Os transportes públicos atravessam um processo de degradação que se acentuou nas duas últimas legislaturas. No entanto, é insuficiente atribuir a culpa apenas a este governo e ao anterior, tendo em conta que o processo de degradação dos serviços começou com a privatização da Rodoviária Nacional em 1992. As causas deste problema são mais profundas do que os governos, encontram-se no próprio funcionamento do capitalismo.

Para compreender o que significa a degradação dos transportes é necessário entender que funções servem. Os transportes públicos são serviços indispensáveis ao funcionamento da sociedade capitalista. Nas cidades asseguram a mobilidade de grandes massas de trabalhadores oriundos da periferia para o centro, as chamadas migrações pendulares. A mobilidade dentro da cidade depende da rede de transportes públicos, não só evitando o caos causado pela locomoção em transportes pessoais (carros e motas), mas permitindo a locomoção da maioria da classe trabalhadora, demasiado pobre para dispor de meios privados de transporte. Sem transportes públicos, no mundo de hoje, seria impossível a força de trabalho deslocar-se até ao capital, até onde os patrões poderão explorá-la. Nas zonas do interior, são ainda os transportes públicos que permitem a deslocação da população às vilas e cidades onde se concentram a maior parte dos serviços públicos. É esta importância que explica a nacionalização, durante o PREC, da CP, Sociedade Estoril-SOL (linha ferroviária de Lisboa-Cascais), Barraqueiro e outras empresas de transportes, unificando-as na Rodoviária Nacional, Carris e Metro. Nesse período deu-se também a constituição de Serviços Municipais de Transportes (Barreiro, Braga, entre outros), para além da introdução do passe social.

A partir de 1992, o ataque aos transportes públicos começou com as privatizações da Rodoviária Nacional, que se fragmentou em várias empresas, entre as quais se contam, por exemplo, a Barraqueiro ou a Rodoviária Sul do Tejo (depois Transportes Sul do Tejo, TST).

Actualmente, a prioridade destas empresas é a criação de lucros garantidos para grupos económicos privados. Mas as empresas de transporte público devem ser a garantia do direito à mobilidade das populações. De outra forma, os resultados para a qualidade de vida dos trabalhadores e jovens, que necessitam dos serviços de transporte todos os dias, são desastrosos.

Vemos já as consequências das privatizações e a degradação dos transportes públicos nas zonas urbanas de Lisboa e Porto: os preços aumentaram para níveis incomportáveis para muitos milhares de trabalhadores que habitam as periferias das cidades. Já no interior, os serviços foram reduzidos, deixando largas regiões quase sem transportes por não serem lucrativas para o privado, o que contribui para a desertificação de várias localidades.

Nas últimas duas legislaturas houve uma acentuação da degradação dos transportes públicos com o claro intuito de degradar para privatizar. Em 2011, o “Plano Estratégico de Transportes” (PET), do Governo PSD/CDS, ditava o futuro dos transportes.

O PET trouxe um aumento dos preços: 21% do preço do passe do Metro de Lisboa — 50% para os estudantes e pessoas com mais de 65 anos. Este aumento dos preços reflectiu-se no aumento do uso do transporte pessoal. Entre 1991 e 2011, o peso do transporte individual aumentou de 24% para 44% só na Área Metropolitana de Lisboa, sendo ainda mais considerável hoje. Não só o aumento dos preços, mas também o desinvestimento nas infraestruturas e na modernização do material, levou à degradação dos serviços. Em média, apenas 23.3% da oferta de transportes de 7 empresas públicas (autocarro, metro, elétrico, comboios e transporte coletivo empresa/privado) é utilizada, verificando-se uma diminuição de 51% para 37% entre 1991 em 2011 (Dados INE 2003).

Em 2011 o Governo falava de uma dívida de 16.700 milhões de euros (números relativos às contas de 2010), mas não referiu o facto de essas dívidas serem resultado da concretização de projetos de investimento da responsabilidade do Estado que este depois se recusou a financiar, obrigando as empresas públicas a contrair dívida. Esta dívida serviu para justificar o aumento dos preços e o ataque feito aos trabalhadores, utilizando as despesas com o pessoal como arma de arremesso contra os transportes públicos. É importante sublinhar que as despesas com pessoal representavam um encargo público de 2.413 milhões de euros, enquanto as despesas públicas com encargos financeiros eram de 2.754 milhões de euros relativamente às seguintes empresas: CARRIS, STCP, ML, MP, CP, TT, SOFLUSA e REFER. O Governo PSD/CDS escondeu o facto de que as receitas dos impostos sobre Produtos Petrolíferos e sobre os Veículos, no período entre 2009 e 2012 (fora IVA dos veículos e imposto de circulação), totalizaram a quantia de 12.381 milhões de euros que não foram investidos nos transportes públicos, como deveriam ter sido. Outro buraco financeiro omitido pelo PSD/CDS foram as PPP’s, sendo que a Mota-Engil é a empresa que mais lucra com estas. O governo PSD/CDS não fez nada porque tinha relações de interesses com as empresas beneficiadas. O Governo PS parece seguir o mesmo caminho.

Em 2013 o secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, afirmava que a Carris, Metro de Lisboa, Transtejo, STCP, Metro do Porto e linha de Cascais, iriam passar por um processo de concessão, continuando o caminho da gestão ruinosa das PPP’s. O “argumento” era de que as concessões iriam permitir saldar uma dívida de 13.000 milhões de euros (recordemo-nos das receitas dos impostos sobre petróleo e veículos entre 2009 e 2012).

Um dos exemplos mais claros de sabotagem pelos governantes tem sido o caso do Metro de Lisboa. O despedimento de 300 trabalhadores, entre os quais 45 maquinistas, a paralisação de material circulante devido à falta de manutenção, a diminuição da velocidade de circulação, entre outros problemas, têm causado o caos. Em comunicado, a FECTRANS constata como o “aumento dos tempos de espera e avarias, continuam a ser frequentes no Metropolitano”.

Apesar da anulação da subconcessão dos transportes públicos de Lisboa e Porto a privados, por parte do Governo de António Costa, esta medida não chega para reverter a situação caótica dos serviços e a situação dos trabalhadores. O Orçamento de 2017, segundo o ministro do Ambiente João Matos Fernandes, será um Orçamento de investimento estrutural. Segundo o ministro, as obras em estações do Metro de Lisboa, no valor de 22 milhões de euros, “estarão inscritas no orçamento do próximo ano da empresa”. Mas isto não chega.

As condições laborais e o Orçamento do Estado

O Orçamento do Estado para 2017, não resolvendo os problemas técnicos e infra-estruturais, olvida ainda as questões laborais dos trabalhadores dos transportes públicos.

“Com esta proposta os trabalhadores passariam a receber subsídio de refeição, trabalho extraordinário e trabalho nocturno nos termos da contratação colectiva, o que na prática seria a revogação do artigo 18º do decreto lei 133/2013, no próximo ano porque o OE sobrepõe-se ao decreto-lei, mas mantendo-se bloqueado o aumento dos salários, bloqueadas as evoluções profissionais, bloqueadas as diuturnidades, os trabalhadores continuariam em 2017 com salários de 2009. (…) Quanto ao pagamento do subsídio de Natal a proposta de OE é o pagamento de 50% em Novembro e o restante em duodécimos.”, segundo um comunicado da Federação dos Sindicatos dos Transportes (FECTRANS) que toma uma posição perante o Orçamento. A reposição das 35 horas semanais encontra-se bloqueada por falta de pessoal, só a contratação coletiva pode dar início à necessidade imediata de reposição do horário.

Este OE é insuficiente. Sem a reposição salarial, a implementação efectiva das 35 horas e o investimento no alargamento das redes para a periferia, tanto os utentes como os trabalhadores sofrem as consequências da degradação dos transportes.

É, por isso, urgente elaborar um caderno reivindicativo que não só una os interesses comuns dos trabalhadores e utentes.

Nos últimos anos, os trabalhadores dos transportes públicos, em conjunto com algumas comissões de utentes, como a Comissão de Utentes do Transportes de Lisboa, têm lutado contra a sua precarização e em defesa do serviço público de transporte. No entanto, as lideranças sindicais têm-no feito de forma isolada, sem ligar as suas lutas com a restante classe trabalhadora. O passo positivo de se fazer greves conjuntas entre sectores dos transportes, que já foi dado, deve ser seguido de outros passos. Sem uma estratégia séria de ligação à população trabalhadora que usa os transportes públicos, abre-se o espaço à propaganda reacionária do governo que coloca utentes contra trabalhadores. Aquilo que é uma luta e uma necessidade de toda a classe trabalhadora não pode ser relegado a um pequeno grupo de dirigentes sindicais que não fomentam uma luta de massas.

Apenas mobilizações unificadas e inseridas num plano de luta podem conquistar as suas reivindicações. Esta luta deve ser feita em ligação constante com os utentes, na sua esmagadora maioria trabalhadores, e ganhá-los para a luta pelo direito à mobilidade. Há a necessidade imediata de conquistar passes gratuitos, melhores infraestruturas, mais carreiras, mais condições para pessoas com mobilidade reduzida e o alargamento dos serviços na periferia das cidades e no interior do país. Mas o objectivo deve ser claro: conquistar o controlo público e democrático dos transportes, que só é possível com uma muito maior organização dos trabalhadores de transportes públicos e dos utentes.

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