Na segunda-feira, 5 de Outubro, o governo de Joko Widodo (Jokowi) aprovou uma nova reforma laboral e ambiental conhecida como Lei Omnibus1, legislação que vai reduzir ainda mais as já muito precárias condições de trabalho da classe trabalhadora indonésia. A sua aprovação justamente no momento em que o país regista números inéditos de infecções de covid-19 desde o início da pandemia — 322.000 casos positivos e 11.580 mortes, com picos de 4.850 novas infecções diárias — fez explodir a fúria acumulada das massas.

Em mais de 60 pontos do arquipélago, desde a província de Aceh, a oeste, até Papua, a mais de 4.800 km a leste, as mobilizações de massas, greves operárias e estudantis mostraram mais uma vez a força, a determinação e a vontade de milhões de pessoas para lutar contra um governo neoliberal que está já muito desacreditado.

Desregulação, extensão da precariedade e repressão

A Indonésia destacou-se no mercado internacional pelo baixo custo de sua mão de obra e pela regulação insuficiente das condições de trabalho. O país asiático, que depende em grande medida da exploração de matérias-primas e da indústria manufatureira — sobretudo da têxtil, automóvel e de eletricidade — tornou-se um dos locais preferidos das grandes multinacionais para operar competitivamente à custa de esmagar os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

Nos últimos anos, a distância entre ricos e pobres na Indonésia — o quarto país mais populoso do mundo, com 267 milhões de pessoas — deu um salto gigante: 40 magnatas indonésios possuem mais riqueza do que 100 milhões de pessoas pobres. Calcula-se que 28 milhões de indonésios vivam abaixo da linha da pobreza e metade das famílias recebe 24,4 dólares por mês ou menos, segundo o Banco Mundial. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicou em 2017 que 45,9% dos assalariados recebem salários abaixo do salário mínimo legal.

A nova lei laboral, apresentada pelo presidente como uma grande oportunidade para “atrair investidores”, “ajudar a economia” e assim “ultrapassar a crise económica da Covid”, nada mais é do que uma continuação e aprofundamento dos ataques à classe trabalhadora iniciados por Jokowi e os capitalistas da região. Esta lei contempla, entre outras coisas, a eliminação do tecto máximo para as contratações temporárias, a introdução de um salário mínimo geral que substitui o salário mínimo sectorial e a eliminação da inflação para o cálculo deste (segundo dados da Agência Central de Estatísticas, o salário mínimo médio2 no papel equivale a 115 dólares e sobe para os 206 em Jacarta), a eliminação de diferentes licenças remuneradas, como a licença parental ou por celebrações religiosas, a redução das indemnizações por despedimento, a redução de dois para um dos dias de folga da semana...

Outro dos aspectos que mais indignação tem gerado é a destruição do ecossistema e a ameaça aos grupos indígenas que pressupõe a nova lei. A sua aplicação fará com que os grandes empresários deixem de ter que apresentar uma análise do impacto ambiental dos seus projetos, mesmo que sejam de alto risco. Um presente em bandeja de prata aos capitalistas para que continuem a destruir o planeta no país com a maior taxa de desflorestação do mundo e onde o cultivo de palma para extrair o seu óleo destrói 20 mil hectares de bosques e selvas. A Human Right Watch tem insistido que esta lei viola todas as normas internacionais de direitos humanos.

A classe trabalhadora responde com três dias de greve geral

A contestação social a este gravíssimo ataque laboral e ambiental não se fez esperar. Ao saber dos planos de Jokowi, os 32 sindicatos que fazem parte da Confederação Sindical da Indonésia (KSPI), a Confederação de Sindicatos de todos os Trabalhadores da Indonésia (KSPSI) e outras organizações ambientalistas, ameaçaram com uma greve geral em todo o arquipélago para os dias 6, 7 e 8 de Outubro se a nova lei não fosse retirada. Diante da atitude provocadora do Parlamento, que a aprovou segunda-feira dia 5, desafiando o mal-estar e indignação da população, a classe trabalhadora — cuja idade média é de 29 anos —, jovens e estudantes tomaram as ruas.

As mobilizações iniciaram-se na mesma segunda-feira, mas foi na terça-feira que a raiva superou todas as previsões. Nesse dia, mais de cinco milhões de trabalhadores entraram em greve, paralisando fábricas, estradas e portos, e dois milhões mobilizaram-se nos protestos, piquetes e manifestações. Centenas de milhares em frente ao Palácio Presidencial em Jacarta, rios de gente em Semarang, em Bandung, em Surabaya, em Palu, na ilha de Sumatra e em dezenas de outras localidades. "Revolução, revolução" gritaram milhares de vozes. A combatividade das massas, que durante três dias seguidos se mantiveram em pé de luta, foi respondida com a mais selvagem repressão policial, e as jornadas terminaram com cerca de 4.000 manifestantes presos em toda a Indonésia.

Nem a violência da polícia de choque, nem o gás lacrimogéneo, os tanques de água, nem os detidos conseguiram impedir a mobilização, que voltou a reunir centenas de milhares de pessoas na segunda-feira, 12 de Outubro. Tentando acalmar os ânimos, o ministro da Economia, Airlangga Hartarto, afirmou demagogicamente que "não haverão cortes salariais" e o presidente pediu a todos os que "não estão satisfeitos com a lei a impugná-la no Tribunal Constitucional".

A massividade alcançada e a combatividade que marcou esta rebelião operária não respondem apenas à aprovação da Lei Omnibus. As mobilizações têm sido o grito de guerra de uma população castigada e desesperada por décadas de cortes nas suas condições de vida, de falta de investimento nos serviços públicos e na infraestrutura do país — numa grande parte das ilhas habitadas a rede de transporte é praticamente inexistente - de pobreza e desnutrição — que afecta 40% das crianças menores de cinco anos — e de uma gestão criminosa do governo de Joko Widodo da pandemia, pela qual seis milhões ficaram desempregados, somando-se aos sete milhões já existentes, segundo dados oficiais. Uma situação social insustentável que está a gerar uma crítica crescente e consciente ao presidente e sua política capitalista e de "favores" ao imperialismo chinês.

Indonésia: um território chave para a China na luta interimperialista

O arquipélago indonésio é uma região submetida à pressão e ao controlo do gigante asiático, tanto nos seus domínios marítimos, como económicos e ambientais. A China é o maior parceiro comercial da Indonésia e a terceira maior fonte de Investimento Direto Estrangeiro — o IDE chinês alcançou os 2.290 milhões de dólares no primeiro semestre de 2019 — depois da Singapura e do Japão. Em 2018, o intercâmbio comercial entre a China e a Indonésia atingiu os 77.400 milhões de dólares.

Tal como explicou o presidente da Câmara de Comércio da China em Jacarta, mais de mil empresas chinesas actuam na região, metade das quais na ilha de Java. Das 30 empresas de empréstimo de dinheiro que a Indonésia tinha em 2018, mais da metade eram chinesas, e os investidores de Pequim já controlam a indústria petroquímica e o processamento de níquel do país.

A ninguém escapa que o Sudeste Asiático é um ponto geopolítico estratégico para o imperialismo chinês na guerra comercial com os Estados Unidos. E um muito importante. A área de investimento chinês não faz mais que se extender e a voracidade do capitalismo chinês em conquistar uma fatia do mercado mundial enraíza-se no continente asiático. Embora Jokowi tenha prometido fazer da Indonésia uma potência regional, a realidade é que ainda está muito atrás do Vietname ou da Tailândia no que diz respeito a investimento estrangeiro. O principal objetivo do governo indonésio é corrigir esta situação: às custas da exploração e da descida de salários, com uma mão de obra muito mais barata que a do território chinês, converter a Indonésia no quintal do Dragão Vermelho e facilitar através de toda a desregulamentação laboral a consolidação de novas empresas chinesas no arquipélago.

Levantar uma alternativa socialista no sudeste asiático!

Como já se tinha podido sentir na recente onda de greves e mobilizações de trabalhadores, o mandato estável que esperava a burguesia indonésia e o próprio Joko Widodo após vencer a sua reeleição com 51% dos votos nas presidenciais de 2019 foi uma miragem. O descrédito do governo entre a classe trabalhadora e a juventude já era palpável antes do recente surto social. Assim o demonstram as manifestações do ano passado em que a população se mobilizou contra a reforma do Código Penal de Jokowi que punia as relações sexuais fora do casamento, proibia a divulgação de informações sobre aborto e anticoncetivos e endurecia as leis contra o "comunismo". Nesse mesmo ano, centenas de milhares de outras saíram às ruas da Papua-Nova Guiné contra a prisão de 43 estudantes que foram acusados ​​de desrespeitar a bandeira nacional da Indonésia.

Apesar dos meios de comunicação do sistema tratarem permanentemente de o ocultar, nos últimos anos o Sudeste Asiático tem sido palco de levantamentos populares muito profundos e a rebelião que hoje sacode a Indonésia bebe dessa experiência. Das greves gerais na Índia, dos recentes protestos nas Filipinas contra o Presidente Duterte e a repressão aos críticos do governo e, muito especialmente, à maré humana na Tailândia que exige nas ruas a renúncia do Primeiro-Ministro, o fim da monarquia assassina e uma verdadeira democracia para os trabalhadores.

A situação é muito explosiva e o movimento pode fazer derrubar todos os ataques, a sua força está mais que demonstrada. O ponto chave para isso será que a jovem classe trabalhadora indonésia promova e construa uma organização revolucionária que canalize todo esse potencial em cada empresa, escola e cidade, que lute por umas condições de trabalho dignas para todos, pelo fim da desigualdade, da repressão e da destruição do meio ambiente, que una os oprimidos e oprimidas por cima das barreiras étnicas, religiosas e culturais. Uma organização que, pegando o bastão da revolução de 1998 que derrubou a ditadura de Suharto, lute por uma sociedade genuinamente socialista. Esta é a tarefa do momento.


Notas:

1. Do latim omnibus ("para todos"), dá-se habitualmente este nome a projectos legais que permitem regulamentar vários assuntos numa única lei.
2. Na Indonésia o salário mínimo é diferente em cada província, determinado anualmente pelos respectivos governadores, daí o cálculo do salário mínimo médio.

 
 
 
 
 

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