Assinalamos hoje o 130º aniversário da morte de Frederick Engels. Juntamente com Karl Marx lançou as bases do socialismo científico e da concepção materialista da história com obras como O Manifesto Comunista e O Capital. A cooperação dos dois amigos foi tão profunda que torna praticamente impossível estabelecer uma linha de demarcação entre as suas obras, mas assinalamos ainda duas da autoria principal de Engels que julgamos particularmente importantes: Do Socialismo Utópico ao Socialismo Cientifico - resumo das principais ideias da polémica Anti-Dühring - e A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado

Mas Marx e Engels não se limitaram a analisar o modo de produção capitalista e a desenvolver o materialismo histórico a partir de um cadeirão. Compreendiam que apenas a conquista do poder pela classe trabalhadora, a única "classe verdadeiramente revolucionária" na sociedade burguesa permitiria abolir a divisão da sociedade em classes e fundar as bases para um salto tremendo na civilização e cultura humanas. E por isso mesmo Engels em particular foi um agente revolucionário que lutou ao lado da classe trabalhadora para a sua tomada do poder nas barricadas de Elberfeld durante as Revoluções nos Estados Alemãs de 1848-1849 e promoveu a sua organização política, fundando a Liga dos Comunistas, a Primeira Internacional e a Segunda Internacional.

Homenageamos este grande revolucionário publicando o seu obituário escrito por Lenin em outono de 1895 e publicado nos primeiros números de Rabotnik1 a partir de março de 1896.


Que chama da razão deixou de arder,
Que coração deixou de bater!2

Friedrich Engels faleceu em Londres a 5 de Agosto de 1895. A seguir ao seu amigo Karl Marx (que morreu em 1883), Engels foi o mais notável educador da classe trabalhadora contemporâneo em todo o mundo civilizado. Desde o dia em que o destino juntou Karl Marx e Friedrich Engels, os dois amigos consagraram o trabalho da sua vida a uma causa comum. Assim, para compreender o que Friedrich Engels fez pela classe trabalhadora, é necessário ter-se uma ideia clara da importância do papel desempenhado pelas lições e trabalho de Marx no desenvolvimento do movimento dos trabalhadores contemporâneo. Marx e Engels foram os primeiros a demonstrar que a classe trabalhadora e as suas reivindicações são o produto necessário do regime económico actual que, juntamente com a burguesia, inevitavelmente cria e organiza a classe trabalhadora. Demonstraram que não são os esforços bem intencionados de indivíduos de coração generoso que libertarão a humanidade dos males que hoje a oprimem, mas a luta de classes da classe trabalhadora organizado. Marx e Engels foram os primeiros a explicar, nas suas obras científicas, que o socialismo não é uma invenção de sonhadores, mas o objectivo final e o resultado necessário do desenvolvimento das forças produtivas da sociedade actual. Toda a história escrita até aos nossos dias é a história da luta de classes, a sucessão do domínio e da vitória de certas classes sociais sobre outras. E isto continuará enquanto não tiverem desaparecido as bases da luta de classes e do domínio de classe: a propriedade privada e a produção social anárquica. Os interesses da classe trabalhadora exigem a destruição destas bases, contra as quais deve, pois, ser orientada a luta de classe consciente dos trabalhadores organizados. E toda a luta de classe é uma luta política.

Estas concepções de Marx e Engels foram agora adotadas por todos os trabalhadores que lutam pela sua emancipação. Mas nos anos [18]40, quando os dois amigos começaram a colaborar em publicações socialistas e a participar nos movimentos sociais da sua época, eram inteiramente novas. Existiam então numerosas pessoas - com talento e sem ele, honestas ou desonestas - que, absortas na luta pela liberdade política, contra o despotismo dos reis, da polícia e do clero, falharam em compreender a oposição dos interesses da burguesia e da classe trabalhadora. Não colocavam sequer a hipótese dos trabalhadores poderem agir como uma força social independente. Por outro lado, muitos sonhadores, alguns dos quais geniais, pensavam que seria suficiente convencer os governantes e as classes dominantes da injustiça da ordem social vigente para que se tornasse fácil fazer reinar sobre a terra a paz e a prosperidade universais. Sonhavam com um socialismo sem luta. Finalmente, a maior parte dos socialistas de então e, de um modo geral, dos amigos da classe trabalhadora, não viam nesta senão uma chaga a que assistiam horrorizados crescer juntamente com o crescimento da indústria. Procuraram por isso um meio de parar o desenvolvimento da indústria e da classe trabalhadora, parar a “roda da história”. Marx e Engels não partilhavam do temor generalizado do desenvolvimento da classe trabalhadora; pelo contrário, depositavam todas as suas esperanças no seu contínuo crescimento. Quanto mais trabalhadores houvessem, maior seria a sua força como classe revolucionária, e mais próximo e possível estaria o socialismo. Pode exprimir-se em poucas palavras os serviços prestados por Marx e Engels à classe trabalhadora dizendo que eles a ensinaram a conhecer-se e a tomar consciência de si mesma, e que substituíram os sonhos pela ciência.

É por isso que o nome e a vida de Engels devem ser conhecidos por todos os trabalhadores; é por isso que, nesta coleção de artigos, cujo fim, como o de todas as nossas publicações, é aumentar a consciência de classe dos trabalhadores russos, devemos fazer um resumo da vida e obra de Friedrich Engels, um dos dois grandes educadores da classe trabalhadora contemporâneo.

Engels nasceu em 1820 em Barmen, na província renana do reino da Prússia. O pai era um fabricante. Em 1838 Engels teve de abandonar os estudos no liceu por motivos familiares e de entrar como empregado numa casa de comércio de Bremen. Este trabalho não o impediu de completar a sua instrução científica e política. Tinha começado a odiar a autocracia e a tirania dos burocratas ainda no liceu. O estudo de filosofia levou-o ainda mais longe. Predominava então na filosofia alemã a doutrina de Hegel, e Engels tornou-se seu seguidor. Embora Hegel fosse ele próprio um admirador do Estado prussiano absolutista, ao serviço do qual se encontrava na qualidade de professor na Universidade de Berlim, os seus ensinamentos eram revolucionários. A fé de Hegel na razão humana e nos seus direitos e o princípio fundamental da filosofia hegeliana segundo o qual o universo está sob constante mudança e desenvolvimento conduziram os discípulos do filósofo berlinense - que não se queriam acomodar à realidade - à ideia de que a luta contra a realidade, a luta contra o mal existente e prevalente, está também enraizada na lei universal do desenvolvimento perpétuo. Se tudo se desenvolve, se certas instituições dão lugar a outras, porque haveria o absolutismo do rei da Prússia ou do czar da Rússia, o enriquecimento de uma ínfima minoria à custa da imensa maioria, o domínio da burguesia sobre o povo, de perdurar eternamente? A filosofia de Hegel tratava do desenvolvimento da mente e das ideias; era idealista. A partir do desenvolvimento da mente, deduziu o desenvolvimento da natureza, do homem e das relações sociais humanas. Marx e Engels mantiveram a ideia hegeliana do eterno processo de desenvolvimento, mas rejeitaram a visão idealista preconcebida; voltando-se para a realidade, viram que não é o desenvolvimento das ideias que explicam o desenvolvimento da natureza, mas que, ao contrário, a explicação das ideias devem ser derivadas da natureza, da matéria… 

Contrariamente a Hegel e outros hegelianos, Marx e Engels eram materialistas. Partindo de uma concepção materialista do mundo e da humanidade, verificaram que, tal como todos os fenómenos da natureza têm causas materiais, igualmente o desenvolvimento da sociedade humana é condicionado pelo desenvolvimento de forças materiais, as forças produtivas.

As relações que se estabelecem entre os homens no processo de produção dos objectos necessários à satisfação das necessidades humanas dependem do desenvolvimento das forças produtivas. E é nestas relações que se encontra a explicação de todos os fenómenos da vida social, as aspirações da humanidade, as suas ideias e as suas leis. O desenvolvimento das forças produtivas cria relações sociais baseadas na propriedade privada; mas vemos agora que esse mesmo desenvolvimento das forças produtivas priva a maioria de toda a propriedade e concentra-a nas mãos de uma ínfima minoria. Este desenvolvimento abole a propriedade, a base da ordem social moderna, e tende para o mesmo objectivo dos socialistas. Os socialistas devem compreender qual é a força social que, pela sua posição na sociedade actual, está interessada na realização do socialismo, e incutir nesta força a consciência dos seus interesses e da sua tarefa histórica. Esta força é a classe trabalhadora. 

Engels conheceu-a na Inglaterra, em Manchester, centro da indústria inglesa, onde se fixou em 1842 como empregado de uma firma comercial da qual o seu pai era um accionista. Aí Engels não se limitou a ficar sentado no escritório da fábrica mas deambulou pelos bairros de lata em que viviam os trabalhadores e viu com os seus próprios olhos a pobreza e miséria que os afligiam. E não se ficou pela sua observação pessoal. Engels leu tudo o que antes dele se tinha escrito sobre a situação da classe trabalhadora inglesa e estudou cuidadosamente todos os documentos oficiais a que conseguiu ter acesso. O resultado dos seus estudos e observações foi o livro publicado em 1845: A Condição da Classe Trabalhadora em Inglaterra. Já anteriormente assinalámos o principal mérito de Engels como autor dessa obra. É certo que antes dele muitos tinham descrito os sofrimentos da classe trabalhadora e indicado a necessidade de a ajudar. Engels foi o primeiro a declarar que a classe trabalhadora é não apenas classe que sofre, mas que é de facto a miserável situação económica em que se encontra que a incentiva irresistivelmente para a frente e a obriga a lutar pela sua emancipação definitiva. E a classe trabalhadora em luta ajudar-se-á a si mesmo. O movimento político da classe trabalhadora levará, inevitavelmente, os trabalhadores a perceberem que a única saída para si é o socialismo. Por outro lado, o socialismo só será uma força apenas quando se tornar o objectivo da luta política da classe trabalhadora. Tais são as ideias fundamentais do livro de Engels sobre a situação da classe trabalhadora em Inglaterra, ideias hoje aceites por todos os trabalhadores que pensam e lutam, mas que eram então absolutamente novas. Estas ideias foram expostas num livro escrito num estilo cativante, cheio de descrições chocantes da miséria da classe trabalhadora inglesa. Este livro foi uma terrível acusação contra o capitalismo e a burguesia e produziu uma impressão profunda. O livro passou a ser citado por toda a parte como apresentado a melhor descrição das condições da classe trabalhadora moderna. E, de facto, nem antes nem depois de 1845 apareceu uma descrição tão brilhante e verdadeira da miséria da classe trabalhadora.

Engels só se tornou socialista em Inglaterra. Em Manchester pôs-se em contacto com os militantes do movimento trabalhista inglês de então e começou a escrever para as publicações socialistas inglesas. Em 1844, ao passar por Paris de regresso à Alemanha, conheceu Marx, com quem mantinha correspondência há já algum tempo. Marx tinha-se igualmente tornado socialista durante a sua estadia em Paris, sob a influência dos socialistas franceses e da vida em França. Foi aqui que os dois amigos escreveram em conjunto A Sagrada Família ou Crítica da “Crítica Crítica”. Este livro, publicado um ano antes d’A Condição da Classe Trabalhadora em Inglaterra e escrito na sua maior parte por Marx, contém as bases do socialismo materialista revolucionário de que atrás expusemos as ideias essenciais. A “Sagrada Família” é uma alcunha jocosa dada a dois filósofos, os irmãos Bauer, e aos seus discípulos. Estes senhores pregavam uma crítica que se colocava acima de toda a realidade, acima dos partidos e da política, que repudiava toda a actividade prática e se limitava a contemplar «criticamente» o mundo circundante e os acontecimentos que nele se produziam. Os senhores Bauer desprezavam a classe trabalhadora, que consideravam ser uma massa acrítica. Marx e Engels opuseram-se vigorosamente a esta tendência absurda e nefasta. Em nome de pessoas reais, do trabalhador espezinhado pelas classes dominantes e pelo Estado, Marx e Engels exigiam não uma atitude contemplativa, mas a luta por uma melhor organização da sociedade. Eles, claro, viam a classe trabalhadora como a força capaz de travar esta luta e interessada em fazê-la triunfar. Ainda antes do aparecimento d’A Sagrada Família, Engels tinha publicado na revista Anais Franco-Alemães editada por Marx e Ruge o seu Estudo Crítico sobre a Economia Política em que analisava, de um ponto de vista socialista, os fenómenos essenciais da ordem económica contemporânea como consequências inevitáveis da dominação da propriedade privada. O seu contacto com Engels foi sem dúvida um factor que contribuiu para a decisão de Marxde estudar economia política, a ciência em que os seus trabalhos viriam a produzir uma verdadeira revolução.

De 1845 a 1847 Engels viveu em Bruxelas e em Paris, aliando os estudos científicos com actividades prática sentre os trabalhadores alemães destas duas cidades. Foi aí que Marx e Engels entraram em contacto com uma associação secreta alemã, a Liga dos Justos3, que os encarregou de publicar os princípios fundamentais do socialismo elaborado por eles. Assim nasceu o célebre Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels, publicado em 1848. Este pequeno livro vale por tomos inteiros: até hoje inspira e guia toda a classe trabalhadora organizada e combativa do mundo civilizado.

A revolução de 1848, que rebentou primeiro em França e se propagou em seguida aos outros países da Europa ocidental, trouxe Marx e Engels de volta ao seu país de origem. Aí, na Prússia renana, tomaram a direcção da democrática Nova Gazeta Renana publicada em Colónia4. Os dois amigos foram os impulsionadores de todas as tendências democráticas revolucionárias da Prússia renana. Defenderam até ao fim os interesses do povo e da liberdade contra as forças da reacção. Estas últimas, como é sabido, acabaram por triunfar. A Nova Gazeta Renana foi proibida. Marx, que enquanto estava emigrado tinha sido privado da nacionalidade prussiana, foi expulso. Quanto a Engels, tomou parte na insurreição armada do povo e combateu pela liberdade em três batalhas, e, após a derrota dos insurrectos, fugiu para Londres através da Suíça.

Foi também em Londres que Marx se veio fixar. Engels em breve voltou a ser empregado, e mais tarde sócio, da mesma casa comercial de Manchester onde tinha trabalhado nos anos [18]40. Até 1870 Engels viveu em Manchester e Marx em Londres, o que não os impediu de manter uma intensa troca de ideias; escreviam-se quase todos os dias. Nessa correspondência os dois amigos trocavam as suas ideias e os seus conhecimentos, e continuaram a colaborar em conjunto na construção do socialismo científico. Em 1870, Engels mudou-se para Londres, e a sua vida intelectual conjunta, cheia de uma intensa actividade, prosseguiu até 1883, data da morte de Marx. Esta colaboração foi extremamente fecunda: Marx escreveu O Capital, a maior obra de economia política da nossa época, e Engels toda uma série de trabalhos, grandes e pequenos. Marx dedicou-se à análise dos fenómenos complexos da economia capitalista. Engels escreveu obras num estilo simples, muitas vezes estabelecendo polémica, sobre os problemas científicos mais gerais e os diversos fenómenos do passado e do presente, inspirando-se na concepção materialista da história e na teoria económica de Marx. 

Dentre esses trabalhos de Engels citaremos: a sua polémica contra Dühring (onde analisa as maiores questões da filosofia, assim como das ciências naturais e sociais). A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (tradução russa publicada em São Petersburgo, 3.a edição, 1895), Ludwig Feuerbach (tradução russa publicada por G. Plekhánov com anotações, Genebra, 1892), um artigo sobre a política externa do governo russo (traduzido em russo no Sotsial-Demokrat de Genebra)5, n.° 1 e 2) notáveis artigos sobre o problema da habitação, e, finalmente, dois curtos artigos mas de grande interesse, sobre o desenvolvimento económico da Rússia (Friedrich Engels sobre a Rússia) tradução russa de Vera Zasulich, Genebra, 1894). 

Marx morreu sem ter conseguido completar a sua obra monumental sobre o capital. O rascunho desta obra, no entanto, já estava terminado e após a morte do amigo Engels assumiu a onerosa tarefa de redigir e publicar os tomos II e III d’O Capital. Editou o tomo II em 1885 e o tomo III em 1894 (a sua morte impediu-o de publicar o tomo IV). Estes dois tomos exigiram um trabalho enorme da sua parte. O social-democrata austríaco Adler observou muito justamente que, editando os tomos II e III de O Capital, Engels erigiu um grandioso monument ao génio que havia sido seu amigo o no qual, involuntariamente, tinha gravado também o seu próprio nome em letras indeléveis. Estes dois tomos d’O Capital são, com efeito, obra de ambos, de Marx e Engels. As lendas da Antiguidade contêm exemplos comoventes de amizade. A classe trabalhadora da Europa pode dizer que a sua ciência foi criada por dois intelectuais, dois lutadores, cuja amizade ultrapassa tudo o que de mais comovente oferecem as lendas dos antigos. Engels sempre se posicionou depois de Marx: “Enquanto Marx viveu” escreveu ele a um velho amigo, “fui o segundo violino.” O seu carinho por Marx enquanto este viveu e a sua veneração à memória do amigo morto foram não conheceram limites. Este lutador severo e pensador austero possuía uma alma profundamente afectuosa.

Durante o seu exílio, depois do movimento de 1848-1849, Marx e Engels não se dedicaram unicamente ao trabalho científico. Marx fundou em 1864 a "Associação Internacional dos Trabalhadores” [Primeira Internacional]6, liderando-a durante dez anos. Engels desempenhou nela, igualmente, um papel considerável. A actividade da “Associação Internacional”, que unia, de acordo com os ideais de Marx, os trabalhadores de todos os países, teve uma enorme importância no desenvolvimento do movimento da classe trabalhadora. Mesmo após a sua dissolução, nos anos [18]70, o papel unificador de Marx e Engels não cessou. Pelo contrário, pode dizer-se que a sua importância como dirigentes espirituais do movimento da classe trabalhadora não cessou de crescer, pois o próprio movimento cresceu ininterruptamente. Após a morte de Marx, Engels, sozinho, continuou a ser o conselheiro e o dirigente dos socialistas da Europa. A ele vinham pedir conselhos e indicações tanto os socialistas alemães, cuja força crescia contínua e rapidamente apesar das perseguições governamentais, como os representantes dos países atrasados, por exemplo, os espanhóis, romenos, russos, que foram obrigados a ponderar e avaliar os seus primeiros passos. Todos se basearam na rica bagagem de conhecimento e experiência de Engels na sua velhice.

Marx e Engels, que conheciam o russo e liam obras publicadas nessa língua, interessaram-se vivamente pela Rússia, seguiam com simpatia o movimento revolucionário do nosso país e mantinham relações com os revolucionários russos. Ambos eram já democratas antes de se tornarem socialistas e tinham profundamente enraizado o sentimento democrático de ódio ao despotismo político. Este sentimento político, aliado a uma profunda compreensão teórica da relação existente entre o despotismo político e a opressão económica, assim como a sua riquíssima experiência da vida, tinham tornado Marx e Engels extraordinariamente políticamente sensíveis. Por isso a luta heróica de um pequeno punhado de revolucionários russos contra o poderoso governo czarista encontrou a mais viva simpatia no coração destes experimentados revolucionários. Inversamente, toda a veleidade de voltar as costas, em nome de pretensas vantagens económicas, à tarefa mais importante e mais imediata dos socialistas russos — a conquista da liberdade política — parecia-lhes naturalmente suspeita, vendo mesmo nisso uma traição à grande causa da revolução social. “A emancipação dos trabalhadores deve ser obra da própria classe trabalhadora”, eis o que ensinavam constantemente Marx e Engels. Mas de forma a lutar pela sua emancipação económica, a classe trabalhadora deve conquistar certos direitos políticos. Além disso, Marx e Engels viram com toda a clareza que uma revolução política na Rússia teria também uma enorme importância para o movimento da classe trabalhadora na Europa ocidental. A Rússia autocrática foi sempre o baluarte da reacção europeia em geral. A situação internacional excepcionalmente favorável em que a Rússia se encontrou depois da guerra de 1870, que semeou durante muito tempo a discórdia entre a França e a Alemanha, não podia evidentemente deixar de fazer aumentar a importância da Rússia autocrática como força reaccionária. Só uma Rússia livre, que não tivesse necessidade de oprimir os Polacos, os Finlandeses, os Alemães, os Arménios e outras nações mais pequenas, nem de lançar, incessantemente, a França e a Alemanha uma contra a outra, permitiria à Europa contemporânea, desenvencilhada do peso das guerras, respirar livremente, enfraquecendo todos os elementos reaccionários da Europa e aumentando as forças da classe trabalhadora europeia. Por isso mesmo Engels advogou ardentemente pela instauração da liberdade política na Rússia também em prol do progresso do movimento da classe trabalhadora no Ocidente. Os revolucionários russos perderam nele o seu melhor amigo.

Honremos para sempre a memória de Frederick Engels, um grande lutador e educador da classe trabalhadora!


Notas:

1. Rabotnik foi um jornal editado pelo grupo Emancipação do Trabalho (Osvobozhdenie Truda) formado por revolucionários russos exilados. O principal impulsionador do jornal foi Lenin. Antes da sua prisão em dezembro de 1895, Lenin preparou o obituário de Engels que enviou aos editores do Rabotnik e figurou nos primeiros números. No total, existiram seis edições do Rabotnik em três volumes e dez números do suplemento Listok “Rabotnika”.

2. Os versos da epígrafe foram retirados por Lenin do poema de Nikolay Nekrasov “Em Memória de Dobrolyubov”. Dobrolyubov foi um proeminente escritor e jornalista revolucionário russo, admirado tanto por Marx e Engels como por Lenin.

3. No início de 1847, Marx e Engels juntaram-se à sociedade secreta alemã A Liga dos Justos. No início de junho de 1847, realizou-se em Londres um congresso da Liga dos Justos, onde foi renomeada como A Liga Comunista, enquanto o seu antigo e vago lema "Todos os Homens São Irmãos" foi substituído pelo lema internacionalista militante "Trabalhadores de Todos os Países, Uni-vos!". Em preparação para a fundação da Liga, Marx e Engels fizeram muito para unir ideologicamente e organizacionalmente os socialistas e os trabalhadores de todos os países.

Os objetivos da Liga Comunista eram o fim da burguesia, a abolição da antiga sociedade burguesa baseada em antagonismos de classe e o estabelecimento de uma nova sociedade em que não houvesse classes nem propriedade privada. Marx e Engels participaram no trabalho do Segundo Congresso da Liga, que se realizou em Londres em novembro e dezembro de 1847, e, por instruções da liga, escreveram o programa da Liga — O Manifesto do Partido Comunista — que foi publicado em fevereiro de 1848. A Liga Comunista desempenhou um grande papel histórico como escola de revolucionários da classe trabalhadora, como o embrião do partido da classe trabalhadora e o predecessor da Associação Internacional dos Trabalhadores (Primeira Internacional); existiu até novembro de 1852. 

A história da Liga está contida no artigo de Engels “Para a História da Liga dos Comunistas”.

4. A Nova Gazeta Renana (Neue Rheinische Zeitung) foi publicada em Colónia de 1 de Junho de 1848 até 19 de Maio de 1849. Os principais editores deste jornal foram Marx e Engels. Como disse Lenine, o jornal era "o melhor, o órgão insuperável da classe trabalhadora revolucionária"; educava as massas, incitava-as a lutar contra a contra-revolução e a sua influência fez-se sentir por toda a Alemanha. Desde os primeiros meses da sua existência, o Neue Rheinische Zeitung, devido à sua posição resoluta e irreconciliável, e ao seu internacionalismo militante, foi perseguido pela imprensa feudo-monárquica e liberal-burguesa, e também pelo governo. A deportação de Marx pelo Governo Prussiano, e as medidas repressivas contra os seus outros editores, foram a causa da interrupção da publicação do jornal. 

Para melhor conhecer a história da Nova Gazeta Renana leia-se o artigo de Engels (em inglês) "Marx and the Neue Rheinische Zeitung (1848-49)”.

5. Sotsial-Demokrat: revista política e literária editada no estrangeiro (Londres e Genebra) de 1890 a 1892 pelo grupo «Emancipação do Trabalho». Desempenhou um grande papel na difusão das ideias do marxismo na Rússia; no total saíram quatro cadernos. Colaboraram activamente na Sotsial-Demokrat G. Plekhanov, P. Axelrod e V. Zasulich.

6. Associação Internacional dos Trabalhadores (Primeira Internacional) — a primeira organização internacional da classe trabalhadora, fundada por Marx em 1864 durante uma reunião internacional de trabalhadores convocada em Londres por trabalhadores ingleses e franceses. A fundação da Primeira Internacional foi o resultado de muitos anos de luta persistente travada por Marx e Engels para estabelecer um partido revolucionário da classe trabalhadora. Lenin disse que a Primeira Internacional “fundou as bases de uma organização internacional dos trabalhadores para a preparação do seu ataque revolucionário ao capital”, “fundou as bases da luta da classe trabalhadora internacional pelo socialismo” (Lenin, A Terceira Internacional e o seu lugar na história).

O órgão central e dirigente da Primeira Internacional foi o Conselho Geral, do qual Marx foi membro permanente. No decorrer da luta contra as influências pequeno-burguesas e as tendências sectárias então predominantes no movimento operário (o sindicalismo restrito na Inglaterra, o proudhonismo e o anarquismo nos países românicos), Marx reuniu à sua volta os membros do Conselho Geral mais conscientes da classe (F. Lessner, E. Dupont, G. Jung, entre outros). A Primeira Internacional dirigiu a luta económica e política dos trabalhadores de diferentes países e fortaleceu a sua solidariedade internacional. A Primeira Internacional desempenhou um papel tremendo na difusão do marxismo, ao ligar o socialismo ao movimento da classe trabalhadora.

Quando a Comuna de Paris foi derrotada, a classe trabalhadora confrontou-se com o problema de criar, nos diferentes países, partidos de massa baseados nos princípios avançados pela Primeira Internacional. “Na minha visão sobre as condições europeias”, escreveu Marx em 1873, “é bastante útil deixar a organização formal da Internacional recuar para segundo plano por agora” (Marx para F. A. Sorge. 27 de setembro de 1873). Em 1876, a Primeira Internacional foi oficialmente dissolvida numa conferência em Filadélfia.

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