Os preços dos alimentos em Portugal têm aumentado de forma absurda. No espaço de um ano, entre Março de 2022 e de 2023, o cabaz alimentar passou de 183€ para 235€, uma subida de mais de 50€, ou 28%.1 A alimentação tornou-se aquilo que as famílias de classe trabalhadora, com salários de miséria, passaram a ter mais dificuldades em pagar — seis em cada dez famílias têm dificuldades em comprar proteína, como carne ou peixe, e metade em adquirir massas, arroz ou iogurtes. Há uma quebra de 2,3% nas despesas com alimentos, a maior desde que há registo, ultrapassando até a do tempo da Troika. Os pedidos de ajuda ao Banco Alimentar contra a Fome não param de aumentar, sendo já mais de 400.000 mil as famílias a recorrer ao seu apoio. Temos de recuar até à ditadura fascista para encontrarmos níveis de fome comparáveis em Portugal.

Um punhado de empresas controlam a distribuição e ficam com a fatia de leão dos lucros

Mas a que se deve este aumento brutal de preços? Em Portugal as centenas de produtores continuam a vender relativamente barato, muito graças a subsídios do Estado e à sobreexploração de mão-de-obra muitas vezes imigrante e em regime de escravidão. A guerra na Ucrânia, usada frequentemente como desculpa, não teve um impacto tão grande na produção alimentar como se quer fazer crer. Continua a ser produzida comida suficiente para alimentar mais de 10.000 milhões de pessoas. O problema está na distribuição desigual e na especulação pelos monopólios capitalistas. Na fase superior do capitalismo, o imperialismo, a concentração de capital destronou o mercado livre em prol de monopólios e oligopólios que formam cartéis e que controlam quase todos os sectores da economia. 10 multinacionais controlam 90% do mercado agroalimentar mundial e especulam com a alimentação. Em Portugal a distribuição faz o mesmo, controlada em mais de três quartos por apenas 5 grupos: Sonae (Continente), Jerónimo Martins (Pingo Doce), Schwarz (Lidl), Os Mosqueteiros (Intermarché) e DIA (Minipreço). São estes os capitalistas responsáveis pela nossa fome.

Para nós, trabalhadores, esta cartelização é cada vez mais óbvia quando o mesmo produto de marca branca tem exactamente o mesmo preço (inflacionado) não importa a qual dos supermercados vamos. Mas não é de agora. Recentemente a Autoridade da Concorrência (AdC) descobriu que durante nada menos que 12 anos Continente, Pingo Doce, Auchan e Intermarché, em conjunto com a Super Bock, fixaram preços de bebidas; que durante 10 anos Continente, Pingo Doce, Auchan e E. Leclerc em conjunto com a Unilever fixaram preços de alimentos e de produtos de higiene; e que durante 7 anos Continente, Pingo Doce e Auchan em conjunto com a Beiersdorf fixaram o preço de produtos para a casa e de higiene. E garantidamente esta é apenas a ponta do iceberg. Mas pouco lhes importa que sejam descobertos. Não só os lucros que fazem com a concertação de preços compensariam as coimas impostas pela AdC como na realidade nunca chegam a ser pagas pois supermercados e fornecedores, sem excepção, recorrem nos tribunais, arrastando os casos indefinidamente.

Mas porquê especular em particular com os produtos alimentares? Porque em produtos como vegetais ou peixes, sem nenhuma marca por trás a exigir que os preços se fixem num determinado patamar, podem aumentar as margens de lucros até onde julguem desejável. Nada os impede de vender, como fazem, por 1,20€ ao público um quilo de batatas que foi comprado aos produtores a 0,20€. Um aumento de 500%! Assim se explica que a inflação na alimentação seja mais de 3 vezes superior à média, sendo inclusivamente o seu maior motor! Foi a especulação que permitiu aos dois maiores grupos, a Sonae e a Jerónimo Martins, terem respectivamente lucros de 342 e 590 milhões de euros o ano passado, um aumento de cerca de 28% para ambos. Fizeram de Portugal o 3º país da zona euro onde os preços dos alimentos mais cresceram, ultrapassando os preços de Espanha e quase alcançando os de França. Que venham dizer que não especulam e que as suas margens de lucro são muito pequenas é quererem fazer-nos de parvos depois de nos fazerem passar fome!

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Pelas contas do próprio Ministro das Finanças o IVA 0% apenas permitirá poupar uns míseros 12€ num cabaz de 200€. 600 milhões de euros para o patronato, migalhas para nós.

O governo intervém… para garantir os lucros dos supermercados

A inflação dos alimentos junta-se à brutal crise da habitação e à inflação generalizada que está a garantir lucros milionários à burguesia. A classe trabalhadora está a ser esmagada pelo aumento do custo de vida e começa a protagonizar uma onda de greves a exigir aumentos salariais. Isto é inaceitável para sectores do capital financeiro internacional que estão em Portugal para se aproveitarem da mão-de-obra barata. Apercebendo-se que o sector da distribuição estava a provocar uma situação potencialmente explosiva que colocava em cheque a paz social e a tranquila acumulação de capital, o governo viu-se obrigado a agir, revelando aquilo que é: uma comissão para administrar os negócios da classe dominante.

Mas não querendo ainda avançar com medidas que pudessem colocar em risco os lucros dos grandes supermercados, a única opção que tem — e que por isso mesmo foi usada também na habitação — é transferir-lhes enormes quantidades de dinheiro público na esperança que isso saceie a sua sede por lucros. A 27 de Março o governo anunciava o acordo em que dá de bandeja 600 milhões de euros às patronais, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), em troca da “garantia” de que não iriam aumentar os preços.

Para não perder a face, o governo teve que incluir no acordo uma medida que parecesse melhorar a situação dos trabalhadores. Depois de António Costa e Fernando Medina passarem semanas a dizer, e com razão, que o IVA 0% não resolvia os preços elevados, tiveram de se desdizer, avançando com a medida para 44 produtos. Uma cedência à direita e às organizações patronais que a pediam. Sabem perfeitamente que esta medida não faz descer os preços, servindo apenas para que as grandes empresas consigam lucros ainda mais obscenos ao porem ao bolso a diferença que deixa de ir para os cofres públicos. Foi precisamente isso que aconteceu no Estado Espanhol: depois de se ter baixado o IVA de certos alimentos para 0%, os seus preços voltaram ao mesmo nível em apenas duas semanas. Anunciada com pompa e circunstância, pelas contas do próprio Medina a medida apenas permitirá poupar uns míseros 12€ num cabaz de 200€. 600 milhões para o patronato, migalhas para nós. Assim governa o PS para o grande capital.

Sem se atrever a tocar nos lucros, a única forma que o governo julga ter de manter os grandes supermercados em cheque em relação à sua “garantia” é a pressão da opinião pública. É verdade que foi assim que os conseguiu obrigar a sentar-se à mesa de negociações, usando a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) para investigar a especulação e revelando publicamente numa conferência de imprensa margens médias de lucro de 50% em relação aos bens alimentares essenciais. E é assim que julga que as irá pressionar no futuro, pagando 283 mil euros a duas consultoras privadas para fiscalizar os preços dos alimentos. Mas não vai funcionar. Aliás, enquanto o acordo não entra em vigor, a 18 de abril, o Pingo Doce e outros supermercados já aumentaram os preços. Continuamos a precisar de comer e eles continuam a ser um cartel. Mais depressa nos deixam morrer à fome do que abdicam dos seus lucros se não fizermos uso da força da nossa classe para os impedir.

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Um verdadeiro controlo dos preços só pode ser assegurado por nós, trabalhadores e trabalhadoras, que tudo produzimos e tudo fazemos.

Só a nacionalização dos grandes supermercados pode garantir o fim da especulação

Como é óbvio este acordo não garante de forma alguma que os preços não aumentem, nem muito menos que baixem. Pelo contrário, os 600 milhões de euros do nosso dinheiro no seu bolso permite aos grandes supermercados concentrar ainda mais o seu controlo sob o sector com aquisições de rivais mais pequenos2 e de uma maior parte da cadeia de produção,3 dando-lhes ainda mais poder para aumentar os preços.

À esquerda PCP e BE desmascaram o IVA 0% e pedem o controlo de preços. Mas partindo do princípio que o governo avançava com a medida — o que pode ter de acontecer como cedência à mobilização da classe trabalhadora em Portugal, tal como aconteceu em França devido ao inspirador levantamento revolucionário das massas — quem é que faz esse controlo? A ASAE, sob a alçada do Ministério da Economia, com 250 inspectores para investigar as milhares de lojas e grandes superfícies no país, cujo único poder que têm é instaurar processos-crime que se perdem pelos corredores dos tribunais burgueses?4 Não, nem nenhum órgão do Estado burguês nem Bancos Alimentares podem resolver o problema. Não queremos caridade da burguesia, que só serve para perpetuar este sistema. Para transformar o sistema de modo a vivermos com dignidade só podemos contar com a força da nossa classe.

Um verdadeiro controlo dos preços só pode ser assegurado por nós, trabalhadores e trabalhadoras, que tudo produzimos e tudo fazemos, tomando nas nossas mãos toda a cadeia: produção, transporte e distribuição. É necessário nacionalizar toda a propriedade latifundiária e submetê-la ao controlo democrático dos trabalhadores agrícolas, garantindo não apenas boas condições de trabalho como produtos mais saudáveis e ecologicamente sustentáveis. 

É necessário nacionalizar igualmente as principais empresas de transporte de mercadorias e os cinco maiores grupos de distribuição sob gestão democrática dos seus trabalhadores que, organizados em comissões de trabalhadores e consumidores, façam o controlo dos preços, acabando com a especulação e garantindo uma diminuição efetiva do cabaz alimentar.

O sistema capitalista está a entrar numa nova crise financeira e condena-nos à miséria crescente. Avancemos para a revolução socialista e acabemos com a miséria!

É hora de expropriar a classe parasitária que nos condena à fome e à miséria!

Junta-te à Esquerda Revolucionária!


Notas

1. Muitos produtos aumentaram bem mais que 25%, chegando a duplicar o preço, como o arroz carolino, a couve-coração ou a polpa de tomate

2. Sonae, Lidl e Aldi já estão em negociações com o grupo Dia, de saída de Portugal, pela compra das 465 lojas ocupadas pelo Minipreço.

3. Nos últimos anos a Jerónimo Martins e a Sonae têm comprado dezenas de empresas do ramo agroalimentar e milhares de hectares, sendo as suas marcas próprias já responsáveis por 35% das vendas e por 750 milhões de euros de vendas, respectivamente.

4. O próprio sindicato da ASAE admite que a ação da ASAE é "muito limitada", "ficando-se unicamente pelas situações de especulação prevista num decreto de lei de 1984 e que isso não explica, não resolve e não pune (...)".

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