A disputa entre os dois grandes blocos imperialistas desencadeou um conflito militar na Europa com enormes consequências na luta de classes, na economia e na política mundiais. Mas a guerra na Ucrânia e a mudança dramática que ela representa para as relações internacionais não caíram do céu.

O avanço da China como superpotência, acentuado após a Grande Recessão de 2008, representou um míssil disparado à "ordem internacional" projetada por Washington, aproveitando-se da desintegração da URSS. A luta pelo controlo das cadeias globais de abastecimento e fluxos de capitais, das rotas comerciais, matérias-primas e áreas de grande valor geoestratégico chegou a um ponto crítico, colocando o sistema capitalista na sua maior crise desde a Segunda Guerra Mundial.

O declínio do imperialismo dos EUA e a ascensão da China

A guerra na Ucrânia eclodiu num contexto particularmente complicado para o Ocidente. A catástrofe sanitária da covid-19 e os seus efeitos a todos os níveis expuseram as enormes fragilidades dos EUA e da União Europeia (UE) diante do crescente capitalismo de Estado chinês1.

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A luta pela supremacia mundial chegou a um ponto crítico, deixando o sistema capitalista na sua maior crise desde a Segunda Guerra Mundial.

Os dados deixam pouco espaço para especulação: das 6,5 milhões de mortes que as estatísticas oficiais da OMS registaram até 7 de setembro de 2022 (os números reais podem já ultrapassar os 17 milhões segundo outras fontes)2, 5.226 correspondem à China em comparação com mais de um milhão de mortes nos EUA, 205.000 na Grã-Bretanha, 113.117 na Alemanha, as 104.668 mortes no Estado espanhol e as quase 25.000 mortes em Portugal3.

A bem-sucedida estratégia de “covid zero” permitiu à China manter a sua economia em funcionamento sem as graves alterações que abalaram os EUA e a Europa. Em 2020 alcançou um crescimento de 2,3%, enquanto a economia mundial encolheu 4,3% e a economia dos EUA caiu 3,8%. Em 2021 a recuperação foi mais sólida, chegando a 8,1% contra 5,7% nos EUA.

Apesar da intensa propaganda sinofóbica, é incontornável que as vantagens de Pequim continuaram a fortalecer-se. A China é hoje o principal parceiro comercial de 130 países e mais de dois terços destes atingiram um volume de comércio com o gigante asiático que duplica o dos EUA. Se medirmos o PIB pelo critério da paridade do poder de compra, que tanto o FMI quanto a CIA consideram que "proporciona o melhor ponto de partida disponível para comparar a força e o bem-estar entre economias", a economia chinesa já teria superado a estado-unidense, representando 115% desta.

A China representa 15,2% do total das exportações mundiais, à frente dos EUA (8,45%), Alemanha (8,1%) e Japão (3,8%). Assumiu a liderança no desenvolvimento da Inteligência Artificial, com uma quota na produção global de robots industriais que cresceu dos 3,2% em 2010 para os 31% em 2020, liderando igualmente seções-chave da nova indústria “verde”, ao produzir 80 % dos painéis solares, 40% das turbinas eólicas e 45% dos carros elétricos. Possui 90% da capacidade de refinação de terras raras, essenciais para as baterias de veículos elétricos. Em 2020, pela primeira vez, a lista da Forbes das 500 maiores empresas tinha mais corporações chinesas do que estado-unidenses, 124 contra 121.

A penetração da China no mercado global é impressionante. Lidera o maior bloco económico do planeta após a assinatura do Parceria Económica Abrangente Regional (RCEP) por 15 países da região Ásia-Pacífico que somam mais de 2.200 milhões de habitantes, cerca de um terço da economia mundial e um PIB combinado de cerca de 26,2 biliões de dólares. O seu comércio com aliados tradicionais de Washington, como o Japão ou a Coreia do Sul, quase duplica o dos EUA, ou mais do que duplica no caso da Austrália.

Na Nova Rota da Seda, a sua grande aposta estratégica, a China já mobilizou 932 mil milhões de dólares desde o seu lançamento em 2013, segundo um relatório publicado pelo Green Finance & Development Center. Entre 1 de janeiro e 30 de junho de 2022, 42 países acolheram projetos relacionados com a Rota. Em termos de investimentos, a Arábia Saudita foi a maior receptora, com cerca de 5,5 mil milhões de dólares, seguida da República Democrática do Congo (600 milhões) e da Indonésia (560 milhões).

O mundo tornou-se ainda mais dependente da China, cujo superávit comercial atingiu um recorde de 675 mil milhões de dólares em 2021, um aumento de 60% em relação aos níveis pré-pandemia. A China é também o maior credor do mundo4.

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A China é hoje o principal parceiro comercial de 130 países e mais de dois terços destes atingiram um volume de comércio com o gigante asiático que duplica o dos EUA.

Tudo isto não apaga a acumulação de importantes desequilíbrios na sua própria economia, como o crescente endividamento, que passou de 140% para 290% do PIB, e a existência de perigosas bolhas especulativas nos sectores imobiliário e bancário. Mas estes problemas são muito piores no caso dos EUA e da Europa.

É claro que o desenvolvimento das forças produtivas não pode esconder a extrema exploração da classe trabalhadora sob o capitalismo de Estado chinês, a ausência de liberdades democráticas e sindicais e a extensão de uma desigualdade dilacerante: 1% dos multimilionários detinha os 30,6% de toda a riqueza do país em 20205. Uma realidade que tão-pouco é alheia aos EUA e à Europa.

Num cenário de dados negativos para as economias ocidentais, a China continua a absorver uma parte crescente do investimento direto estrangeiro de capital (IDE), aumentando uns 26,1% entre janeiro e abril de 2022 face ao período homólogo — um total de 74,47 mil milhões de dólares.

O poderio da China tem outro reverso óbvio: o declínio acelerado da principal superpotência mundial, os Estados Unidos. A humilhante derrota geopolítica e militar de Washington no Afeganistão, somada às sofridas no Iraque, Síria e Líbia, o fracasso das suas estratégias golpistas na Venezuela, Bolívia e Turquia e o despejo progressivo das suas posições de influência em África, na Ásia, no Médio Oriente e em grande parte da América Latina reforçam esta tendência.

Aliados tradicionais dos EUA, como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Turquia e Israel, recusaram-se a aplicar sanções contra a Rússia, aumentando as relações comerciais com o regime de Putin em plena guerra e até colaborando ativamente em benefício da Rússia e da China através da OPEP6.

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O desenvolvimento das forças produtivas não pode esconder a extrema exploração da classe trabalhadora sob o capitalismo de Estado chinês, a ausência de liberdades democráticas e sindicais e a extensão de uma desigualdade dilacerante.

A política externa é sempre um reflexo das forças ou fraquezas internas das nações. A classe dominante estado-unidense tenta manter a todo custo a aparência de uma potência hegemónica, mas é impossível esconder a degradação económica e social do país.

A profunda divisão existente nas fileiras da burguesia, a tentativa de golpe de Trump e o assalto ao Capitólio em janeiro de 2021, a consolidação da viragem à extrema-direita do Partido Republicano e de instituições chave como o Supremo Tribunal, o fracasso da agenda social de Biden e a impotência que este mostra para conter o avanço do trumpismo... são sintomas óbvios de extrema polarização. A outra face são as mobilizações anti-racistas de massas que encheram as cidades dos Estados Unidos, o crescimento do apoio à esquerda entre amplas camadas da juventude e do movimento dos trabalhadores, as lutas pela sindicalização e a onda de greves ofensivas…

Os discursos recorrentes que incluem argumentos fascistas e supremacistas de Trump e dos sectores da classe dominante que o apoiam; os ataques aos direitos democráticos fundamentais, como o aborto ou o voto da minoria afro-americana; a legislação repressiva contra a imigração; o fortalecimento das forças policiais e a impunidade com que foram tratados os paramilitares de extrema-direita que assaltaram o Capitólio com a cumplicidade de importantes chefias do aparelho de Estado, mostram a profunda crise que atravessa o sistema de dominação tradicional. Não é por acaso que, na comunicação social, os programas, artigos e reportagens sobre a possibilidade de uma nova guerra civil se sucedem.

Com a aprovação popular da gestão de Biden em mínimos, e quando apenas 26% dos estado-unidenses apoiam o papel de protagonista que os EUA estão a desempenhar na guerra na Ucrânia, os planos da Casa Branca para conter a Rússia e a China não param de se complicar.

A batalha pela europa

Depois de fracassar no Médio Oriente e da guerra comercial com a China terminar negativamente para os seus interesses, a perda de credibilidade de Washington só se tem vindo a aprofundar. É por isso que o imperialismo estado-unidense não pode consentir um retrocesso ainda maior da sua influência no continente europeu.

A Administração Biden, apresentada pela esquerda reformista como a grande esperança de retomar uma agenda progressista, tornou-se o aríete mais belicista e descontrolado do imperialismo. Sob o mandato dos democratas, a política externa dos EUA estimula a instabilidade global: arrasta a burguesia europeia para uma situação caótica, enquanto a inflação atinge duramente a economia e aumenta a probabilidade de uma recessão severa.

A guerra na Ucrânia só pode ser observada de forma coerente se a enquadrarmos no amplo conflito interimperialista que está a ocorrer e no qual a Europa é uma peça decisiva.

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A Administração Biden, apresentada pela esquerda reformista como a grande esperança de retomar uma agenda progressista, tornou-se o aríete mais belicista e descontrolado do imperialismo.

Vejamos alguns dados. Em 2020, a China apareceu como o principal parceiro comercial da UE, embora já fosse da Alemanha desde 2015. O comércio entre a China e os 17 países da Europa Central e Oriental cresceu a uma média anual de 8% desde 2012, até atingir em 2020 os 103.450 milhões de dólares.

Igualmente as estreitas relações que Pequim desenvolveu com Itália e Grécia, a sua forte presença na Bósnia, Croácia, Montenegro ou Sérvia, como pontos estratégicos da Nova Rota da Seda, e até da sua entrada na Ucrânia, que se tornou o seu principal parceiro comercial antes da guerra, e que já em 2013 se tinha apoderado de 9% das terras aráveis do país.

A guerra, e os seus preâmbulos, deixaram clara a estratégia dos EUA em relação à Europa: colocar os seus aliados de joelhos e fazer da derrota da Rússia e da China o seu objetivo supremo, conquistar uma parte dos mercados europeus que havia perdido (especialmente em energia) e restablecer uma correlação de forças global mais favorável.

Mas depois de pressionar e fazer com que a UE parasse, após sete anos de negociações, o Comprehensive Agreement on Investment com a China, depois de Berlim paralisar o gasoduto Nord Stream 2, depois de um pacote de sanções contra a Rússia, que iriam “desmantelar a sua economia” e de enviar um fluxo de ajuda económica e militar para Kiev… a situação de Washington não melhorou no substancial.

Os estrategas estado-unidenses têm sido ferrenhos defensores do Brexit e Boris Johnson foi um aliado fanático da Ucrânia de Zelensky. Mas o líder conservador teve que renunciar, a economia britânica está numa espiral de inflação e estagnação, o movimento grevista está a espalhar-se e existem grandes possibilidades de que este outono-inverno do descontentamento acabe com o governo conservador.

O mesmo pode ser dito da Itália e da queda do governo de Mario Draghi, ex-governador do Banco Central Europeu, que deu lugar à coligação de direita liderada pela extrema-direita de Meloni nas eleições de 25 de setembro. Este resultado pode atrapalhar os planos dos EUA na Itália, onde importantes sectores da burguesia mantêm prósperos negócios com o regime de Putin.

Após seis meses de guerra, a atitude da classe dominante europeia e dos burocratas em Bruxelas resultou num desastre absoluto. As declarações de bravata de Ursula von der Leyen encorajando a suspensão das compras de gás russas foram ouvidas: Putin deu um murro na mesa e cortou o fornecimento até que as sanções económicas à Rússia fossem levantadas. Mas agora a UE acusa Moscovo de “chantagem” e de utilizar a energia como “arma de guerra”. As gargalhadas de Moscovo e Pequim devem ressoar nos escritórios de Bruxelas e Washington!

No meio desta confusão, a Comissão Europeia tentou improvisar uma série de medidas para conter o aumento do preço do gás e da eletricidade, culpando Putin por todos os males. Mas a classe trabalhadora europeia não se deixará enganar facilmente.

Os lucros das grandes empresas do sector — que se multiplicaram por duzentos e trezentos por cento, dependendo do país— não são decididos em Moscovo. São fruto de um mercado controlado por um cartel de monopólios e fundos de investimento que atua de forma coordenada e que por meio da especulação impõe uma política de preços abusiva7.

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A Comissão Europeia culpa Putin pela escalada de preço do gás e da eletricidade e todos os males. Mas a classe trabalhadora europeia não se deixará enganar facilmente.

A tentativa de "limitar" o preço do gás e do petróleo falhou sem apelo nem agravo. Agora, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou que vai promover um imposto de 33% sobre “lucros extraordinários obtidos este ano pelas empresas de energia”. A sua proposta foi saudada como um "triunfo" pela social-democracia e seus aliados na nova esquerda reformista. Mas esta proposta tem uma "nota de rodapé" que esclarece tudo: que esses 33% serão aplicados aos lucros que em 2022 tenham ultrapassado 20% do rendimento médio dos últimos três anos, e terão que ser aprovados pelos governos de todas as nações . Uma grande fraude!

De qualquer forma, isto é um sintoma do que realmente preocupa a classe dominante europeia: explosões sociais podem ocorrer em muitos países como resultado de uma crise insustentável. Com este tipo de gestos e mentiras pretendem acalmar os ânimos. Mas o problema subjacente não vai ser resolvido. Enquanto os lucros empresariais forem deixados em paz e a propriedade privada desses grandes meios de produção não for nacionalizada sob o controlo democrático dos trabalhadores, o caos continuará e será impossível resolver a crescente pobreza energética e combater efetivamente as mudanças climáticas.

O fracasso das sanções contra a Rússia

A inflação ultrapassou todas as linhas vermelhas no mercado de energia, mas é um fenómeno generalizado, ao qual não são alheios os 9 biliões de dólares que os bancos centrais de todo o mundo injetaram desde março para resgatar bancos e grandes empresas capitalistas.

Este fluxo de liquidez, que além de aumentar a dívida pública a uma escala estratosférica, impulsionou o peso do capital fictício, fomentando novas bolhas bolsistas, está por detrás da pressão sobre os preços da energia, do sector agroalimentar, dos transportes ou da habitação.

À medida que a guerra se arrasta e as consequências da crise económica se tornam mais intoleráveis, a precária unidade europeia pode desmoronar-se rapidamente.

A Hungria, fortemente dependente do petróleo e gás russos e sem costa, já ameaçou repetidamente abandonar o barco. Na Alemanha, o governo do social-democrata Olaf Scholz enfrenta uma oposição interna que vai crescer e que questiona as sanções contra a Rússia. Outros países, como a Eslováquia ou a República Checa, já estão a sofrer as consequências e a passar por importantes manifestações contra as sanções.

O fornecimento de energia da Rússia à Europa, e especialmente à Alemanha, é essencial para garantir a sua competitividade no mercado mundial e o funcionamento da sua indústria. O bloqueio pode significar um golpe devastador e o despedimento de dezenas de milhares de trabalhadores. O gás russo não pode ser substituído no curto prazo, mas, além disso, a tentativa de substituí-lo por gás natural liquefeito implica custos entre 30% e 40% superiores, e igualmente em relação ao petróleo. Apesar do aumento das reservas europeias, um racionamento que afete severamente o aquecimento e o consumo doméstico nos países da Europa central e oriental não está fora de questão.

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À medida que a guerra se arrasta e as consequências da crise económica se tornam mais intoleráveis, a precária unidade europeia pode desmoronar-se rapidamente.

É evidente que os governos estão a tentar evitar um cenário explosivo no qual as greves e explosões de raiva popular se liguem, ultrapassem as burocracias sindicais e provoquem inclusivamente uma situação pré-revolucionária. A burguesia europeia está a ganhar consciência da gravidade do momento. Mas com base nas políticas capitalistas e prolongamento da austeridade e dos cortes, não há solução: as contradições irão tornar-se ainda mais irresolúveis, o cansaço da população crescerá de mãos dadas com a desigualdade e a pobreza, a polarização política à direita e à esquerda e o descrédito das instituições tornar-se-á ainda maior.

A estratégia do Ocidente voltou-se contra si mesmo. Esta é a primeira conclusão notável de seis meses de guerra. Queriam prejudicar a economia da Rússia até esta entrar em colapso, mas o seu superávit em conta corrente — o indicador mais abrangente dos fluxos comerciais e investimentos — aumentou para quase 167 mil milhões de dólares entre janeiro e julho deste ano, em comparação com os pouco mais de 50 mil milhões no mesmo período do ano anterior. Muito provavelmente, em 2022 terminará com um superávit em conta corrente de 200 mil milhões de dólares.

De acordo com o think tank finlandês Centre for Research on Energy and Clean Air (CREA), as receitas do Kremlin com as exportações de bens energéticos desde o início da invasão da Ucrânia atingiram 158 mil milhões de euros. Mais de metade provenientes da UE, que contribuiu com mais de 85.000 milhões nestes seis meses, 35.000 milhões vieram da China e 11.000 milhões da Turquia. Só no mês de maio, as exportações russas de petróleo para a China aumentaram 21,2%, enquanto que para a Índia se multiplicaram por nove, atingindo o recorde de 840 mil barris por dia.

Outros países importantes neste grande jogo, como a Turquia, mostraram publicamente o seu desacordo com a estratégia estado-unidense. A oposição de Erdogan a aderir às sanções ocidentais e os prósperos negócios que mantém com a oligarquia russa representam igualmente um balão de oxigénio para Putin:

“De maio a julho, as exportações da Turquia para a Rússia totalizaram quase 2.000 milhões de euros, 37% a mais do que no mesmo período do ano anterior. Mas Aydin Sezer, analista político e ex-conselheiro comercial da Embaixada da Turquia em Moscovo, convida a não confiar demasiado nas estatísticas porque, segundo ele, nem todo o comércio é registado. Por exemplo, há o chamado 'comércio de malas': pessoas que viajam para Istambul e daí carregam tudo o que podem para depois revender em território russo, ou que enviam remessas de até 500 quilos por meio de empresas de logística. O Banco Central da Turquia, através de estatísticas de pagamentos e de sondagens, estima que cerca de 2.000 milhões de euros tenham sido movimentados desta forma nos últimos seis meses (22% a mais que em 2021) (...)

No passado dia 5 de setembro, Erdogan encontrou-se com Putin na cidade balnear de Sochi. O clima que transmitiam, entre sorrisos, era de franca camaradagem, e as suas delegações firmaram diversos acordos para facilitar e promover o comércio entre os dois países. No avião de volta à Turquia, Erdogan explicou aos jornalistas que o acompanhavam que cinco bancos turcos já estavam a trabalhar para aceitar o sistema de pagamento russo MIR — essencial para que os turistas russos consigam continuar a pagar com cartões antes excluídos dos sistemas Visa e Mastercard — e que Ancara passará a pagar em rublos as compras de gás (a Rússia é o seu principal fornecedor) e outras transações (…) Poucos dias antes da reunião em Sochi, a estatal russa Rosatom transferiu para a Turquia cerca de 3.000 milhões de dólares (valor equivalente em euros) como parte de um aumento de capital do consórcio que está a construir a primeira central nuclear turca. Espera-se que, nas próximas semanas, cheguem 10.000 milhões, parte dos quais serão financiados através da compra de títulos do Tesouro turco”.

Mas o ponto crucial para a Rússia é o apoio da China. Este é o aspecto decisivo. A natureza estratégica da aliança entre Pequim e Moscovo continua a fortalecer-se. Antes da invasão, Putin realizou uma cimeira com Xi Jinping a 4 de fevereiro, na qual foram assinados acordos para vender 130 mil milhões de dólares em carvão, petróleo e gás russos, concluir a construção do novo gasoduto Power of Siberia 2, que garantiria a transferência de 50.000 milhões de metros cúbicos de gás por ano para a China, e construir uma fábrica de liquefação de gás em Yamal (noroeste da Sibéria) avaliada em 27.000 milhões de dólares8.

Nessa cimeira estimou-se que o comércio bilateral entre os dois países aumentaria para 250.000 milhões de dólares até 2024, e tudo parece indicar que este valor será facilmente superado: no primeiro trimestre de 2022, o comércio entre os dois países aumentou em 28%.

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O ponto crucial para a Rússia é o apoio da China. Este é o aspecto decisivo. A natureza estratégica da aliança entre Pequim e Moscovo continua a fortalecer-se.

A aliança com a Rússia fornece ao imperialismo chinês recursos energéticos e matérias-primas essenciais para a sua indústria a preços muito competitivos, e desmente aqueles que falam de uma posição de neutralidade calculada9. Mas não se trata apenas do seu apoio direto. O peso e a influência da China como superpotência mundial explicam os limites contra os quais as sanções ocidentais contra o regime de Putin estão a esbarrar.

O firme e decisivo apoio da China à Rússia oferece a Putin um amplo espaço e continuará apesar das ameaças dos EUA e do Ocidente. Assim o manifestava o vice-ministro das Relações Exteriores da China, Le Yucheng: "Não importa como se altere o cenário internacional, a China continuará a fortalecer a coordenação estratégica com a Rússia para uma cooperação benéfica para todos, salvaguardando conjuntamente os interesses comuns dos dois países".

Para aqueles que tinham dúvidas sobre este ponto, a última cimeira da Organização de Cooperação de Xangai, realizada em Samarcanda (Uzbequistão), deixou isso bem claro.

Apesar das tentativas tortuosas de manipulação da imprensa ocidental, o discurso do presidente chinês Xi Jinping foi contundente: "Perante as tremendas mudanças globais em andamento nunca antes vistas na história, estamos prontos para trabalhar com os nossos colegas russos para dar o exemplo do que é uma potência global responsável e assumir a liderança que leve um mundo em rápida mudança para um caminho de desenvolvimento positivo e sustentável”. O presidente indiano, também presente na cimeira, não ficou muito atrás: “A relação entre Índia e Rússia aprofundou-se muito. Também valorizamos esta relação uma vez que estivemos juntos em todos os momentos nas últimas décadas e o mundo inteiro também sabe como tem sido a relação da Rússia com a Índia e como tem sido a relação da Índia com a Rússia e, portanto, o mundo sabe que é de uma amizade inquebrável”.

Pela sua parte, a Rússia declarou o seu apoio incondicional à China na recente crise de Taiwan, após a visita de Nancy Pelosi à ilha, aderindo inequivocamente à posição de "uma só China" de Pequim. As manobras militares de ambos os países há algumas semanas, os exercícios Vostok-2022 que ocorreram em vários locais do Extremo Oriente da Rússia e no Mar do Japão, sublinharam este pacto.

Segundo Putin, as autoridades dos países ocidentais "agarram-se às sombras do passado" e acreditam que o domínio do Ocidente é "uma magnitude constante". "Não há nada eterno", disse Putin. E proclamou o fim do mundo unipolar liderado pelos Estados Unidos, apesar das tentativas do Ocidente de preservá-lo "por todos os meios". Em grande medida, estas declarações foram absolutamente certeiras.

“Desde que as sanções foram impostas à Rússia há oito anos pela anexação da Crimeia —explica Rafael Poch—, a participação do dólar nos pagamentos internacionais como um todo diminuiu 13,5 pontos percentuais: passou de 60,2% em 2014 para 46,7% em 2020 (...) Nenhum BRIC participou nas sanções contra a Rússia: nem a Índia, nem o Brasil de Bolsonaro, nem a África do Sul, nem a Turquia atlantista, nem os países do Golfo, nem, claro, a China (...) a conferência de ministros dos negócios estrangeiros da Organização da Conferência Islâmica (57 países membros) recusaram-se a aderir às sanções contra a Rússia. Nenhum país de África, nem da Ásia Ocidental e Central impôs sanções à Rússia e no leste da Ásia apenas Singapura e Japão o fizeram, com China e Índia a marcar a linha geral. Ainda mais significativamente, a Arábia Saudita está em negociações com a China para vender o seu petróleo em yuans. 25% do petróleo saudita vai para a China”.

O caráter imperialista da guerra

A guerra na Ucrânia, como já explicamos em vários materiais, encontra-se em gestação há muito tempo.

Apesar das promessas feitas a Mikhail Gorbachev de que a Aliança Atlântica não se expandiria para leste, a NATO expandiu-se entre 1999 e 2009 para incluir Hungria, Polónia, República Checa, Eslováquia, Bulgária, Eslovénia, Estónia, Letónia, Lituânia, Roménia, Croácia e Albânia. Em grande parte destes países, bases militares estado-unidenses foram construídas e instalados mísseis, criando um cerco hostil contra a Rússia. Em 2008, a NATO aceitou o pedido de admissão da Geórgia e da Ucrânia, que tinham feito parte da URSS durante setenta anos.

Após a desintegração do stalinismo e o desmembramento da União Soviética, a economia russa entrou em colapso e o regime de Boris Yeltsin tornou-se um lacaio obediente de Washington, incapaz de desempenhar qualquer papel significativo a nível internacional. A intervenção do imperialismo estado-unidense e alemão na Jugoslávia, precipitando uma guerra sangrenta, correu paralelamente à tenaz com a qual a NATO cercou a Rússia. Inclusive, os estrategas ocidentais chegaram a brincar com a ideia de integrá-la na Aliança Atlântica e fizeram diferentes manobras nesse sentido. Mas a ideia de transformar a Rússia em vassalo dos Estados Unidos esbarrava em obstáculos objetivos.

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A guerra na Ucrânia encontra-se em gestação há muito tempo. A NATO expandiu-se entre 1999 e 2009 para incluir Hungria, Polónia, República Checa, Eslováquia, Bulgária, Eslovénia, Estónia, Letónia, Lituânia, Roménia, Croácia e Albânia.

Putin foi rompendo os laços com o Ocidente. O herdeiro de Boris Yeltsin fortaleceu o seu regime bonapartista disciplinando uma oligarquia mafiosa, reforçando o aparelho estatal e os seus instrumentos repressivos, pondo fim à guerra na Chechénia a sangue e fogo e recorrendo a uma linguagem ultranacionalista.

Depois de anos de retrocessos, o forte crescimento económico graças à procura internacional por matérias-primas e energia permitiu-lhe ganhar uma base social de apoio entre amplos sectores das camadas médias e da classe trabalhadora. O apoio cego do Partido Comunista da Federação Russa permitiu-lhe igualmente desfrutar de uma paz social prolongada.

Desde 2008, após a invasão da Geórgia para impedir a sua integração na NATO, o governo de Putin continuou a intervir com mais ou menos sucesso nas nações da antiga União Soviética ou com as quais mantinha relações de especial interesse estratégico, como a Síria. A sua aliança com a China fortaleceu-se significativamente a partir de 2014, e Moscovo tem atuado como subcontratada económica e militar de Pequim em países da África, Médio Oriente e América Latina.

Neste contexto, a determinação do imperialismo estado-unidense de expandir a NATO para a Ucrânia, que é o país chave e decisivo em toda a Europa de Leste, acabou por desencadear o conflito imperialista. Uma guerra preparada há anos onde o relevante é compreender os reais interesses em conflito, e não “quem atirou primeiro”.

Desmentindo a narrativa ocidental, ao longo de 2021 o governo de Zelensky e os seus patrocinadores estado-unidenses deram passos decisivos na escalada da guerra. No início daquele ano elaboraram uma nova doutrina de Segurança Nacional concordando com a incorporação da Ucrânia à NATO e que as tropas da Aliança poderiam realizar exercícios militares no seu território. Em agosto, os EUA e a NATO formaram a "Plataforma da Crimeia" para ajudar a recuperar a península, descrevendo-a como uma base militar russa que ameaçava a segurança ocidental. Ao longo deste tempo, o governo ucraniano aumentou o destacamento militar na frente do Donbass com entre 120.000 e 150.000 soldados.

O governo de Zelensky, repleto de elogios das potências ocidentais, é a continuação de um processo contra-revolucionário triunfante — o Euromaidan de 2014 —, no qual o imperialismo estado-unidense apoiou e financiou numerosos grupos de extrema-direita e neonazis que acabaram por se tornar a espinha dorsal do aparelho de Estado, o exército e a polícia ucranianas.

Recorrendo à tradição chauvinista do nacionalismo ucraniano mais reacionário, sucessivos governos desde 2014 glorificaram os colaboradores nazis durante a Segunda Guerra Mundial e encorajaram ataques sectários contra a população de língua russa no leste do país que deram lugar a um levantamento genuinamente revolucionário.

A revolta popular em Odessa, Kharkov, Mariupol e em muitas localidades do Donbass em 2014 não apenas ameaçou o poder dos reacionários de Kiev, mas também espalhou o pânico no Kremlin. A rápida intervenção do governo de Putin, para subjugar este movimento e esvaziá-lo de conteúdo socialista em favor da oligarquia local pró-russa, acabou por desequilibrar a balança e colocou sob a sua proteção as chamadas “repúblicas populares” de Donetsk e Lugansk.

Desde então, o conflito militar no Donbass causou 14.000 mortes (incluindo mais de 3.000 civis) e 1,4 milhões de pessoas deslocadas, com inúmeras atrocidades e violações de direitos humanos por parte do exército ucraniano. Todos estes antecedentes têm grande importância na configuração do conflito.

O atual Executivo implementou duros cortes e privatizações massivas, cumprindo fielmente as exigências do FMI10 , aprovou uma dura legislação anti-trabalhadores, baniu a esquerda ucraniana, além de criminalizar minorias étnicas como a comunidade cigana e a LGBTI.

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O governo de Zelensky é a continuação de um processo contra-revolucionário triunfante — o Euromaidan de 2014 —, no qual os EUA apoiou e financiou numerosos grupos de extrema-direita e neonazis que acabaram por se tornar a espinha dorsal do aparelho de Estado.

A ajuda prestada ao governo de Zelensky entre março e maio deste ano pelo imperialismo ocidental é inigualável: mais de 8.000 milhões dos EUA, 4.100 exclusivamente em ajuda militar, 2.900 milhões da UE e outros 2.000 milhões do Banco Europeu de Investimentos. Quase 15.000 milhões, o equivalente a 9% do PIB ucraniano em apenas três meses!, um valor amplamente ultrapassado entretanto.

O atual exército ucraniano, que começou como uma máquina composta por batalhões cheios de chauvinistas e neonazis, com a presença de mercenários estrangeiros de extrema-direita11, passou por mudanças derivadas da importante ajuda militar, treino e inteligência fornecidos pelos EUA e Grã-Bretanha. É mais profissional e conseguiu nestes meses assimilar tecnologia importante. Na prática, tem um Estado-Maior híbrido dirigido desde Washington12.

Pelas razões expostas acima, falar de uma guerra de "libertação nacional" na Ucrânia é um completo disparate. O exército de Zelensky é uma ferramenta do imperialismo estado-unidense, assim como o seu governo. Na verdade, se em algum momento se pôde caracterizar a Ucrânia como uma semi-colónia é agora, já que o grau de soberania nacional que possui em relação aos EUA é mínimo.

Nestes seis meses de guerra não houve grande mobilização popular contra a invasão russa. A população salva-se como pode: os sectores privilegiados da sociedade foram os primeiros a fugir, mas o êxodo tem sido na casa dos milhões. Apesar da censura informativa, a comunicação social ocidental reconheceu o aumento das medidas punitivas do governo Zelensky para impedir que homens em idade de combater fugissem do país.

Qualquer comparação com a Guerra Civil e a Revolução Espanhola de 1936-39, como levantaram o jornal El País e sectores da esquerda reformista e dita “trotskista” no Estado espanhol, é ridícula.

Os trabalhadores espanhóis não receberam nem armas, nem solidariedade, nem apoio dos governos dos EUA, Grã-Bretanha ou França, que, aplicando a política de não intervenção, forneceram a Franco petróleo, dinheiro e outros meios, e permitiram que Hitler e Mussolini enviassem grandes recursos militares e económicos a favor dos golpistas e fascistas espanhóis.

A política das potências imperialistas ocidentais "democráticas" não foi um erro "trágico", mas uma estratégia consciente para sabotar e esmagar um levantamento operário contra o fascismo baseado na coletivização da terra, no controlo operário das fábricas, no povo em armas... até formar um conjunto de organizações de duplo poder de tal profundidade que ameaçava diretamente os interesses capitalistas e preparava o triunfo do socialismo em solo espanhol. É claro que a política de Stalin contribuiu decisivamente para liquidar as conquistas revolucionárias da classe trabalhadora e acelerou a derrota militar do campo republicano.

Poderíamos dizer o mesmo a respeito de outras guerras revolucionárias e de libertação nacional, como na China, Cuba ou Vietname, nas quais o imperialismo teve que enfrentar uma formidável mobilização popular. Mas o que têm esses exemplos que ver com o que se passa hoje na Ucrânia?

A chamada "resistência ucraniana" e a suposta luta pela "libertação nacional" são elementos da propaganda de guerra da NATO e uma fórmula com a qual alguns se consolam para mascarar o seu apoio a um dos bandos imperialistas em disputa.

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Falar de uma guerra de "libertação nacional" na Ucrânia é um completo disparate. O exército de Zelensky é uma ferramenta do imperialismo estado-unidense, assim como o seu governo.

Por outro lado, os sectores da esquerda stalinista que tentam justificar a intervenção russa atribuindo-lhe um cariz progressista devido ao seu caráter anti-americano, encobrem os objetivos reacionários e imperialistas do regime de Putin.

No discurso que Putin fez à nação dois dias antes da intervenção militar, este não se cansou de denunciar Lenin e os bolcheviques pelo "crime" de terem colocado em prática o direito à autodeterminação e à independência da Ucrânia. As suas palavras foram um autêntico compêndio de chauvinismo e anticomunismo grã-russo.

Nenhum verdadeiro marxista internacionalista pode apoiar esta posição. E acrescentamos: o sentimento nacional ucraniano não é uma invenção; os direitos democrático-nacionais da Ucrânia foram esmagados ao longo da história por várias potências imperialistas — com destaque para o despotismo czarista — e pela burocracia stalinista, que reviveu o chauvinismo centralizador grã-russo, traindo a política de Lenin.

Nós, comunistas revolucionários, apoiamos incondicionalmente o direito do povo ucraniano de formar uma nação independente, livre da opressão dos blocos imperialistas e da ditadura da sua oligarquia capitalista. Lutamos, portanto, por uma Ucrânia independente e socialista.

É do conhecimento público que o Kremlin mantém estreitos laços com a extrema-direita europeia, compartilha o mesmo discurso homofóbico e as suas tropas também integram batalhões de voluntários de extrema-direita. Os argumentos que o regime apresentou sobre a "desnazificação" da Ucrânia são uma mentira propagandística e manipulam a memória histórica dos sectores da população que ainda retêm na sua consciência aquela que foi a luta heróica do Exército Vermelho contra as tropas de Hitler.

E o mesmo se pode dizer sobre a sua intenção de proteger a população do Donbass, um argumento "humanitário" por trás do qual se escondem os desejos expansionistas do grande capital russo de aproveitar os ricos recursos minerais e industriais da região.

Muitas das organizações que mantêm esta posição, mas não apenas elas, insistem em negar o caráter imperialista da Rússia capitalista de hoje. Esgrimem o argumento sobre o pequeno volume de capital financeiro que o país exporta, considerando que essa é a característica distintiva do imperialismo. Ou seja, têm uma visão unilateral e reducionista do que Lenin expôs no seu livro Imperialismo, fase superior do capitalismo.

Neste tipo de discussões, é importante ser concreto. A Rússia, além de ser uma superpotência militar, não é uma economia atrasada, mas sim um país capitalista desenvolvido onde os grandes monopólios dominam as relações de produção. Um capitalismo monopolista de Estado em que a elite empresarial — aqueles eufemisticamente chamados de “oligarcas” pela imprensa ocidental, como se não existissem nos EUA ou na Europa — alcançou a sua posição graças ao saque e à privatização da propriedade nacionalizada que existia sob a URSS.

Mas o desenvolvimento do capitalismo monopolista de Estado e da luta imperialista não pode ser reduzido a uma receita, inclui muitos elementos que estão sujeitos a constantes transformações:

“Sob o capitalismo não se concebe outro fundamento para a partilha das esferas de influência, dos interesses, das colónias, etc. além da força de quem participa na divisão, a força económica geral, financeira, militar, etc. E a força dos que participam na divisão não se modifica de forma idêntica, visto que sob o capitalismo é impossível o desenvolvimento igual das diferentes empresas, trusts, ramos industriais e países. Há meio século, a Alemanha era uma absoluta insignificância comparando a sua força capitalista com a da Inglaterra de então; o mesmo se pode dizer do Japão se o compararmos com a Rússia. Será “concebível” que dentro de dez ou vinte anos permaneça invariável a correlação de forças entre as potências imperialistas? É absolutamente inconcebível.13

Foi exatamente isto que aconteceu ao longo do século XX após as duas grandes guerras, com a consolidação do imperialismo estado-unidense e o derrube da Grã-Bretanha e da Alemanha. Um processo semelhante está a ocorrer hoje com a ascensão do imperialismo chinês e do seu aliado russo, especialmente após a Grande Recessão de 2008.

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Os sectores da esquerda stalinista que tentam justificar a intervenção russa atribuindo-lhe um cariz progressista devido ao seu caráter anti-americano, encobrem os objetivos reacionários e imperialistas do regime de Putin.

Tanto na natureza quanto nos processos sociais e económicos nunca existem fenómenos puros e estáticos. A correlação das forças interimperialistas e a luta de classes estão em constante mudança.

Existem elementos que diferenciam claramente a Rússia de qualquer economia dependente ou semicolonial. A Rússia não tem dívidas maciças com instituições imperialistas estrangeiras; no final de 2020 a sua dívida pública e as suas reservas de moeda estrangeira atingiam 18% do PIB e 596.000 milhões de dólares, respetivamente.

Os monopólios russos, onde o capital estatal está presente em quantidades significativas, como acontece na China, destacam-se pelo controlo do petróleo e da energia, e diversificaram os seus investimentos nos últimos anos, aumentando a presença nos países da Comunidade dos Estados Independente (CIS), Ásia e Europa.

Estes monopólios fornecem cerca de 40% do gás natural consumido pela UE e quase 12% do petróleo mundial. A Rússia também é o segundo maior detentor de reservas de carvão, com 175 mil milhões de toneladas; é produtor de matérias-primas essenciais como o aço, o cobre ou o alumínio a preços muito competitivos; de urânio enriquecido, necessário para as centrais nucleares francesas e até estado-unidenses, daí a sua exclusão das sanções; ou paládio e néon, vitais para a nova indústria dos automóveis elétricos. Cortar todas estas cadeias de abastecimento mergulharia a Europa numa grave crise industrial, reduzindo ainda mais o seu peso na economia mundial e dando à China e outros concorrentes uma vantagem maior.

Tudo isto explica por que a política e a situação económica da Rússia são tidas muito em consideração pelas potências mais importantes e por que o país eurasiático faz parte do G-20 e foi convidado em numerosas ocasiões para reuniões do G-7. A Rússia não é a principal potência na escala imperialista do mundo, mas o seu peso nas relações mundiais pode sequer ser comparado ao da Itália, mesmo que o seu PIB seja semelhante?

Esta é a resposta para todos aqueles que vêem no marxismo esquemas doutrinários em vez de um método vivo e dialético.

A dinâmica da guerra

Semanas após o início da invasão russa, uma parte dos líderes europeus, principalmente da Alemanha, França e Itália, e da NATO, como a Turquia, não mediu esforços para tentar chegar a uma trégua e conseguir um armistício. Mas as negociações de paz em Istambul, que apontavam para uma possibilidade de alcançá-lo, fracassaram. O ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia, Mevlüt Çavuşoğlu, apontou os responsáveis: “Depois da reunião dos ministros dis Negócios Estrangeiros da NATO, tive a impressão de que (...) há pessoas dentro dos estados membros da NATO que querem que a guerra continue e que a Rússia enfraqueça".

Assim é. O governo dos EUA quer que a guerra se eternize para a Rússia, custe o que custar. O imperialismo estado-unidense não pode consentir a vitória de Putin porque isso implicaria uma severa derrota na luta global contra a China. Levando os seus aliados europeus ao limite, usando a NATO para pressionar pelo rearmamento geral, contando com os países bálticos, a Polónia e a burocracia da UE, fornecendo uma enxurrada de milhares de milhões de dólares em ajuda económica e militar ao governo de Zelensky… Washington tenta por todos os meios mudar a dinâmica da guerra.

Num artigo de 10 de setembro publicado no site estado-unidense The Intercept, intitulado "U.S. military aid to Ukraine grows to historic proportions — along with risks", são fornecidas informações sobre o esforço de guerra dos EUA:

“O governo dos EUA forneceu mais dinheiro e armas para apoiar o exército ucraniano do que enviou em 2020 para o Afeganistão, Israel e Egito juntos, superando três dos maiores destinatários de ajuda militar dos EUA numa questão de meses.

Acompanhar os números é um desafio (…) Na quinta-feira, em visita surpresa a Kiev, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, anunciou um novo pacote de equipamento militar no valor de 675 milhões de dólares, bem como um investimento a 'longo prazo' de 2,2 mil milhões de dólares para fortalecer a segurança da Ucrânia e de 17 dos seus países vizinhos. Semanas antes, o presidente Joe Biden revelou um pacote de ajuda de 3 mil milhões, o maior até agora, escolhendo simbolicamente o Dia da Independência da Ucrânia para o anúncio. A administração estado-unidense observou nessa ocasião que a assistência militar total comprometida com a Ucrânia este ano atingira os 12,9 mil milhões de dólares, mais 15,5 mil milhões de dólares desde 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia. E neste mês de setembro, Biden também pediu ao Congresso que autorizasse 13,7 mil milhões adicionais para a Ucrânia, incluindo dinheiro para equipamentos e inteligência.

Porque a ajuda tem várias origens, e porque nem sempre é fácil distinguir entre ajuda autorizada, prometida ou entregue, alguns analistas estimam que o número real do compromisso dos EUA com a Ucrânia é muito maior: até 40.000 milhões em serviços de segurança, ou 110 milhões por dia (…)

Antes de os talibãs recuperarem o controlo do Afeganistão no ano passado, duas décadas depois de terem sido depostos do poder, o governo dos EUA gastou cerca de 73 mil milhões em ajuda militar ao Afeganistão, além de outros milhares de milhões na reconstrução do país e dos 837 mil milhões que gastou diretamente na guerra. Israel tem sido o maior receptor cumulativo de assistência externa dos EUA desde a Segunda Guerra Mundial: 146 mil milhões em assistência militar e financiamento de defesa antimísseis.

Mas há poucos precedentes para o ritmo vertiginoso e a escala dos gastos dos EUA na Ucrânia. "É mais do que o pico pago ao Afeganistão e muitas vezes mais do que ajuda a Israel", disse ao The Intercept William Hartung, diretor do programa de armas e segurança do Centro de Política Internacional".

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O governo dos EUA quer que a guerra dure para sempre para a Rússia, custe o que custar.

A conquista de mais de 3.000 kilómetros quadrados na área de Kharkov às tropas russas, na semana de 5 a 11 de setembro, foi saudada com alegria pela comunicação social ocidental. O exército ucraniano recuperou cidades e nós de comunicação ferroviária que permitiam abastecer as unidades russas que estão a combater no Donbass. O exército russo optou por não dar batalha para impedir a ofensiva, mas a sua retirada foi precipitada e desorganizada, deixando para trás material de guerra significativo.

Isto é o que Scott Ritter, um ex-oficial de inteligência do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA que serviu na antiga União Soviética, no Golfo Pérsico durante a Operação Tempestade no Deserto e no Iraque, escreve a propósito do tema:

“Enquanto que a Rússia estava ocupada a destruir o exército ucraniano no campo de batalha [no Donbass], a Ucrânia estava ocupada a reconstituir esse exército, substituindo as unidades destruídas por novas forças que estavam extremamente bem equipadas, bem treinadas e bem lideradas (…) A composição da força foi determinada pela NATO, assim como o momento e a direção dos ataques. A inteligência da NATO localizou cuidadosamente as costuras nas defesas russas e identificou nós críticos de comando e controlo, logística e de reserva que foram alvos da artilharia ucraniana, que opera sob um plano de fogo criado pela NATO. Em suma, o exército ucraniano que a Rússia enfrentou em Kherson e em torno de Kharkov era diferente de qualquer oponente ucraniano que tivesse enfrentado antes. A Rússia já não combatia contra um exército ucraniano equipado pela NATO, mas contra um exército da NATO tripulado por ucranianos”.

O mesmo autor conclui o seu artigo com uma previsão:

“A bem-sucedida contra-ofensiva ucraniana deve ser colocada numa perspectiva adequada. As baixas que a Ucrânia sofreu e continua a sofrer para alcançar esta vitória são insustentáveis. A Ucrânia esgotou as suas reservas estratégicas e terá que reconstituí-las se quiser ter alguma aspiração de continuar a avançar nesta linha. Isto levará meses. A Rússia, por sua vez, não perdeu nada além de espaço indefensável. As baixas russas foram mínimas e as perdas de equipamentos foram facilmente substituídas.

De facto, a Rússia fortaleceu a sua postura militar criando fortes linhas defensivas no norte capazes de resistir a qualquer ataque ucraniano, enquanto aumentava o poder de combate disponível para completar a tarefa de libertar o resto da República Popular de Donetsk sob controlo ucraniano. A Rússia tem muito mais profundidade estratégica do que a Ucrânia. A Rússia está a começar a atacar alvos críticos de infraestrutura, como as centrais elétricas, que não apenas paralisarão a economia ucraniana, mas também a sua capacidade de transportar um grande número de tropas rapidamente por comboio.

A Rússia aprenderá com as lições que a derrota de Kharkov lhe ensinou e continuará com os objetivos declarados da sua missão”.

Na guerra, que é a extensão da política por outros meios, os aspectos derivados do material militar não são a única influência. Outros fatores são tão ou mais decisivos: os interesses de classe associados, a moral das tropas e da população envolvida, o nível de corrupção e saque dos recursos investidos14, a situação geral da economia de cada adversário, as alianças internacionais, o descontentamento e a pressão da luta de classes.

A liderança militar da Rússia está sobrecarregada pelo tipo de Estado capitalista, especialmente degenerado e corrupto, que tem vindo a tomar forma após o colapso da URSS (este também é o caso da Ucrânia). O caráter bonapartista do regime russo abre as portas para a ascensão de todo tipo de carreiristas, aventureiros e gangsters sem escrúpulos, mas seria um erro grave tentar explicar a guerra como uma decisão improvisada e não por causas objetivas e contradições que não se puderam resolver através da diplomacia.

É ridículo considerar que Putin se lançou à ocupação por pressão de conselheiros enlouquecidos. Putin está a defender os interesses do imperialismo russo, respondendo à atitude hostil da NATO e do imperialismo ocidental, e nunca teria invadido a Ucrânia sem a aprovação de Pequim.

Obviamente a dinâmica do conflito está ela própria a gerar novas contradições, e cada vez de maior envergadura. Os EUA estão dispostos a chegar a um ponto limite que lhes permitam reaparecer como o ator mais relevante nas relações mundiais. Não necessitam apenas de recuperar a credibilidade perdida, mas também fazer tudo o que puderem para conter os seus adversários e mostrar aos seus aliados que continuam a ser um poder fundamental. É por isso que é Washington que decide a estratégia do exército ucraniano.

A aposta dos EUA apresenta grandes riscos. Querem uma longa guerra que force Putin a se retirar da Ucrânia, o que significaria uma derrota humilhante ou ganhos territoriais mínimos. Mas quanto mais a luta se prolongar, mais provável será que a crise económica piore e que o descontentamento popular e a luta de classes contra os governos da UE e dos EUA cresçam.

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A liderança militar da Rússia está sobrecarregada pelo tipo de Estado capitalista, especialmente degenerado e corrupto, que tem vindo a tomar forma após o colapso da URSS.

Desde que a invasão russa começou em fevereiro, a NATO fortaleceu-se inegavelmente, multiplicando a sua presença militar no velho continente15 e pode estender-se a países que fazem fronteira com a Rússia, como a Suécia e a Finlândia. Mas o que é facto é que a propaganda ocidental não conseguiu despertar uma mobilização massiva dos trabalhadores da Europa e dos EUA a favor do regime de Zelensky. Todas as sondagens sublinham a enorme desconfiança da população europeia e estado-unidense em relação a esta guerra imperialista.

A estratégia de Biden também está a colecionar críticas e divisões na classe dominante dos EUA. Um editorial do The New York Times publicado em 19 de maio alertava para as consequências da política da Casa Branca:

“Há muitas perguntas que o presidente Biden ainda precisa de responder ao público estado-unidense sobre o envolvimento contínuo dos Estados Unidos neste conflito (…) A Ucrânia merece apoio contra a agressão não provocada da Rússia, e os Estados Unidos devem liderar os seus aliados da NATO para demonstrar a Vladimir Putin que a Aliança Atlântica está disposta e é capaz de resistir às suas ambições vingativas. Esse objetivo não pode mudar, mas, no final, não é do interesse dos Estados Unidos mergulhar numa guerra total com a Rússia, mesmo que uma paz negociada possa exigir que a Ucrânia tome algumas decisões difíceis. E os objetivos e a estratégia dos Estados Unidos nesta guerra tornaram-se mais difíceis de discernir, pois os parâmetros da missão parecem ter mudado.

Os Estados Unidos, por exemplo, estão a ajudar a acabar com este conflito por meio de um acordo que permitiria uma Ucrânia soberana e algum tipo de relacionamento entre os Estados Unidos e a Rússia? Ou agora os EUA tentam enfraquecer permanentemente a Rússia? (…) Os estado-unidenses foram galvanizados pelo sofrimento da Ucrânia, mas o apoio popular a uma guerra longe das costas dos EUA não continuará indefinidamente. A inflação é um problema muito maior para os eleitores estado-unidenses do que a Ucrânia, e é provável que as interrupções nos mercados globais de alimentos e energia se intensifiquem.

Uma vitória militar decisiva da Ucrânia sobre a Rússia, na qual a Ucrânia recupere todo o território que a Rússia ocupou desde 2014, não é uma meta realista. Embora o planeamento e a luta da Rússia tenham sido surpreendentemente descuidados, a Rússia continua demasiado forte e Putin investiu muito prestígio pessoal na invasão para recuar.

Os Estados Unidos e a NATO já estão profundamente envolvidos, militar e economicamente. Expectativas irreais podem arrastá-los ainda mais para uma guerra cara e prolongada. A Rússia, por mais maltratada e inepta que seja, ainda é capaz de infligir uma destruição incalculável à Ucrânia e continua a ser uma superpotência nuclear (...)

Mas à medida que a guerra continua, o Sr. Biden também deve deixar claro ao presidente Volodymyr Zelensky e ao seu povo que há um limite para o quão longe irão os Estados Unidos e a NATO na confrontação com a Rússia, além de limites para as armas, dinheiro e apoio político que oferecem. É imperativo que as decisões do governo ucraniano sejam baseadas numa avaliação realista dos seus meios e de quanta mais destruição a Ucrânia pode suportar. Confrontar esta realidade pode ser doloroso, mas não é apaziguamento. É isso que os governos têm o dever de fazer, não buscar uma 'vitória' ilusória”.

Perspectivas

As perspectivas estão a complicar-se para a Rússia, embora seja altamente imprudente pensar que Putin não pode responder com enorme contundência. Possui reservas económicas e grande apoio interno para o fazer.

A superioridade militar da Rússia é clara. No entanto, o Estado-Maior e o Governo lançaram uma ofensiva errática no início da invasão, especulando com a conquista de Kiev. Também pensaram em montar um governo títere que propiciasse um armistício rápido. Não valorizaram adequadamente o armamento e treino do exército de Zelenski pelo imperialismo estado-unidense e, sobretudo, não tiveram em conta o sentimento nacional ucraniano, que é uma realidade política de primeira ordem.

A população ucraniana, especialmente no oeste e centro do país, não acolheu os soldados russos como salvadores. Como disse Robespierre, missionários armados não costumam ser bem-vindos.

Após seis meses, as tropas russas sofreram milhares de baixas (podem ultrapassar as 15.000 segundo as fontes mais confiáveis) e colocou-se em evidência não apenas as suas forças, mas também as suas fraquezas. A guerra é a equação mais difícil de manobrar, e o exército russo está a comprová-lo com a sua própria carne.

Atualmente, a propaganda patriótica tem um apoio maioritário entre a população. Todas as sondagens publicadas mostram que a popularidade de Putin está próxima dos 80%, um recorde em tempos de guerra. Mas, apesar dos efeitos limitados das sanções, um esforço militar prolongado pressiona a economia russa, que sem dúvida será pago pela classe trabalhadora com novos cortes e retrocessos nas suas condições de vida.

Os reveses militares geraram inquietação e críticas. Após a derrota em Kharkov, as exigências por uma mobilização geral do lado pró-Putin aumentaram bastante.

Na Duma, o líder do Partido Comunista da Federação Russa, Gennady Zyuganov, declarou na terça-feira, 13 de setembro: “É uma guerra, não uma operação especial. É necessária uma mobilização geral (…) A guerra e a operação especial têm raízes diferentes. Pode-se parar a operação especial, mas não se pode parar a guerra mesmo que se queira. Esta tem dois resultados: vitória ou derrota. Vencer no Donbass é a questão da nossa sobrevivência histórica. Todos neste país deveriam avaliar de forma realista o que está a acontecer”16.

Os stalinistas russos tornaram-se os porta-vozes mais convictos do seu imperialismo nacional, embora uma coisa seja falar a partir de Moscovo e São Petersburgo, e outra bem diferente é ativar uma mobilização forçada que afete diretamente a população das grandes cidades e não as tropas de lugares mais remotos, como acontece hoje.

É evidente que Putin, o seu governo e comandantes militares estão a avaliar as consequências de uma medida que terá implicações políticas a longo prazo. Mas finalmente não tiveram outro remédio que dar um passo em frente e chamar a uma mobilização parcial de 300.000 reservistas, endurecendo as penas contra desertores.

No seu discurso à nação de 21 de setembro, Putin deixou claro que esta guerra é existencial para o seu regime:

“ (…) O propósito do Ocidente é enfraquecer, dividir e finalmente destruir o nosso país. Já o afirmam diretamente que em 1991 foram capazes de dividir a União Soviética, e agora chegou a hora de que a própria Rússia se desintegre em muitas regiões e regiões mortalmente hostis.

E há muito tempo que já vêm a desenhar este plano. Encorajaram grupos terroristas internacionais no Cáucaso, promoveram a infraestrutura ofensiva da NATO perto de nossas fronteiras. Fizeram da russofobia total a sua arma, inclusive durante décadas cultivaram deliberadamente o ódio à Rússia, principalmente na Ucrânia, para a qual destinaram como ponto de apoio anti-russo, e o próprio povo ucraniano foi transformado em carne para canhão e empurrado para a guerra contra o nosso país, desencadeando-a em 2014, utilizando as forças armadas contra a população civil, organizando o genocídio, bloqueio, terror contra pessoas que se recusaram a reconhecer o poder que surgiu na Ucrânia como resultado do golpe de Estado (...)

Já após o início da operação militar especial, incluindo as conversações em Istambul, os representantes de Kiev reagiram muito positivamente às nossas propostas, e estas propostas diziam respeito principalmente à garantia da segurança da Rússia e dos nossos interesses. Mas é óbvio que a solução pacífica não agradou ao Ocidente, portanto, depois de certos compromissos terem sido alcançados, Kiev recebeu uma ordem direta para interromper todos os acordos.

A Ucrânia começou a insuflar-se ainda mais com armas. O regime de Kiev lançou novos bandos de mercenários e nacionalistas estrangeiros, unidades militares treinadas de acordo com os padrões da NATO e sob o comando de facto de conselheiros ocidentais (...)

Queridos amigos!

Hoje, as nossas Forças Armadas, como já disse, estão a operar na linha da frente que ultrapassa os mil kilómetros, enfrentam não apenas formações neonazis, mas toda a maquinaria militar coletiva do Ocidente.

Perante esta situação, considero necessário tomar a seguinte decisão, totalmente adequada às ameaças que enfrentamos, nomeadamente: proteger a nossa Pátria, a sua soberania e integridade territorial, garantir a segurança do nosso povo e dos povos nos territórios libertados. Considero necessário apoiar a proposta do Ministério da Defesa e do Estado-Maior General de realizar mobilizações parciais na Federação Russa.

Repito, estamos a falar especificamente de mobilização parcial, ou seja, apenas os cidadãos que estão atualmente na reserva estarão sujeitos ao recrutamento, e principalmente aqueles que serviram nas Forças Armadas, que possuam certas especialidades militares e experiência relevante (...)

Queridos amigos!

Na sua agressiva política anti-russa, o Ocidente ultrapassou todos os limites. Constantemente ouvimos ameaças contra o nosso país e o nosso povo. Alguns políticos irresponsáveis do Ocidente não falam apenas de planos para organizar o fornecimento de armas ofensivas de longo alcance à Ucrânia, sistemas que permitirão ataques contra a Crimeia e outras regiões da Rússia.

Tais ataques terroristas, inclusive com o uso de armas ocidentais, já se realizam nos postos fronteiriços das regiões de Belgorod e Kursk. Em tempo real, utilizando sistemas modernos, aeronaves, navios, satélites, drones estratégicos, a NATO realiza reconhecimento em todo o sul da Rússia.

Em Washington, Londres, Bruxelas, estão a pressionar diretamente Kiev para que transfira as operações militares para o nosso território. Sem se esconder, dizem que a Rússia deve ser derrotada por todos os meios no campo de batalha, seguida da privação de toda soberania política, económica, cultural, em geral, com o saque total do nosso país.

A chantagem nuclear também foi lançada. Estamos a falar não só do bombardeamento da central nuclear de Zaporizhzhya, encorajado pelo Ocidente, que pode levar a uma catástrofe nuclear, mas também das declarações de alguns representantes de alto escalão dos principais Estados da NATO sobre a possibilidade e admissibilidade de usar armas de destruição em massa contra a Rússia: armas nucleares.

Aos que se permitem fazer tais declarações sobre a Rússia, gostaria de lhes lembrar que o nosso país também possui vários meios de destruição, e com alguns componentes mais modernos do que os países da NATO. E se a integridade territorial do nosso país estiver ameaçada, utilizaremos todos os meios à nossa disposição para proteger a Rússia e o nosso povo. Isto não é bluff.

Os cidadãos da Rússia podem ter a certeza de que a integridade territorial da nossa Pátria, a nossa independência e liberdade serão asseguradas, volto a frisar, com todos os meios à nossa disposição. E aqueles que tentam chantagear-nos com armas nucleares devem saber que o vento também pode virar na sua direção.

Faz parte da nossa tradição histórica, do destino do nosso povo, deter aqueles que lutam pela dominação do mundo, que ameaçam o desmembramento e a escravização da nossa Pátria. Assim o faremos agora, e assim será.”

A mobilização de tropas e armas tornou-se inevitável, considerando que a NATO dirige eficazmente o exército ucraniano. O governo e o Estado-Maior russos foram obrigados a clarificar os seus objetivos para fortalecer as conquistas no Donbass, cerca de 20% do território ucraniano, onde o apoio da população à invasão é substancialmente maior; de facto, as milícias de Luhansk e Donetsk participam ativamente como vanguarda nos combates.

Para reforçar a sua posição, o Kremlin anunciou a realização de referendos de 23 a 27 de setembro em Kherson, nos territórios das províncias de Mikolaiv e Zaporizhzhya que controla, e nas repúblicas de Luhansk e Donetsk. Há poucas dúvidas de que os resultados serão favoráveis à anexação à Rússia. Mas a tarefa não terminará neste ponto. Estas zonas têm de ser efetivamente defendidas contra incursões do exército ucraniano e reconstruídas economicamente. E é isso que o imperialismo estado-unidense quer evitar a todo custo. Além disso, se eles se juntarem à Rússia, Washington e Zelensky enfrentarão outro cenário. Embora não reconheçam o seu novo estatuto, o Kremlin já alertou que qualquer ataque à "soberania e integridade territorial" da Rússia será respondido com contundência.

Uma coisa é clara: Putin não pode aceitar a derrota. E a China também não. A dinâmica explosiva do conflito não irá diminuir no curto prazo, muito pelo contrário. A extensão da guerra ao território russo, que é uma das apostas dos chauvinistas ucranianos no comando do exército, poderia desencadear uma resposta brutal do Kremlin. As perspectivas estão completamente abertas.

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Os stalinistas russos tornaram-se os porta-vozes mais convictos do seu imperialismo nacional.

As consequências de seis meses de luta são devastadoras para a Ucrânia. Dezenas de milhares de mortos, mais de quatro milhões de refugiados fora das suas fronteiras, oito milhões de deslocados internos, inúmeras cidades e infraestruturas destruídas, uma queda de mais de 50% do PIB. Os imperialistas estado-unidenses, e o seu fantoche Zelensky, não se importam minimamente com esta hecatombe.

O FMI estima que o governo ucraniano precisa de 4.600 milhões de dólares por mês para se sustentar. O apoio que Zelensky está a receber do Ocidente, como aconteceu no Afeganistão, está a encher os bolsos de uma rede de intermediários, mercenários, mafiosos e traficantes de armas a uma escala considerável, enquanto a população sofre um pesadelo agoniante, que continuará nos difíceis anos de reconstrução após o fim da guerra.

Zelensky está conscientemente a preparar o terreno adotando um conjunto de leis contra a classe trabalhadora. Já retirou aos sindicatos a capacidade de representar os trabalhadores nas empresas estatais e privadas, introduzindo a fórmula legal de “suspensão do emprego” (o que significa que os trabalhadores não são formalmente despedidos, mas os seus trabalhos e salários são suspensos), e deu aos capitalistas o direito de despedir unilateralmente com indemnizações ridículas e de suspender acordos coletivos. Obviamente, esta legislação será alargada e reforçada no futuro.

A invasão russa espalhou um profundo ressentimento nacional entre a população ucraniana, e será muito difícil dissipá-lo. Mas este fato inegável não significa que o cansaço com a destruição, com a morte de milhares de inocentes, com a escassez e a privação não esteja a crescer, e que entre milhões de ucranianos o sentimento de que a guerra deve parar já está a espalhar-se. Muitos estão cientes de que Zelensky e a sua camarilha encheram os bolsos e mantêm a sua fortuna segura em paraísos fiscais e em bancos dos EUA e do Reino Unido.

Este estado de espírito não é propício aos objetivos dos imperialistas ocidentais. As fissuras no bloco dirigente ucraniano tornaram-se evidentes com a demissão de altos serviços secretos ucranianos ou a execução de um dos negociadores ucranianos que defendiam um armistício17.

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Zelensky está conscientemente a preparar o terreno adotando um conjunto de leis contra a classe trabalhadora. Esta legislação será alargada e reforçada no futuro.

Uma alternativa comunista e internacionalista contra a guerra imperialista e a crise capitalista

Depois de anos horríveis a sofrer com uma pandemia que matou milhões de pessoas, com o crescimento imparável da desigualdade e do empobrecimento, das fomes brilhantemente organizadas pelas grandes potências económicas18, os efeitos da guerra imperialista empurram a luta de classes para um ciclo de maior radicalização, dureza e violência.

O avanço da extrema-direita e das tendências autoritárias dentro do Estado capitalista é um bom exemplo disso (as eleições na Suécia e em Itália foram o caso mais recente). Os sistemas de dominação "pacíficos", apoiados por uma fachada institucional de democracia parlamentar, estão erodidos. A viragem reacionária das camadas intermédias aprofundou-se. É um fenómeno global que tem as suas raízes na decomposição do capitalismo.

Mas seria uma cegueira política completa não perceber as implicações revolucionárias que esta crise militar, política e económica está a colocar sobre a mesa. A classe trabalhadora não vai aceitar resignadamente pagar um preço tão alto quanto aquele que a classe dominante está a exigir. A espiral inflacionária propicia levantamentos revolucionários (Sri Lanka), movimentos grevistas inéditos em muitas décadas (Grã-Bretanha) e trazendo mudanças eleitorais que prevêem grandes convulsões (Chile, Equador, Colômbia...). É altamente provável que eventos semelhantes se reproduzam em muitos outros países.

A guerra imperialista na Ucrânia também trouxe à tona a traição histórica da social-democracia. Posicionando-se como fiel vassalo do imperialismo e militarismo da NATO, propagou todas as mentiras elaboradas em Washington e Bruxelas, aceitando cada uma das suas decisões estratégicas.

Nesta capitulação, a social-democracia tradicional não esteve sozinha. A nova esquerda reformista (Sanders, Corbyn, Unidas Podemos, Syriza, Die Linke, Bloco de Esquerda,...) tem oscilado entre situar-se debaixo da asa dos seus governos capitalistas ou assinar manifestos patéticos nos quais apela à diplomacia dos mesmos imperialistas responsáveis pela carniçaria. Todos eles, com os seus slogans vazios sobre a paz, o desarmamento, a "proibição das guerras"... levantam poeira sobre a experiência histórica e amnistiam os responsáveis pelas maiores atrocidades que a humanidade sofreu.

Estes líderes e as suas organizações têm promovido a luta contra a guerra, contra os planos de ajuste e os novos cortes sociais que são aprovados sob o guarda-chuva da “unidade nacional” e da “paz social”. A sua impotência para oferecer uma alternativa em benefício da classe trabalhadora ucraniana, russa e mundial é gritante.

Pelo contrário, nós marxistas levantamos a bandeira do socialismo internacionalista e intervimos nesta batalha para que a consciência dos oprimidos e a sua organização revolucionária avance.

Condenamos a invasão russa da Ucrânia e exigimos a retirada das suas tropas, mas não mantemos nenhuma equidistância abstrata nem fazemos o jogo da propaganda atlantista. As invasões e guerras contra-revolucionárias desencadeadas pelo imperialismo ocidental trouxeram uma destruição sem paralelo na história. A NATO com as suas provocações e a sua recusa em negociar com a Rússia a proposta de desmilitarização da Ucrânia é responsável por precipitar a crise até ao momento atual.

Numa guerra reacionária de ambos os lados como esta, em que se joga com a infame ideia de recorrer às armas nucleares, e cuja dinâmica pode escalar ainda mais, implicando uma extensão dos combates a outros países, a primeira obrigação dos trabalhadores com consciência de classe e da juventude é negar qualquer tipo de apoio à nossa própria burguesia nacional e lutar contra o chauvinismo capitalista com o programa do internacionalismo: Proletários de todos os países uni-vos contra a guerra imperialista! Fora com as tropas de Putin, fora com a NATO da Ucrânia! Pela dissolução da Aliança Atlântica, abaixo os planos de rearmamento do militarismo internacional! Nem um soldado, nem uma bala, nem um euro para esta guerra!

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Nós marxistas levantamos a bandeira do socialismo internacionalista e intervimos nesta batalha para que a consciência dos oprimidos e a sua organização revolucionária avance.

Nós, comunistas internacionalistas, seguindo o exemplo de Lenin, defendemos o direito da Ucrânia à autodeterminação e à independência, mas não cultivamos falsas ilusões. Somente sob o impulso da ação revolucionária da sua classe trabalhadora, quebrando todo tipo de subordinação a qualquer um dos blocos imperialistas, derrubando os governos capitalistas que levaram a esta situação, destruindo um Estado cheio de neonazis e fascistas, a Ucrânia poderá alcançar o estatuto real de uma nação independente e manter relações fraternas com o povo russo.

Se a princípio as mobilizações anti-guerra puderam ser facilmente reprimidas pelo aparelho estatal russo, isso poderá tornar-se muito mais difícil nos próximos meses. A classe trabalhadora russa é chamada a ajustar contas com o seu governo imperialista e chauvinista. Não tem nada a ganhar nesta guerra e não poderá ser livre sustentando a opressão de outros povos como o ucraniano. Essa é a grande lição que trouxe a Revolução de Outubro de 1917. A matança nas trincheiras é em benefício dos exploradores, dos ladrões e dos bandidos imperialistas de ambos os lados. E isso só se pode parar se os trabalhadores russos marcharem contra os capitalistas da sua própria nação.

A guerra imperialista pretende introduzir a divisão entre os trabalhadores do mundo, enquanto a burguesia de cada país intensifica a guerra de classes interna. Portanto, se queremos uma paz justa sem anexações e sem os encargos económicos que os imperialistas imporão aos trabalhadores da Ucrânia, da Rússia e internacionalmente, deve afirmar-se claramente que a única maneira é aumentar a organização revolucionária dos trabalhadores para derrubar os governos capitalistas e destruir o seu Estado.

O capitalismo criou uma divisão internacional do trabalho e um mercado mundial do qual nenhuma economia nacional pode ser excluída. A autarcia e o nacionalismo económico constituem um sonho reacionário, como foi comprovado nos anos trinta do século passado, e por trás deles esconde-se o mais agressivo dos imperialismos. A impossibilidade de romper com uma economia capitalista globalizada e interligada alimenta ao máximo o conflito entre as potências.

Referindo-se à grave crise do capitalismo nos anos trinta do século XX, Trotsky escreveu: “A crise atual, na qual todas as crises capitalistas passadas estão sintetizadas, é sobretudo a crise da economia nacional”19. Ontem como hoje, a crise da economia nacional resolve-se no mercado mundial através de uma luta até à morte, pela força, económica e militar. É por isso que a guerra é “uma etapa inevitável do capitalismo, uma forma tão legítima do modo de vida capitalista quanto a paz” 20.

Assim aconteceu em 1914 e em 1939. E é exatamente o mesmo que está a acontecer na Ucrânia. Não é possível um desenvolvimento harmonioso, pacífico e progressista do capitalismo imperialista, ao qual tanto apelam os dirigentes reformistas.

Parafraseando Trotsky, os maiores responsáveis da política mundial parecem crianças correndo pela encosta de um vulcão antes de uma erupção. A recessão poderá tornar-se realidade ainda este ano, mas as grandes potências capitalistas, mais divididas do que nunca, não calcularam bem os efeitos que esta terá na consciência das massas. Anos de privação e empobrecimento geraram uma raiva coletiva que continua a crescer.

A produção capitalista envolve milhares de milhões de trabalhadores que criam um valor enorme através da venda da sua força de trabalho, mas cujo fruto enriquece uma minoria de multimilionários que detêm a propriedade dos grandes meios de produção e fazem parte dos conselhos de administração das multinacionais, bancos e fundos financeiros. Este punhado de parasitas exerce a sua ditadura política apesar de não terem sido eleitos por ninguém.

As forças produtivas mundiais e a enorme tecnologia desenvolvida nestas décadas necessitam de um novo sistema social que as organize e planifique de forma harmoniosa e respeitadora do meio ambiente. Somente a nacionalização dos meios de produção, da banca e do sistema financeiro sob o controlo democrático da classe trabalhadora pode resolver a barbárie, inclusive o colapso ambiental que se desenha à frente dos nossos olhos.

Encaminhamo-nos para um choque crucial entre as classes. A experiência dos últimos anos não foi em vão e os duros acontecimentos que estamos a viver lançarão as bases para que sectores da vanguarda primeiro, e depois as amplas massas da nossa classe, tirem as conclusões necessárias para construir o partido revolucionário. Só assim podemos coroar de êxito a tarefa de expropriar os expropriadores e conquistar o socialismo.


Notas:

1. Em vários materiais analisamos detalhadamente as características deste auge:

A luta de classes na época da decadência imperialista
A invasão russa da Ucrânia e a luta imperialista pela hegemonia mundial
Segundo mês de guerra na Ucrânia. Será a classe trabalhadora a pagar as duras consequências

2. “Durante os dois primeiros anos da pandemia de COVID-19, a maioria dos governos não estava preparada, foi demasiado lenta a responder à crise e deu pouca atenção aos mais vulneráveis, uma soma de falhanços que no total custou um excesso de mortes, muitas evitáveis.”

Estas são as conclusões do último relatório da The Lancet Commission, elaborado por 28 especialistas mundiais em políticas públicas, governação, epidemiologia, vacinação, economia, finanças internacionais, sustentabilidade e saúde mental. Este documento conclui que todas essas falhas globais e generalizadas custaram 17,1 milhões de mortes.

3. Ou seja, 10,28 óbitos por milhão de habitantes na China, enquanto nos EUA a taxa sobe para 3.002,87, na Grã-Bretanha para 2.638,70, na Alemanha 1.641,91 e 2.211,61 no Estado espanhol.

4. A China é atualmente credora de mais de cinco biliões de dólares, valor equivalente a 6% do PIB mundial. A parcela correspondente ao gigante asiático sobre a dívida dos países do G-20 detida por outras nações aumentou de 45% em 2013 para 63% no final de 2019.

5. Informe do Credit Suisse citado no Informe Anual 2021 do Observatório de Política chinesa, em politica-china.org Informe anual 2021.

6. Os repetidos apelos dos EUA à OPEP para aumentar a sua produção de petróleo de forma a reduzir os preços, face a uma espiral inflacionista que afeta especialmente os EUA e a Europa, têm sido repetidamente ignorados, mantendo-se os acordos entre a OPEP e a Rússia em vigor para garantir os altos preços do petróleo.

7. “As principais petrolíferas europeias obtiveram um lucro de 53.607 milhões de euros nos primeiros seis meses do ano, mais 79% do que em igual período do ano anterior. Isto em termos agregados, porque no caso individual de cada uma delas, a maioria praticamente triplicou os lucros do ano anterior, pelo que falamos de lucros recordes”.<

8. Enquanto isso, a China está a aproveitar os envios de gás natural liquefeito da Rússia com descontos de até 50%, redirecionando muito deste para empresas da Europa e Ásia a um preço mais caro.

9. Segundo Chen Aizhu e Florence Tan, jornalistas da Reuters, apesar de no início da invasão a China ter reduzido as suas importações de petróleo russo, numa tentativa de não aparecer abertamente como um aliado de Moscovo e evitar as sanções contra os seus gigantes energéticos, as suas compras têm aumentado. Analisando os dados de fretes e com as declarações do corretor do sector, estes mostram que no mês de maio as importações chinesas de petróleo russo somaram uma média de 1,1 milhão de barris por dia, quase um recorde e bem acima da média de 750 mil barris do primeiro trimestre do ano e da média de 800 mil barris por dia em 2021, segundo cálculos da empresa Vortexa Analytics.

10. Concretamente em 2016 foi aprovada a Lei para promover o processo de privatização, considerando inicialmente a privatização de mais de 800 das 3.700 empresas estatais existentes, e o Conselho de Privatização foi fundado para realizar este processo. Em 2018, uma nova lei, “Sobre a privatização da propriedade estatal e municipal”, foi aprovada para aprofundar esse processo. ( Análise: Privatisierung in der Ukraine: Hochsprung nach Jahren des Kriechens? ). Hay que anular la deuda externa de Ucrania

11. O ex-agente do FBI e especialista em segurança Ali Soufan estima que mais de 17.000 combatentes estrangeiros vieram para a Ucrânia nos últimos seis anos a partir de 50 países. Desde a invasão russa, milhares de mercenários estrangeiros também se juntaram às suas fileiras.

12. Recentemente La Vanguardia escrevia um artigo intitulado "Os Estados Unidos apontam e a Ucrânia atira", assinalando o envolvimento estado-unidense no naufrágio do navio militar Moskva e o The New York Times escrevia sobre o papel da inteligência americana na eliminação de generais do exército russo.

13. Lenin, O Imperialismo, fase superior do capitalismo. Edições Avante!, p.118

14. No mesmo artigo citado acima, observa-se a este respeito: “Em conflitos recentes, os EUA perderam o rasto de dezenas de milhares de espingardas e pistolas que compraram para as forças de segurança iraquianas, e dezenas de milhares de outros equipamentos perderam-se no Afeganistão, muitas vezes acabando nas mãos dos talibãs, que adoravam exibi-los (...) mesmo naqueles países onde é implementada a monitorização de uso final, os órgãos encarregados deste trabalho são cronicamente insuficientes. Isso fez soar o alarme sobre a quantidade de armas que inundaram a Ucrânia nos últimos meses, particularmente porque a Ucrânia tem sido historicamente um centro no comércio ilegal de armas, com armas contrabandeadas através da Ucrânia a terminar em conflitos do Afeganistão à África Ocidental”.

15. As tropas da NATO na Europa de Leste aumentaram de 4.000 para 40.000 soldados entre outubro de 2021 e março de 2022.

16. “As exigências de uma mobilização geral vêm agora até do próprio partido de Putin. 'Sem mobilização total, a criação de fundações militares, inclusive na economia, não alcançaremos os resultados adequados [na Ucrânia]. A sociedade deveria estar o mais unida possível e disposta a vencer', disse Mikhail Sheremet, membro do Comité de Segurança e Anticorrupção.

17. No início de março, os serviços secretos ucranianos mataram um dos membros da delegação de negociação ucraniana, identificado como Denis Kireev, acusado de traição. "Rusia se ha infiltrado en el gobierno de Ucrania": Zelensky suspende a altos funcionarios por "traición y colaboración" con Moscú.

18. Segundo dados da FAO, a campanha cerealífera 2021/22 foi um recorde histórico: 2.705,6 milhões de toneladas que, somadas ao stock existente , chegariam às 3.626,8 milhões, restando um excedente após consumo de 835 milhões de toneladas. Segundo esta mesma organização, a Ucrânia e a Rússia produziriam entre março e junho 32,5 milhões de toneladas de trigo e milho, "6,7% do volume do comércio mundial, 3,89% dos stocks previstos até ao final da campanha e 2,46% do conjunto de ambas as grandezas”.

Então o que é que está a acontecer? Olivier De Schutter, Relator Especial da ONU sobre Pobreza Extrema e Direitos Humanos e co-presidente do Painel Internacional de Especialistas em Sistemas Alimentares Sustentáveis (IPES-Food), explica-o quando assinala que a atividade especulativa dos hedge funds, bancos de investimento e dos fundos de pensão podem afetar negativamente os níveis de fome e pobreza em todo o mundo: "Na verdade, estão a apostar pela fome, exacerbando-a". Por outras palavras, se os preços dos alimentos estão 34% mais altos do que no ano passado e nunca estiveram tão altos desde 1990, não é devido à guerra na Ucrânia ou à falta de produção, mas ao controlo dos grandes monopólios e as suas apostas especulativas nos mercados de futuros, onde se negociam colheitas e produções futuras.

19. L. Trotsky, "Nacionalismo e Economia", em Fundamentos da Economia Marxista. Fundação Federico Engels, 2019, pp. 90-92.

20. Lenin, A Situação e as Tarefas da Internacional Socialista (novembro de 1914). Collected Works of Lenin, Akal, Vol. XXII, p. 129.

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