Cuba está uma vez mais no olho do furacão. Desde 11 de julho, quando em numerosas cidades e localidades rebentaram manifestações e ações de protesto nas quais participaram milhares de pessoas, a maquinaria de propaganda ocidental pôs-se em marcha. “Cuba é uma ditadura”, dizem-nos os mesmos que amparam regimes criminosos como o do "democrata" Iván Duque, na Colômbia, ou o de Sebastián Piñera, no Chile, que responderam às mobilizações populares com uma repressão brutal que resultou em dezenas de mortos, centenas de feridos e milhares de detidos.

Duque e Piñera, como tantos outros defensores dos interesses dos grandes monopólios estadunidenses e europeus e da oligarquia que governa com punho de ferro estes países, dirigem governos "democráticos" segundo a bitola do capital. Cuba, pelo contrário, é uma ditadura. Basta refletir um minuto sobre este duplo critério para compreender os objetivos da propaganda imperialista.

Nos Estados Unidos, abusos e assassinatos racistas cometidos pela polícia são o dia-a-dia, e as manifestações de protesto contra estas mortes e exigindo justiça enfrentam uma repressão feroz, com milhares de detidos.

No Estado espanhol, a polícia reprime duramente a grande maioria das ações de protesto convocados pela esquerda combativa e pela juventude, e os juízes não hesitam em punir ou prender tweeters, rappers ou qualquer pessoa que expresse publicamente uma opinião que, aos olhos do regime de 1978, seja “subversiva”. O que se passou com a luta do povo catalão a favor da república e do direito a decidir diz tudo o que há a dizer sobre isto.

Todos estes governos, organismos internacionais, meios de comunicação... e os dirigentes políticos ao serviço das potências capitalistas — entre os quais os dirigentes da social-democracia internacional ocupam um lugar particularmente deplorável — mostram-se muito escandalizados com a falta de "democracia" na ilha caribenha. Ao mesmo tempo, mantêm relações amistosas com regimes brutais e assassinos como Marrocos, Arábia Saudita, etc., e chegam mesmo a dar o seu apoio à repressão bárbara com que o Estado sionista israelita esmaga o povo palestino.

Nenhum comunista, nenhum marxista revolucionário pode cair neste embuste, nem ativa nem passivamente. Manter uma posição internacionalista, de rejeição firme do bloqueio imperialista e da propaganda dos capitalistas é o ABC.

Mas os verdadeiros amigos da revolução cubana conhecem-se não pela adoção de uma atitude seguidista ou por escamotear os problemas em momentos de dificuldade, mas antes por compreender a natureza de classe dos problemas, as suas questões de fundo, e por encontrar uma via para neutralizá-los.

As lições do colapso da URSS e a desintegração dos Estados operários deformados da Europa de Leste, a restauração da economia de mercado que acompanhou o processo, a violenta viragem política à direita e a criação de regimes bonapartistas burgueses na maioria destes países, tudo isto é sério aviso sobre o que pode acontecer em Cuba, sobre aquilo que está realmente em jogo.

Colapso económico

O dia 11 de julho começou com uma manifestação em San Antonio de los Baños, cidade localizada 26 quilómetros a sudoeste de Havana. O motivo não foi outro senão protestar contra os inúmeros cortes de energia que a população tem vindo a sofrer há meses, contra a escassez de produtos básicos e contra a inflação que atinge as camadas sociais mais pobres.

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O dia 11 de julho começou com uma manifestação em San Antonio de los Baños para protestar contra os cortes de eletricidade, a escassez e a inflação que atingem os mais pobres.

A mobilização rapidamente se espalhou pelas redes sociais e reproduziu-se num grande número de localidades, inclusive na cidade de Havana, onde participaram cerca de 6.000 pessoas. Evidentemente, na capital intervieram elementos abertamente contra-revolucionários, dirigidos a partir de Miami. Mas estiveram presentes setores populares, que não são parte dos grupos animados pelo imperialismo e que manifestaram o seu cansaço pelas condições quotidianas de sobrevivência crescentemente penosas.

Qual é a causa motriz deste descontentamento? Pode dizer-se que os manifestantes respondem exclusivamente às maquinações dos agentes da direita cubana e do imperialismo estado-unidense? Se assim fosse, estaríamos perante um episódio conjuntural e de fácil contenção. Não parece ser esse o caso.

A economia cubana está sob uma brutal pressão há bastantes anos, e as dificuldades agravaram-se com a eclosão da pandemia. De acordo com dados de meios de comunicação social progressistas estado-unidenses,1 só nos últimos dois anos o governo cubano viu o esfumar das suas principais fontes de divisas. O setor do turismo está arruinado e as suas receitas foram reduzidas em 3.200 milhões de dólares.

As consequências do bloqueio mantido pelo imperialismo estado-unidense também se agravaram.2 O governo Trump não só desfez a tímida abertura de Obama — levada a cabo para evitar que os EUA ficassem de fora do investimento capitalista na Ilha, a ser feito pela Europa e pelo Canadá, e também para acelerar a passagem à economia de mercado —, como ainda se lançou a aplicar a maior pressão e a infligir os maiores estragos possíveis em Cuba.

O presidente republicano passou uma bateria de leis para tornar impossível o envio de remessas de cubanos residentes nos EUA para as suas famílias na ilha. Como consequência, estima-se que a redução do ingresso de divisas tenha sido de mais 3.500 milhões de dólares. Além disto, os governos latino-americanos fiéis a Washington cancelaram em bloco os contratos de serviços médicos que tinham com Havana, comprometendo também essa via de obtenção de divisas.

A ofensiva contra o povo cubano manteve-se sob a administração de Joe Biden. O novo presidente não aliviou nem um pouco o criminoso bloqueio — não quer agitar a raiva dos exilados em Miami, especialmente depois de ter perdido as eleições na Flórida em novembro do ano passado. Este é o personagem que a esquerda reformista internacional apresenta como o novo guru do progressismo.

A economia cubana também foi duramente atingida pelas mudanças vividas na Venezuela. Não nos podemos alongar neste aspecto, mas as medidas pró-capitalistas do governo de Maduro e o colapso do aparato produtivo venezuelano, especialmente do setor petrolífero, resultaram numa drástica redução do petróleo barato que Cuba recebia com Chávez — e que lhes facilitava a obtenção de divisas através da revenda a preços mais altos.

Mas por que motivo é tão importante o fluxo de moeda forte para Cuba? A resposta é simples: porque assim manda a divisão internacional do trabalho. A ilha não é auto-suficiente, tendo que importar mais de 60% dos produtos que constituem parte da alimentação da população, percentagem que é ainda superada quando se fala da importação de matérias-primas industriais, farmacêuticas e tecnológicas. Sem dólares, as importações sofreram uma queda abrupta de mais de 40% em 2020, um número que pode ser ultrapassado este ano.

Estes fatores de enorme peso foram agravados pelo rumo tomado pela direção do Partido Comunista Cubano (PCC), rumo reafirmado no seu VIII Congresso, em abril passado. A estratégia de restabelecimento das relações capitalistas não só sufoca a economia planificada como causa uma grande diferenciação social, o crescimento da desigualdade interna e uma escalada da inflação que atinge os setores populares.

Esta orientação dá forma, na consciência popular, a uma rejeição das ideias do socialismo, favorecendo o crescimento das tendências pequeno-burguesas, individualistas, de "salve-se quem puder", e potenciando uma moral e uma linguagem dúplices: a dos discursos oficiais e a da prática quotidiana.

A revolução e as deformações burocráticas

No mesmo dia 11 de julho, o presidente cubano Díaz-Canel, numa mensagem televisiva, insistiu que os protestos foram realizados por uma minoria, que tudo o que aconteceu foi produto da subversão incentivada a partir dos Estados Unidos e ampliada pelas redes sociais, e fez um apelo à população para se manifestar para "defender a revolução".

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Uma coisa é a autoridade da qual ainda goza a revolução, e outra bem diferente é a opinião que a classe trabalhadora e, em particular, a juventude têm do governo cubano, dos atuais dirigentes do PCC e dos altos funcionários do Estado.

O governo tomou rapidamente decisões para tentar travar o crescimento dos protestos: ordenou a suspensão da internet e mobilizou a polícia, que fez inúmeras detenções para as quais não existem ainda dados oficiais. A maioria dos detidos, no entanto, já está em liberdade ou em leve prisão domiciliária. É o caso, por exemplo, da correspondente do jornal espanhol de direita ABC, que teve condições de comunicar com o mundo inteiro para denunciar a "ditadura cubana".

Obviamente, comparar estas medidas “repressivas” com o que acontece noutros países latino-americanos quando rebentam protestos massivos é uma piada de mau gosto. Com efeito, o governo cubano anda em bicos de pés porque sabe que recorrer a medidas de maior força é entregar munição aos imperialistas e, longe de apaziguar o descontentamento, só o aumentaria.

Em resposta ao apelo de Díaz-Canel no sábado, 17 de julho, milhares de pessoas manifestaram-se nas ruas de Havana. Nestas manifestações, qualificadas pelo governo como "reafirmação revolucionária espontânea", além dos setores que participaram genuína e conscientemente na defesa da revolução, houve também funcionários do partido e do Estado, bem como trabalhadores estatais convocados e supervisionados pelos seus superiores. Tais manifestações não são elementos muito fiáveis para fazer uma avaliação do verdadeiro apoio com que podem contar o governo cubano e os dirigentes do PCC.

E este é um dos problemas que explicam os acontecimentos recentes. Não há dúvidas de que apesar das dificuldades económicas a revolução continua a ter apoio significativo entre os que viveram a ditadura de Batista e, sobretudo, os anos heróicos do apogeu revolucionário, quando as grandes conquistas da economia planificada — apesar das deformações burocráticas do Estado operário — permitiram um aumento do nível de vida e conquistas sociais colossais.

Mas uma coisa é a autoridade da qual ainda goza a revolução, e outra bem diferente é a opinião que a classe trabalhadora, a generalidade da população e, em particular, a juventude têm do governo cubano, dos atuais dirigentes do PCC e dos altos funcionários do Estado.

O discurso político oficial não só é incapaz de conectar com a juventude, como a repele na maioria dos casos. A limitação da liberdade de expressão, bem como a vigilância e o controlo burocrático a que é sujeita a atividade criativa, não afeta apenas os intelectuais entre os quais desperta críticas e reclamações; atinge especialmente os jovens que sentem que toda a sua iniciativa é atrofiada e desperdiçada nesta pesada atmosfera.

Mais ainda, esse "marxismo" burocrático, ossificado e morto, bem ao estilo daquele que foi "estudado" na antiga URSS e no resto dos países do leste europeu, se afugenta grande parte da classe trabalhadora cubana, provoca, entre a maioria dos jovens, o mais completo repúdio.

Esta desafeição é fruto de demasiadas arbitrariedades, desperdícios, roubos e corrupção no processo de produção e distribuição, inerentes a um regime planificado sob gestão burocrática, no qual a classe trabalhadora não tem possibilidade de participar nem na elaboração, nem na execução dos planos de produção, e tampouco pode intervir, controlar ou dirigir democraticamente qualquer instituição do Estado.

Quem impõe as decisões são a burocracia do Estado e o partido, sem que a classe trabalhadora tenha a possibilidade de fazer os seus interesses influírem em qualquer aspecto fundamental destas decisões. A burocracia, consciente dos seus interesses materiais, e em grande medida desmoralizada e sem confiança nas capacidades dos trabalhadores e da juventude, é quem está a avançar no sentido inverso àquele que é necessário.

A agenda pró-capitalista está a socavar as conquistas da revolução

Num contexto de longa crise económica e no qual grande parte da população encontra crescentes dificuldades no acesso a bens e serviços essenciais — com o custo de vida a subir muito mais do que salários ou as pensões —, os privilégios de milhares de funcionários que governam sem ter de prestar contas a ninguém são ainda mais óbvios e ultrajantes para os cubanos.

Não por acaso, um dos principais alvos dos protestos de 11 de julho foram as lojas de “Câmbio Livre de Moeda”, inauguradas há pouco mais de um ano. Nestas lojas só se aceitam divisas estrangeiras em troca de produtos básicos e importados, bem à imagem das lojas especiais da antiga URSS, às quais só tinham acesso os burocratas do PCUS e do Estado, ou os turistas ocidentais.

Mas o problema é muito mais profundo. O sistema imposto no janeiro passado para unificar o peso cubano (i.e., unificar o peso que podia ser convertido em divisa estrangeira com o peso que não era convertível e com o qual se pagavam os salários), apresentado como um passo decisivo para estabilizar as reformas pró-mercado, fez aumentar a inflação — que pode chegar a 500% este ano, segundo economistas cubanos —, reduzindo os salários e rendimentos reais da maioria da população.

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O sistema imposto para unificar o peso cubano é um passo decisivo para as reformas pró-mercado e aumentou a inflação, reduzindo as receitas reais da maioria da população.

Até mesmo setores que anteriormente estavam entusiasmados com as medidas pró-mercado — na vasta população que oscila em torno da atividade turística — se vêem prejudicados na mesma medida em que são exponencialmente reduzidas as receitas do turismo.

Há alguns meses, fizemos uma análise exaustiva da agenda pró-capitalista do governo, inspirada no modelo da burocracia chinesa e no capitalismo de Estado que foi capaz de estabilizar o gigante asiático (ver Perspetivas para Cuba. Debate sobre o socialismo e a desigualdade). O posterior desenvolvimento dos acontecimentos confirmou, no essencial, as nossas perspetivas. Está à vista de todos como as medidas do governo abriram uma enorme brecha na economia cubana para a consolidação das tendências de restauração do capitalismo.

Numa tentativa de demonstrar que atua e toma medidas, o governo de Cuba anunciou que autoriza aos viajantes a importação de alimentos, produtos de higiene e medicamentos sem quaisquer limites ou tarifas até 31 de dezembro de 2021. Mas esta medida parcial não resolve o problema de fundo; à margem da amenização de umas quantas situações particulares, o mais provável é esta medida trazer consigo um maior estímulo para o mercado paralelo e para a especulação com estes bens.

A questão central é a de como enfrentar globalmente o cerco imperialista e as deficiências endémicas da economia cubana, partindo do ponto de vista do socialismo marxista. Que política deve ser aplicada para fortalecer a revolução, para neutralizar definitivamente as contínuas manobras da contra-revolução e para eliminar do horizonte o perigo cada vez mais evidente da restauração capitalista?

Um regime de autêntica democracia operária, no qual a classe trabalhadora dirige a economia e o Estado, é condição sine qua non para defender as conquistas revolucionárias e realmente avançar rumo ao socialismo. Isto implica eliminar os privilégios dos milhares de funcionários que compõem a maquinaria burocrática. Mas para os dirigentes do Estado e do partido, isto não é uma opção.

Descartando o verdadeiro controlo da classe trabalhadora sobre a economia e a sociedade, as respostas adotadas pelo governo cubano para enfrentar as deficiências económicas e as crises têm sido reformas pró-capitalistas. Consequentemente, a economia planificada e a propriedade estatal dos meios de produção têm vindo a perder peso frente às relações capitalistas de produção.

Os efeitos desta orientação afloraram rapidamente: o aumento da desigualdade, o desmantelamento gradual dos serviços públicos e o declínio das condições de vida da maioria da população. Desigualdade social que, longe de ser combatida pelas autoridades cubanas, é justificada pelas altas esferas do partido, que se atrevem a denunciar o suposto “paternalismo” estatal, os gastos sociais “irracionais”, as gratuitidades excessivas, etc.

O capitalismo está a ganhar força e a penetrar em cada vez mais áreas da economia da ilha, amparado pelo PCC e pelo aparelho de Estado. As altas patentes do exército, tal como na Venezuela e na China, desempenham um papel crescentemente ativo no processo de gestão económica e nas privatizações, conseguindo grandes regalias e vantagens. Há informes que indicam que as empresas controladas por militares, agrupadas no Grupo de Administración Empresarial SA (GAESA), já controlam 60% da economia nacional e 80% da atividade turística.3

Há muito que os dirigentes cubanos decidiram seguir os passos da burocracia do Partido “Comunista" Chinês (PCCh), chegando a adotar a terminologia por ela criada. Os economistas ao serviço da nomenclatura de Pequim inventaram o termo "socialismo de mercado", um eufemismo forjado para mascarar o processo de restauração capitalista que a burocracia desenvolveu com um férreo controlo — e que, no caso chinês, está há muito concluído.

O objetivo central da direção cubana é dirigir o processo com uma mão igualmente firme. Mas o caso cubano coloca uma série de problemas que condicionam a velocidade do processo e aconselham alguma cautela.

Por um lado, o avanço do capitalismo é acompanhado pelo desmantelamento das conquistas sociais que permitiram as reformas igualitárias mais substanciais e que ganharam mais apoio para a revolução. Qualquer passo em falso neste caminho pode provocar uma autêntica explosão social e colocar em risco o controlo que a direção cubana quer manter sobre o processo; daí necessidade de uma ruidosa campanha oficial contra o igualitarismo socialista, assim como a relativa lentidão com que as medidas pró-capitalistas aprovadas são postas em marcha.

O outro fator que condiciona o ritmo das reformas pró-mercado e preocupa particularmente os escalões superiores do PCC e do Estado é a existência em Miami, a uns poucos quilómetros de Havana, da burguesia gusana que no seu tempo foi expropriada pela revolução.

Os contra-revolucionários de Miami, que têm enorme força e influência tanto nas administrações republicanas como nas democratas, estão sedentos de vingança e, caso se desse a restauração capitalista, só poderiam tentar recuperar as suas propriedades.

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A contra-revolução cubana, interna e exilada, o imperialismo estado-unidense e a burguesia internacional tentam capitalizar o descontentamento social.

Por fim, e em terceiro lugar, o processo de restauração capitalista na URSS, no leste da Europa e, em boa medida, na China, deu-se ao abrigo de um boom económico dos países ocidentais que agora simplesmente não existe. O modelo em que se imagina uma Cuba capitalista, na conjuntura atual, é mais semelhante à Guatemala, a Honduras ou a El Salvador. Isto também gera muitas incertezas e contradições entre aqueles que têm de aplicar as medidas que poderão resultar num tal desastre.

Sem dúvida que a contra-revolução cubana — tanto a interna como a exilada —, o imperialismo estado-unidense e a burguesia internacional procuram capitalizar o descontentamento social, o recrudescimento da pandemia e as dificuldades económicas para canalizar tudo contra a revolução e o socialismo.

Nas manifestações, juntamente com slogans contra a escassez de alimentos ou o aumento dos preços, puderam ser ouvidos slogans abertamente contra-revolucionários, como "pátria e vida" — slogan cunhado pela "gusanería" em oposição ao slogan "pátria ou morte, venceremos” —, e até o mais explícito “abaixo a ditadura castrista”, entre outros.

A questão, portanto, é a de como construir um projeto político capaz de enfrentar a implacável situação material que a ilha enfrenta, travar as reformas pró-capitalistas que agudizaram o descontentamento social e substituir o peso morto dos privilégios e da administração ineficiente da burocracia por uma democracia socialista onde a classe trabalhadora controle de maneira efetiva e democrática a atividade social e económica do país.

Será possível romper com o isolamento da revolução?

Um dos fatores que mais condicionam e limitam o desenvolvimento da economia cubana e o fortalecimento da revolução é o seu isolamento. A história mostra que o socialismo num só país, além de ser uma ideia profundamente antimarxista, é simplesmente inviável. No caso de Cuba, um arquipélago das Caraíbas com recursos limitados, isso é cem vezes mais certo.

Depois de mais de 60 anos, a revolução permanece isolada, apesar das inúmeras oportunidades que houve para a estender. Durante décadas, a América Latina foi periodicamente abalada por processos revolucionários, mas, em todos eles, os conselhos e orientações vindos de Havana foram para não ir "longe demais", para moderar os processos e promover "alianças com os setores da pequena e média burguesia” considerados anti-imperialistas.

Foi esta a orientação que o PCC deu a Salvador Allende, no Chile, e a Daniel Ortega, na Nicarágua, E é esta a política promovida para a Bolívia e a Venezuela.

No caso da Venezuela, não ter levado ao seu termo a expropriação revolucionária da burguesia não impediu de forma alguma a ofensiva imperialista e as tentativas de golpe. O que permitiu, aliás, foi a consolidação no poder de uma burocracia ineficaz que destrói o legado de reformas progressivas do período chavista e é incapaz de tirar o país do marasmo capitalista.

A profunda crise económica que atravessa a Venezuela tem grandes repercussões em Cuba. Estão enormemente debilitadas as relações económicas especiais estabelecidas entre ambos os países, que eram um importante balão de oxigénio para a ilha.

O internacionalismo proletário é a chave para defender e ampliar as conquistas da revolução cubana. Um internacionalismo que não tenha simplesmente um caráter assistencialista e solidário, mas que seja politicamente eficaz, que contribua para levantar de facto a estratégia de uma Federação Socialista da América Latina, baseada na ruptura com o capitalismo e na tomada do poder pelas massas trabalhadoras da cidade e do campo. Uma estratégia que regresse aos fundamentos do programa marxista, aquele que só reconhece uma forma de transição para o socialismo: a da participação democrática da classe trabalhadora no controlo e na gestão para a edificação da sociedade socialista.

A classe trabalhadora é a chave

Os acontecimentos de 11 de julho deram novo ímpeto ao debate sobre a política a seguir e sobre quem deve assumir o comando para derrotar as ameaças contra-revolucionárias externas e internas.

As manifestações desse dia, não obstante as deturpações, mentiras e manipulações imperialistas, mostraram que a insatisfação e descontentamento entre a população, alimentada pelas crescentes dificuldades económicas que as massas cubanas estão a suportar por tanto tempo, estão a chegar a um ponto crítico.

O perigo de este descontentamento ser capitalizado pelos elementos da contra-revolução que apoiam, financiam e aconselham o imperialismo estado-unidense e a “gusanería” de Miami é real. Mas a ameaça de restauração capitalista em Cuba não vem apenas de Miami ou do governo dos Estados Unidos.

As medidas pró-capitalistas que, com maior ou menor continuidade, têm sido aplicadas pelos dirigentes do Estado cubano e do PCC não representam um risco secundário para a revolução. A legislação que fortalece a parte da economia cubana deixada ao mercado capitalista em detrimento da propriedade e do planeamento do Estado tem sido um poderoso estímulo e impulso para as tendências restauracionistas no interior da ilha.

Durante todos estes anos, milhares de funcionários estatais e do partido teceram uma sólida rede de interesses comuns (legais e ilegais) com empresas estrangeiras que operam em Cuba. Por sua vez, milhares de “cuentapropistas” (comerciantes e todo o tipo de “trabalhadores por conta própria”), muitos deles com bons contatos entre o funcionalismo público, prosperaram e identificaram essa prosperidade com as relações de produção capitalistas. Ambos os grupos estão a fazer uma pressão cada vez maior para que o processo de restauração capitalista acelere.

A política defendida por uma ampla camada de autoridades do Estado cubano e do PCC responde fundamentalmente às aspirações e interesses destes setores sociais pequeno-burgueses. Se esta política for mantida sem uma oposição consciente e organizada dos setores decisivos da classe trabalhadora e da juventude, resultará na restauração do capitalismo.

O futuro da Revolução Cubana está ameaçado e a única classe social capaz de derrotar os inimigos da Revolução é a classe trabalhadora. A base militante e mais consciente do PCC, junto aos demais revolucionários cubanos, deve ter isto bem presente, recuperando e levantando audazmente o autêntico programa comunista.

Um programa que deve ter como ponto de partida a negação contundente da contra-revolução capitalista — venha esta de onde vier — e a clara exigência ao governo cubano de reverter as medidas pró-mercado implementadas até agora, começando logo pelas que entraram em vigor a 1 de janeiro deste ano.

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O internacionalismo proletário é a chave para defender e expandir as conquistas da revolução cubana.

É preciso organização e trabalho para fazer avançar a consciência das massas, construindo uma oposição de esquerda comunista, massiva e poderosa. É preciso explicar que, não obstante a narrativa oficial sobre "comunismo" ser uma deturpação do que realmente é o comunismo, o triunfo capitalista significaria uma Cuba despojada, esmagada e sem liberdade política, direitos democráticos básicos ou quaisquer vestígios de igualitarismo. O regresso do capitalismo seria um retrocesso selvagem que iria encher de privilégios e de riqueza uma minoria de novos milionários enquanto enchia de miséria e opressão a imensa maioria da população.

Só um regime de genuína democracia operária e a extensão da revolução ao continente latino-americano podem enfrentar o perigo da restauração capitalista e fazer triunfar definitivamente o socialismo.


1. Cuba’s Protests Are Different This Time, William M. LeoGrande, The Nation.

2. "Os prejuízos acumulados durante quase seis décadas de aplicação desta política ascendem a 144.413,7 milhões de dólares" (Governo de Cuba. Relatório "Cuba vs. Bloqueio" apresentado à Assembleia Geral da ONU em setembro de 2020. Citado pela BBC World News, 15/07/21)

3. GAESA: el consorcio militar que controla la economía cubana, Amir Valle, Deutsche Welle

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