Em 2023, as Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) organizadas pela Igreja Católica realizar-se-ão em Lisboa na primeira semana de agosto.

O Estado português está a financiar este mega evento da Igreja. Sendo este, na prática, quem garante de facto a realização das JMJ. É este nas suas diversas formas o responsável pela disponibilização de meios e construção das mais diversas infraestruturas necessárias e desnecessárias para a sua realização.

Até ao momento já alocou (diretamente) mais de 80 milhões de euros. O Governo central vai gastar 36,5 milhões, a autarquia de Lisboa 35 milhões, a de Loures 10 milhões, a de Oeiras ainda não confirmou os gastos.

Nestes milhões estavam incluídos 5,1 milhões de euros para a construção dum palco megalómano bem ao estilo do Vaticano. Após a revolta que este esbanjamento causou sobretudo na classe trabalhadora, Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foi forçado a encolher o palco e conseguiu um desconto da Mota-Engil de 1,3 milhões de euros.

Estes gastos milionários em palcos são absolutamente grotescos. Enquanto a classe trabalhadora empobrece, passa fome, 1,7 milhões em Portugal vivem com menos de 551 euros por mês, quando vivemos uma crise brutal da habitação com o maior epicentro na área metropolitana de Lisboa pintam-se os parques da cidade a ouro para a Igreja Católica.

Igreja Católica: uma ferramenta ideológica na opressão das mulheres e das pessoas LGBTI+

A Igreja Católica é uma ferramenta ideológica da burguesia, particularmente dos seus setores mais reacionários. É uma instituição de defesa da propriedade privada e da exploração capitalista. É também o baluarte do seu ideal de família nuclear — patriarcal, heterossexual e cisgénero.

O Papa Francisco, que é habitualmente elogiado pela esquerda reformista, recentemente numa entrevista, disse que ser homossexual não é um crime, mas é um pecado. Em alguns países, já não é legalmente um crime, inclusive em Portugal, não por vontade da Igreja, mas pela luta corajosa e determinada do movimento LGBTI+. Pois, o casamento homossexual, segundo a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), não é um casamento e é uma vulgarização da família.

A Igreja sempre se debateu contra todos os avanços mais elementares dos nossos direitos: o aborto, o casamento e a adopção homossexual, a auto-determinação de género… A Igreja Católica é a campeã da propaganda machista e LGBTI+fóbica.

Assim que existam oportunidades, vai estar na dianteira dos ataques pelo retrocesso dos direitos que conquistámos. Por exemplo, imediatamente após a ilegalização do aborto nos EUA, Manuel Clemente, Cardeal-Patriarcal de Lisboa, veio agitar a ilegalização do aborto também em Portugal. 15 anos após a vitória do “SIM” no referendo à despenalização do aborto!

“E, portanto, problemas? Há. Gravidezes indesejadas? Há. Casos dificílimos? Há. Mas a nossa função como sociedade, para cumprir o que vem nesse artigo da Constituição [Direito à Vida] é ajudar a resolver os problemas, não é aumentar esses problemas juntando um mal a outro mal”. O bem-estar, a vida e o direito das mulheres decidirem sobre os seus corpos pouco importa para a Igreja Católica.

São estas as ideias que o Estado português está a dar palco com os milhões da classe trabalhadora. Uma semana de celebração de ataques machistas e LGBTI+fóbicos.

O Estado premeia com milhões a instituição responsável por encobrir e perpetuar centenas de abusos sexuais

As JMJ estão a ser organizadas por cima das centenas de denúncias de abusos sexuais de crianças nos espaços controlados pela Igreja Católica, maioritariamente perpetuados por padres e encobertos e ocultados pela hierarquia da “Santa Sé”. Estas denúncias vieram a lume, no último ano, em Portugal.

O relatório final apresentado pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa, criada e controlada pela própria, recebeu 512 testemunhos, a partir dos quais confirmou 4815 vítimas de abusos sexuais, segundo o relatório final apresentado no último mês de fevereiro. Esta é só a ponta do iceberg, o número total de crianças vítimas de abusos sexuais será muito superior.

A nível mundial são centenas de milhares de abusos que vieram a público. A magnitude do problema, além de ser escandalosa e de uma violência atroz, deixa claro que estes abusos não são “casos isolados”. Mostram que estamos perante violência sexual sistemática e que é sistematicamente e conscientemente encoberta pela Igreja.

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As JMJ estão a ser organizadas por cima das centenas de denúncias de abusos sexuais de crianças nos espaços controlados pela Igreja Católica.

A Igreja é essencialmente uma empresa capitalista multinacional, com o Vaticano a acumular um património avaliado em 4.000 milhões de euros.

A Igreja portuguesa é proprietária do Grupo Renascença Multimédia — detendo, com o Grupo Media Capital, o monopólio das rádios — e da Universidade Católica Portuguesa (UCP), uma das maiores universidades privadas no país. Só com a UCP, obtém lucros anuais de mais de 65 milhões de euros. É ainda a principal empregadora do “setor social” privado, com incontáveis IPSS como a Cáritas, as Santas Casas da Misericórdia e centros sociais paroquiais que recebem chorudos apoios do Estado e representam um mercado gigantesco de serviços — compreendendo creches, escolas, centros de dia, lares, hospitais, cuidados de saúde, apoio alimentar, etc.

A Igreja acumula desta forma uma série de funções sociais das quais o Estado burguês se desembaraça, e fá-lo obtendo lucros astronómicos e espalhando a ideologia mais reacionária.

E como qualquer multinacional, comporta-se como uma autêntica máfia. O seu poder económico é gigantesco, e é utilizado para influenciar os sucessivos governos.

Este entrelaçamento com o Estado burguês — oficialmente laico — explica a forma como mesmo perante uma quantidade avassaladora de crimes de abuso sexual e pedofilia a hierarquia católica mantenha o controlo de todo o processo de investigação e punição dos violadores e pedófilos e tenha apoio e financiamento para a organização das Jornadas Mundiais da Juventude. A Igreja é assim uma organização com direitos especiais.

Aliás, os laços ideológicos e políticos dos mais altos funcionários do Estado com a “Santa Sé” têm o seu esplendor máximo em Marcelo Rebelo de Sousa, reacionário e católico declarado. O Presidente da República fez tradição que todos os seus mandatos presidenciais começassem com uma viagem ao Vaticano. Além disto, fez questão de pré-avisar José Ornelas, presidente da Igreja Católica portuguesa, que tinha enviado para o Ministério Público uma denúncia contra este por alegadamente ter sido responsável de encobrir casos de abusos sexuais!

A posição do Estado, em toda a linha, é o encobrimento dos crimes da Igreja e a salvaguarda dos seus privilégios. Não olhando a meios para a sua proteção. Esta posição teve o seu mais recente culminar também em Marcelo, para quem "haver 400 casos [de denúncias de abusos sexuais] não me parece que seja particularmente elevado”. Não podia ser mais transparente a posição do Estado face às agressões e abusos da Igreja Católica, pela boca da sua mais alta figura. Não há consequências para os seus crimes.

É necessário uma esquerda combativa para acabar com a impunidade e privilégios da Igreja!

A crítica do BE e do PCP relativamente às Jornadas Mundiais da Juventude resume-se no essencial à ausência de transparência dos gastos e contratos públicos realizados. E a sua atuação resume-se a requerimentos na Assembleia Municipal de Lisboa. Nenhuma palavra relativamente ao carácter de classe da Igreja Católica e à sua doutrina machista, homofóbica e transfóbica. Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP, chega a ponto de brincar que se a organização das JMJ "tivessem entregado isso ao PCP e o PCP organizava isso com uma grande pinta, muito mais barato posso garantir”.

A esquerda tem de tomar uma posição que rompa de uma vez por todas com a política de relações amistosas e silêncio ante a Igreja que tem sido seguida durante décadas pelas direções reformistas, que temem chocar com o Vaticano como temem chocar com qualquer grande poder capitalista.

Fim a todo e qualquer privilégio, apoio estatal ou isenção fiscal de que a Igreja beneficie. A riqueza que a classe trabalhadora produz para a sociedade não pode servir para alimentar uma casta parasitária e reacionária. Dever ser investido na saúde, educação e na assistência às vítimas dos abusos. Todas as estruturas educacionais, de comunicação e de assistência social controladas pela Igreja Católica e que são utilizadas para espalhar a ideologia mais retrógrada têm de ser nacionalizadas sob controlo democrático.

É preciso construir uma esquerda combativa e revolucionária que tome as ruas para lutar contra todos os ataques machistas e LGBTI+ e para acabar com a impunidade e privilégios da Igreja.

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