O executivo de Costa mostra mais explicitamente a cada dia a sua obediência canina à NATO e à Casa Branca, reproduzindo com zelo a propaganda de guerra que é despejada pela máquina de guerra do imperialismo ocidental, enquanto permite que as condições de vida dos trabalhadores e jovens se degradem para benefício dos grandes capitalistas.

A política externa é a continuação da “unidade nacional” com a burguesia 

Como não podia deixar de ser, a política externa do governo PS é a continuação da sua política interna. E esta última é caraterizada fundamentalmente por uma zelosa defesa dos lucros do grande capital e pelo rompimento de todas as promessas à classe trabalhadora e à juventude.

O tão badalado fim da austeridade está a revelar-se exatamente o seu contrário. A “geringonça” foi possível devido à força e radicalização dos trabalhadores e da juventude, que se refletiu nas urnas em 2015 e deu uma maioria à esquerda. Com esta maioria, o PS prometeu reverter as contra-reformas do governo PSD-CDS, e anunciou o fim da austeridade e um “tempo novo”.

Depois de mais de 6 anos de governação, as contra-reformas da direita estão intactas na lei laboral, a crise da habitação alcançou uma dimensão que só fica atrás da que existiu até 1974 — o número de despejos aumenta em Lisboa e no Porto — e a saúde, educação, transportes e restantes serviços públicos estão mais degradados do que em 2015.

A isto junta-se a repressão e até a proibição de greves através de “requisições civis” para asfixiar as lutas mais duras dos últimos anos — Autoeuropa, estivadores, motoristas de matérias perigosas, enfermeiros. A mesma repressão fez-se sentir com punho de ferro sobre a juventude, com a brutalidade policial racista a passar impune mesmo nos casos mais escandalosos e mediatizados.

Em todos os momentos chave, o governo de Costa alinhou com o patronato e a direita, salvando a banca, priorizando os lucros do grande capital e a saúde privada até mesmo durante uma pandemia que, devido às políticas capitalistas, foi capaz de causar mais de 22.000 mortes.

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Em 2020, havia 1.893.000 pobres em Portugal. No final de 2021, 2.303.392 pessoas estavam em risco de pobreza e 616.980 pessoas não tinham acesso a bens considerados essenciais. Esta era a realidade antes da guerra na Ucrânia.

As medidas que serviram de bandeira do PS — aumento do salário mínimo nacional (SMN), passe social em Lisboa, manuais escolares gratuitos — foram cuidadosamente pensadas para não tocar nos lucros do grande capital. O aumento do SMN, de longe a mais usada para lançar areia aos olhos dos trabalhadores, foi totalmente incapaz de sequer manter o nível de vida da classe trabalhadora. Como explicámos em diversas ocasiões, o aumento paulatino do SMN ao longo dos governos de Costa não foi um aumento do salário real. Os €705 euros do SMN dão-nos hoje um nível de vida inferior aos €505 de 2015.

O facto incontornável é que as condições de vida dos trabalhadores e da juventude pioraram durante a “geringonça”, contra todos os discursos e promessas do PS.

Segundo dados do INE, o número de pobres, em 2020, era já de mais 1.893.000, tendo aumentado 13,9% em relação ao ano anterior. De 2020 a 2021, a taxa de risco de pobreza ou exclusão social aumentou de 20% para 22,4%, o que significa que 2.303.392 pessoas (quase 1 em cada 4) estão em risco de pobreza. A “taxa de privação material e social severa”, por seu turno, subiu de 5,4% para 6%, ou seja, 616.980 pessoas não têm acesso a bens considerados essenciais pelo INE. E esta era a realidade antes da invasão da Ucrânia.

A resposta do PS à catástrofe social: “unidade nacional” e propaganda atlantista

Com a guerra na Ucrânia, a crise capitalista deu um salto qualitativo e colocou em questão os planos de Costa, que esperava aplicar tranquilamente a sua proposta de OE2022 e desfrutar de um período de relativa estabilidade.

De facto, o FMI revia, a 19 de abril, as suas previsões de crescimento para Portugal, reduzindo-as de 5,1% para 4% apenas para depois voltar a aumentá-la para 4,5% a 16 de maio, e isto alimenta algum otimismo no executivo do PS. Mas estes números, além de partirem de uma base baixíssima após uma queda de 8,4% em 2020 — segundo o INE e o próprio Banco de Portugal —, são projeções feitas num contexto que as próprias instituições admitem ser de grande imprevisibilidade. Mais determinantemente ainda, as políticas de Costa garantem que qualquer crescimento do PIB da economia portuguesa não se refletirá nas condições de vida da classe trabalhadora e da juventude mas será, pelo contrário, açambarcado pelo grande capital, exatamente como as “ajudas” às “famílias” que vimos durante a pandemia.

As condições de vida estão a degradar-se a uma velocidade impressionante com a escalada dos preços. Novamente de acordo com o INE, no final de maio a inflação chegou aos 8% e houve aumentos muito mais altos nos preços da energia e de vários produtos de primeira necessidade. No final de maio, a taxa de inflação homóloga dos combustíveis era 27,2% e a dos alimentos 11,7%. O impacto nas famílias trabalhadoras é dramático.

Perante isto, o governo reforça ainda mais a sua política de “unidade nacional” para enfrentar um cenário extremamente negativo, na esperança de que ele se altere em breve. A partir da sua confortável posição parlamentar de maioria absoluta, Costa cerra os dentes, mantém o orçamento do Estado para 2022 (OE2022) inalterado e avança com a política anunciada pelo PS desde o primeiro dia de discussão: “nunca pôr em causa o princípio do equilíbrio orçamental” e das “contas certas”, ou seja, jamais tocar nos lucros obscenos das maiores empresas e respeitar religiosamente os ditames da UE para reduzir o défice orçamental. E a isto junta-se ainda um aumento do orçamento militar feito às ordens da NATO.

Entretanto, em concertação social, o patronato rejeita liminarmente até mesmo as propostas simbólicas e as migalhas que o PS e as burocracias da CGTP e UGT propõem, sem encontrar da parte destes últimos qualquer resistência além de queixumes completamente inúteis.

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Recusando-se a tocar nos lucros multimilionários do grande capital, o PS não tem outra alternativa senão responder à crise social com o ruído da propaganda de guerra e tentar, com isso, ganhar algum tempo.

Mas a catástrofe social que se vive indubitavelmente provoca um profundo descontentamento, raiva e mal-estar que, tarde ou cedo, terão de explodir. Este cenário é o que o governo, a patronal e as burocracias sindicais temem. Para o evitar, até agora, tudo o que o governo utiliza é propaganda. Enquanto declaram, contra todas as evidências, que o OE2022 “virou a página da crise”, Costa e o seu executivo justificam o profundo sofrimento da classe trabalhadora com a guerra. A propaganda de guerra enche toda a comunicação social burguesa: é preciso “garantir a soberania nacional”, “salvar a Europa”, “fortalecer a NATO”, etc. Naquele que foi o ponto alto desta farsa desde o discurso de Zelensky no parlamento português, Costa visitou Kiev e passeou-se pela cidade com um colete à prova de balas diante de dezenas de jornalistas, dizendo que “aqui já não estamos a falar de uma guerra normal, mas de actos verdadeiramente criminosos”. Uma hipocrisia sem limites.

Os crimes cometidos às ordens de Putin não são diferentes dos cometidos pela NATO no Afeganistão, no Iraque ou em qualquer outro dos países que a aliança atlantista arrasou. Mas recusando-se a tocar nos lucros multimilionários do grande capital, os social-democratas não têm outra alternativa senão responder à crise social com o ruído da propaganda de guerra e tentar, com isso, ganhar algum tempo.

A política do PS prepara o terreno para a demagogia do PSD e do Chega

O crescimento da extrema-direita nos últimos anos foi galopante. Esta é mais uma das consequências da política de unidade nacional e conciliação de classes da “geringonça” e do agora governo de maioria absoluta do PS, assim como da estratégia de desmobilização seguida pelas burocracias sindicais da CGTP e UGT. As mentiras destas direções e a sua recusa a tomar quaisquer medidas realmente de esquerda gera uma desmoralização e um ceticismo que se espalham por vastas camadas da classe trabalhadora. A direita percebe isto e atua de maneira inteligente e consequente.

Com as suas últimas eleições diretas, a 28 de maio, o PSD livrou-se de Rui Rio e da sua política de tentativas de aliança com o PS. Destas eleições saiu um dirigente com um plano claro. Luís Montenegro, apresentando sem qualquer pudor um programa de aliança com o Chega, de oposição feroz e frontal ao PS, foi eleito com 72,48% dos votos, esmagando Jorge Moreira, que ficou com 27,52%. Foi a maior diferença entre dois candidatos em toda a história do PSD.

Evidentemente, os sectores decisivos do grande capital estão muito satisfeitos com a governação de Costa e veriam com muito bons olhos o entendimento entre o PS e o PSD que Rio apontava como estratégia e que Moreira também procurou representar. Mas o programa de Montenegro responde a condições objetivas. A viragem à extrema-direita da base eleitoral do PSD e, como fica demonstrado, igualmente da sua base militante é um fenómeno político de fundo. O CDS-PP foi incapaz de refletir esta viragem e sofreu pesadas consequências, desaparecendo por completo do hemiciclo da Assembleia da República. Uma parte importante das camadas médias já foi de facto ganha pelo Chega, e agora fica claro que a maioria daqueles que se mantêm fiéis ao PSD consideram que a política mais eficaz para derrotar o PS é a de linha dura contra a esquerda.

O cretinismo parlamentar do BE e do PCP

Longe de “puxar o PS para a esquerda” ou de conquistar melhorias para as condições de vida dos trabalhadores e da juventude, o que o BE e o PCP conseguiram ao longo de todos estes anos de hábeis manobras, negociações e análise da “correlação de forças” foi fundir-se com a social-democrata tradicional, cedendo em todas as frentes.

O alinhamento com o imperialismo dos EUA e com a NATO por parte do PS têm respostas vergonhosas das direções do BE e do PCP.

O BE acusa o governo de não ir suficientemente longe e pede sanções melhores à Rússia, não se opõe de nenhuma forma efetiva ao envio de armas nem de tropas portuguesas para leste, aplaude Zelensky no parlamento, vota na Câmara Municipal de Lisboa a favor de financiar com 320.000 euros uma associação ucraniana em Portugal com ligações à extrema-direita… em suma, alinha com o imperialismo dos EUA e a NATO tal como a social-democracia, apesar de tentar mascarar este apoio com algumas declarações inócuas.

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A experiência dos últimos anos tem importantes lições. A principal é que para conquistar direitos e acabar com esta situação de empobrecimento massivo e degradação dos serviços sociais, a única via é a da organização e da mobilização.

O PCP, por seu turno, denuncia a NATO e Zelensky sem jamais apontar as verdadeiras causas desta guerra imperialista, fazendo uma autêntica apologia da invasão russa como reação inevitável de “defesa” e acaba a juntar-se ao coro social-democrata ao apresentar como solução a diplomacia, apelando às instituições capitalistas internacionais como a ONU.

Para ambas estas direções da esquerda, continua a não haver razões para organizar a luta nas ruas. Mesmo nas circunstâncias atuais, terminada a “geringonça” de forma inequívoca, mantêm a política de conciliação de classes pela qual pagaram tão caro nas últimas eleições e pela qual só poderão pagar ainda mais caso decidam insistir no erro.

E o declínio destas formações de esquerda só pode abrir fraturas no seio das suas direções, além de causar a indignação de cada vez mais militantes.

Aquilo que se prepara, desta maneira, é um governo da direita em coligação com a extrema-direita, que se preparam para capitalizar o inevitável desgaste do PS se a catástrofe social se aprofundar.

Os últimos anos, com todo o período da “geringonça”, têm importantes lições para a classe trabalhadora e para a juventude. Entre elas, a principal é que para conquistar direitos, para conseguir que realmente se aplique uma política de esquerda e em benefício da grande maioria da população, para acabar com esta situação de empobrecimento massivo e degradação dos serviços sociais, a única via é a da organização e da mobilização à altura dos desafios que o sistema capitalista nos coloca.

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