Com a onda massiva de protestos contra a reforma da lei das pensões, os trabalhadores em França colocam em xeque não apenas Macron mas a própria burguesia.

Por todo o país, a classe trabalhadora protesta, paralisa a produção, bloqueia as estradas e, com a demonstração da sua gigantesca força, ganha para a luta importantes sectores das camadas médias, criando um movimento verdadeiramente massivo.

As burocracias sindicais têm cada vez menos controlo sobre os seus aparelhos, ultrapassadas pelas bases que votam e decidem em assembleias o calendário de luta. E assim resta à burguesia apenas a repressão brutal da polícia, que também obtém uma resposta das massas que chega ao corte da electricidade a algumas esquadras da polícia e às grandes empresas cotadas na bolsa de valores.

Contra a reforma da lei das pensões

A última vez que um governo tentou reformar o sistema de pensões, em 1995, foi derrotado por três semanas de greves e manifestações. Volvidos 25 anos, o governo neoliberal de Édouard Philippe e Emmanuel Macron tenta repetir a proeza. A resposta não se fez esperar.

Como sempre acontece, a burguesia recorre à mentira. O novo sistema de pensões por pontos é apresentado como uma medida progressista e socialmente justa que uniformiza os cerca de 42 regimes especiais de reforma e pensões existentes. Na verdade, a nova lei aumenta a idade da reforma e diminui o seu valor até 30%, nalguns casos.

Ainda antes do anúncio oficial do projecto de lei, foi marcada pelas principais centrais sindicais uma greve geral — a de 5 de Dezembro.

O êxito foi total. Os transportes públicos ficaram paralisados, assim como as refinarias. Os principais aeroportos registaram uma queda de 20%. A participação foi massiva, quer no sector privado, quer no sector público. Segundo a CGT, Confédération Générale du Travail, uma das principais centrais sindicais, um milhão e meio de pessoas participaram nas 250 manifestações realizadas por todo o país. Em vários sectores, os trabalhadores votaram a continuidade da greve até dia 9, à revelia das direcções sindicais.

Desde que Macron tomou posse, em Maio de 2017, que a precariedade e os despedimentos têm aumentado enquanto os salários e as pensões estão congelados. Há pouco mais de um ano, o anúncio da subida do imposto sobre os combustíveis fez explodir o movimento dos coletes amarelos. A estes associou-se o movimento sindical, em particular o dos ferroviários.

Agora, num cenário de abrandamento económico, austeridade e contestação social, a nova lei das pensões fez transbordar toda a raiva social acumulada.

Transportes e energia encabeçam a luta

A greve geral de 5 de Dezembro marcou o início de uma greve por tempo indeterminado dos trabalhadores da RATP (empresa estatal de autocarros e metro) e da SNCF (empresa estatal de comboios) na região de Paris. Além de paralisar quase por completo a circulação em toda a área metropolitana, este sector estratégico actuou como modelo de unidade e combatividade para a restante classe. Estes trabalhadores, que pertencem a duas centrais sindicais diferentes — a Union Nationale des Syndicats Autonomes (UNSA) e a Confédération Française Démocratique du Travail (CFDT) — coordenaram a sua acção grevista contra a vontade das burocracias e lançando um apelo aos restantes trabalhadores para se juntarem à luta.

No dia 17 de Dezembro, após apresentação oficial da lei pelo primeiro-ministro, ocorre nova greve geral com um aumento quer do número de participantes quer do número de sectores em greve. Professores e pessoal da educação, da saúde, bombeiros, estudantes e até advogados e trabalhadores da ópera juntaram-se à greve. Os professores, assim como os operários de algumas refinarias, prolongaram a greve além das 24 horas. A partir da noite de 11 de Dezembro e no dia seguintes, os estivadores bloquearam os portos de Havre, La Rochelle, Rouen e Marselha. Nalgumas cidades mais pequenas, as manifestações obtiveram uma participação histórica.

Na manifestação em Paris, os trabalhadores da RATP e da SNCF organizaram-se e marcharam juntos pela primeira vez, numa frente abertamente crítica das suas direcções sindicais e disposta a ultrapassá-las. As três principais centrais — CGT, CFDT e UNSA — reúnem-se com o governo e aceitam a proposta de uma “trégua de fim de ano”. Imediatamente as suas bases denunciam a traição e constituem oficialmente a coordenação RATP-SNCF. A greve nestes sectores mantém-se durante as festividades com ocupação de uma linha do metro, uma manifestação contra a repressão dos piquetes, entre outras acções.

O ano de 2020 começou com o bloqueio das refinarias entre os dias 7 e 10 de Janeiro e uma nova jornada de manifestações entre 9 e 11 de Janeiro. O apoio social permaneceu massivo, com cerca de 61% da população a favor das greves e um fundo de luta de 1,6 milhões de euros alcançado em apenas um mês!

A principal central nuclear da Europa, em Gravelines, cuja mobilização tinha sido intermitente desde 5 de Dezembro, iniciou uma greve com bloqueio da entrada. A adesão foi de cerca de 90% — garantindo a existência de serviços mínimos por razões de segurança. Durante três semanas, os grevistas montaram um autêntico acampamento à porta das instalações, renovando sucessivamente a greve, dia após dia. Quando o resto do movimento, em particular os transportes, começaram a perder força — a greve geral de 16 de Janeiro foi menos participada — o sector da energia e o sector da educação passaram para a dianteira do movimento, mantendo a agitação social contra o governo de Macron.

A 24 de Janeiro houve novamente greve geral e manifestações, com forte presença do sector ferroviário, educação e restante administração pública. Marcaram também presença os trabalhadores da energia, estivadores, e mesmo os profissionais da cultura, investigadores e advogados. Estima-se terem sido 350 mil manifestantes em Paris e um total de 1,3 milhões em toda a França.

As manobras frustradas do governo e das burocracias sindicais

No seguimento da greve geral de dia 16, os trabalhadores da RATP votaram a continuação da greve em apenas uma parte das linhas de metro. Este facto foi imediatamente aproveitado pela direcção conciliadora da central sindical UNSA, que decretou o fim da greve nos transportes públicos de Paris no dia 17 de Janeiro, após 45 dias de luta. Nesse mesmo dia, a coordenação RATP-SNCF organizou uma concentração na sede da CFDT, cuja direcção tem adoptado a postura mais recuada de todas as centrais sindicais. Mostrando a sua falência política completa, a direcção burocrática da CFDT chamou a polícia para reprimir os trabalhadores, ou seja, os seus camaradas de organização, as bases que pagam as quotas e, por isso mesmo, os ordenados desses burocratas. Passados três dias, uma dezena de trabalhadores voltaram a entrar na sede da CFDT e cortaram a energia eléctrica.

Entretanto, Macron e o seu governo enfrentam a contestação popular onde quer que vão. Segundo uma sondagem recente publicada no diário Le Figaro, a popularidade do presidente francês caiu para metade desde o início do seu mandato, situando-se hoje nos 25%. À medida que os pormenores da reforma vão sendo conhecidos, a revolta vai aumentando entre os trabalhadores e a juventude. Os escritórios de deputados do La Repúblique en Marche, partido de Macron, foram pichados e o próprio Macron foi obrigado a fugir de manifestantes que o aguardavam às portas de um teatro parisiense.

O secretário-geral da CFDT propôs uma “conferência de financiamento” ao governo para discutir a lei das pensões. Vendo a oportunidade de desviar a luta para canais institucionais, Édouard Philippe aceitou rapidamente. As restantes direcções sindicais — UNSA, CGT e Force Ouvrière — aceitaram igualmente participar nesta conferência, com a CFDT e a UNSA a aceitar a reforma do sistema de pensões, ou seja, a trair os trabalhadores. Mas também o reformismo da direcção da CGT, que oficialmente continua a ser contra a lei, fica claro com a sua participação na conferência. Perante um jornalista que apontou a contradição, a resposta foi: “Em todos os locais onde se possa dizer como melhorar o nosso sistema actual, nós lá estaremos”. A participação da CGT não fez mais do que legitimar a conferência.

Depois de anos de austeridade, depois da repressão brutal — com 3.000 coletes amarelos detidos e 1.000 a cumprir pena efectiva de prisão —, o mandato das ruas é claro: abaixo Macron e a lei das pensões. Entre amplos sectores, a crítica à democracia burguesa é explícita. Num comunicado da coordenação RATP-SNCF, lê-se: “A [verdadeira] democracia é a nossa, nas nossas Assembleias Gerais, em manifestação, contra toda a concertação”. É este o estado de espírito dos trabalhadores e da juventude, e quando a classe trabalhadora se levanta desta maneira, todas as classes são obrigadas a posicionar-se.

É por isto que até o Conselho Militar Superior publicou um comunicado desfavorável ao novo sistema de pensões por este reduzir em cerca de 20%, segundo os seus cálculos, o valor das reformas de militares e guardas republicanos. Também o Conselho de Estado deu parecer negativo ao projecto de lei, criticando a sua forma de financiamento.

Macron está cada vez mais isolado. Como dissemos, é rechaçado massivamente pela classe trabalhadora, pela juventude e várias camadas médias, mas, além disto, até mesmo partes da burguesia começam a ter sérias dúvidas na capacidade de Macron para defender os seus lucros.

A mobilização tem de ir até ao final

As condições para a vitória estão dadas. Os dirigentes sindicais não podem dar balões de oxigénio ao governo. Os sindicatos combativos e todas as organizações da esquerda devem denunciar a conferência de financiamento e a traição das direcções da CFDT e da UNSA. A liderança da CGT tem a responsabilidade de o fazer e de dar o passo decisivo na luta. Declarar "estamos dispostos a continuar indefinidamente com as greves" não basta: deve ser apresentado o plano de mobilizações para efectivar isto, um plano contundente que permita à classe trabalhadora e à juventude usar toda a sua força para derrubar Macron e avançar para uma luta ofensiva. O caderno reivindicativo tem de avançar para a exigência de saúde e educação públicas, gratuitas e de qualidade, para o investimento massivo nas infraestruturas e, claro, como condição sine qua non para tudo isto, ter como exigência central a nacionalização dos sectores estratégicos da economia sob controlo democrático dos trabalhadores — a banca, a energia, os transportes.

Para resistir aos ataques e passar ao contra-ataque, é indispensável a organização e coordenação de comités nas fábricas, nos locais de trabalho e de estudo, mas também em cada bairro. É urgente criar órgãos e toda uma estrutura de poder da nossa classe frente aos órgãos de poder da classe inimiga.

Se as direcções sindicais se recusarem a colocar em prática o plano de mobilização, os trabalhadores têm de romper com essas direcções, substituí-las onde possível e, onde isto não seja possível, criar autonomamente novas estruturas democráticas e combativas capazes de levar a luta até ao final.

Os últimos dois meses mostram que isto é possível. No calor da luta, uma nova geração de trabalhadores foi capaz de ultrapassar as suas direcções reformistas e romper com a conciliação de classes. Formaram-se comités de greve e coordenação inter-empresas. Uma nova e combativa camada de dirigentes emerge quer a partir do movimento sindical quer a partir dos coletes amarelos. As conclusões revolucionárias são tiradas da própria experiência da luta entre vários sectores que chegam a avançar para situações de controlo operário, como os trabalhadores dos transportes ou os operários das refinarias.

A classe trabalhadora e a juventude, massivamente, rechaçam as políticas racistas e anti-imigrantes da União Europeia e dos governos burgueses. Nos piquetes de greve e bloqueios de estradas, trabalhadores brancos, negros e árabes, nacionais e imigrantes, lutam lado-a-lado contra o capital e o seu Estado. E assim se forja a solidariedade e o internacionalismo proletário.

Tudo isto contraria a leitura da “viragem à direita” que várias organizações da esquerda reproduzem. A classe trabalhadora mostra, em França e no mundo, uma e outra vez, que está disposta a lutar até ao final. Tudo o que falta para derrubar o capitalismo é um partido revolucionário, armado com o programa marxista e com a confiança das massas.

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