeríamos um grave erro se nos deixássemos levar por uma posição sectária que nos afaste dos milhões de trabalhadores que entendem a gravidade da situação: devemos impedir que o PP e o Vox possam formar governo. Mas a batalha eleitoral, como a experiência o demonstra, não resolverá os graves problemas que a classe trabalhadora e a juventude enfrentam. O jogo parlamentar no regime capitalista tem os dias contados.

Todas as questões essenciais se decidem com a luta de classes. A defesa dos salários, da saúde e educação públicas, do acesso à habitação e a um emprego digno, dos direitos democráticos, apenas podem ser conquistados com a mobilização mais massiva e contundente, com a organização e fazendo avançar a consciência coletiva. Por último, é necessário colocar todos os esforços em construir uma esquerda combativa, revolucionária e disposta a dar tudo até ao fim. Há que dedicar todo o nosso esforço a essa tarefa.

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