Após sete meses de administração Trump 2.0, a questão de se o presidente dos EUA era um outsider do sistema ficou resolvida. Contando com o apoio absoluto do Partido Republicano, baseando-se no controlo do Congresso, do Senado e do Supremo Tribunal, com o apoio fanático dos grandes multimilionários do Silicon Valley, Trump converteu-se num instrumento crucial para um amplo setor da classe dominante estado-unidense que procura aumentar a sua taxa de lucros e recuperar a iniciativa na luta pela hegemonia.

Poucas dúvidas restam de que este mandato não será uma mera repetição dos seus primeiros quatro anos na Casa Branca. Trump decidiu utilizar todo o seu apoio eleitoral para se livrar dos controlos e limites que a própria institucionalidade burguesa pudesse impor à sua agenda.

Também ficou claro que disparates como “Trump não tem ideologia”, ou que seja simplesmente um defensor do "livre mercado" não têm base alguma. Os factos, teimosos, demonstram que as suas ideias são muito próximas das dos líderes totalitários de extrema-direita que irromperam no século XX: a demagogia populista, o racismo e a xenofobia, o militarismo, o ódio aos direitos das mulheres e das minorias, ao socialismo e ao comunismo, e, por cima de tudo, a defesa implacável de uma ordem capitalista em crise utilizando a brutalidade policial e a ameaça militar. Por mais que se esconda atrás de um discurso anti-establishment, como fazem todos os líderes de extrema-direita do mundo, Trump é o seu líder inquestionável.

img
Trump decidiu utilizar todo o seu apoio eleitoral para se livrar dos controlos e limites que a própria institucionalidade burguesa pudesse impor a sua agenda.

"One Big Beautiful Bill". Um grande e belo orçamento… repressivo e de cortes sociais!

A sua agressividade no plano internacional, apoiando completamente o genocídio sionista contra o povo palestiniano, lançando uma guerra comercial contra os seus aliados tradicionais, ou dando forma aos planos de rearmamento militar no Ocidente mais importantes desde a Segunda Guerra Mundial, correspondem à forma de conduzir a gestão dos assuntos domésticos.

O líder da extrema-direita global não hesita em atuar nos limites da legalidade burguesa e, quando necessário, superá-los. Trump recorre constantemente a medidas bonapartistas para levar a cabo o seu programa, à base de diretivas e decretos presidenciais, e apoiando-se em leis repressivas, velhas ou criadas ad hoc. Com todo este arsenal está a fortalecer um aparato policial e militar que mobiliza para semear o terror e romper a resistência popular de numerosas cidades aos seus planos.

Com a amnistia a todos os membros de extrema-direita condenados pela invasão do capitólio de 2021 e os 170 decretos assinados até 18 de julho, Trump leva a cabo uma guerra sem tréguas contra os imigrantes, ativistas, trabalhadores e pobres dos EUA.

A lista de medidas é tão ampla que é difícil enumerá-la neste espaço. Desde a perseguição política das universidades e a prisão e tentativa de deportação de ativistas que demonstraram solidariedade com o povo palestino; passando pela depuração e intervenção de departamentos federais, altos cargos do Governo e os cortes nos orçamentos; até, pelo que representa, a mobilização da Guarda Nacional em Los Angeles, Washington DC, e previsivelmente em Chicago, que complementam a sua caça aos imigrantes e o fortalecimento do ICE (Serviço de Imigração e Alfândega).

Outro pilar da sua estratégia ficou claro na sua nova reforma orçamental, aprovada pela maioria da Câmara de Representantes no mês de julho.

Com esta lei estabelece benefícios fiscais permanentes pelo valor de 3,8 biliões de dólares, que favorecem esmagadoramente as grandes empresas, bancos, fundos de investimento e os super ricos. Paralelamente, a lei corta 930.000 milhões de dólares do Medicaid e 285.000 milhões da assistência alimentar. Segundo dados do Gabinete de Orçamento do Congresso, isto suporá que 11,8 milhões de pessoas perderão cobertura médica, e quase 11 milhões, incluindo 4 milhões de crianças, poderiam perder o acesso à ajuda alimentar.

Por outro lado, assenta as bases para o maior orçamento de defesa do mundo, já que inclui 170.000 milhões de dólares a mais para a chamada "segurança migratória", e uma rúbrica extra de 150.000 milhões em despesas militares para este ano, em cima do orçamento de quase um bilião de dólares que se havia aprovado anteriormente para o Pentágono.

Militarizar as ruas e semear o pânico entre a população imigrante

A polícia do ICE converteu-se numa força paramilitar composta, em grande parte, por elementos abertamente fascistas. Agem impunemente pelas ruas dos EUA perseguindo indiscriminadamente a qualquer pessoa imigrante, que detêm violentamente para as levar a prisões e campos de concentração de onde são deportadas. Armados até aos dentes, encapuzados e sem identificações, as imagens deste corpo policial fazem lembrar a atuação da Gestapo contra a comunidade judia na Alemanha dos anos trinta.

img
A polícia do ICE converteu-se numa força paramilitar composta, em grande parte, por elementos abertamente fascistas que agem impunemente pelas ruas dos EUA.

Mas para Trump tudo isto não é suficiente. Quer continuar a fortalecer o seu braço armado e com o apoio de 76.500 milhões de dólares em novos fundos aprovados pelo Congresso (quase dez vezes o seu orçamento anual anterior) pretende continuar a ampliar este exército particular de fanáticos de extrema-direita com a contratação de 10.000 novos agentes (de momento conta com uns 6.500). Para isto iniciou várias iniciativas de recrutamento, que incluem bonificações pela contratação de até 50.000 dólares; programas de reembolso de empréstimos estudantis; uma verdadeira chantagem tendo em conta que a sua reforma orçamental inclui a eliminação de 320.000 milhões de dólares para a remissão da dívida estudantil; e a recontratação de reformados como parte da "Operação Regresso à Missão", que permite que os antigos agentes conservem os seus subsídios da reforma enquanto recebem um novo salário.

Esta nova força paramilitar é chave para a sua estratégia autoritária, e está disposto a dotá-la de plenos poderes. Trump facilitou o acesso de dados pessoais de 79 milhões de beneficiários do Medicaid ao ICE, através dos quais poderão localizar e deportar imigrantes. Para além disso, solicitou ao Supremo Tribunal a suspensão da ordem de um juíz da Califórnia que proibia as detenções baseadas em fatores como falar espanhol ou trabalhar na construção. Perfis raciais utilizados como guia para deter jovens e trabalhadores nos bairros, locais de trabalho, escolas, ou até mesmo nos tribunais de imigração e instituições de apoio governamentais às quais são notificados como artimanha. Os vídeos e testemunhos dos detidos e das suas famílias são assombrosos.

O objectivo de impor um regime de medo e acostumar a população à militarização das ruas é claro, mas o ataque de Trump aos imigrantes choca com um limite: o facto do sistema produtivo continuar a necessitar de mão de obra barata, subordinada e sem direitos laborais para que a acumulação de capital continue.

Atualmente a comunidade imigrante é parte da coluna vertebral da economia estado-unidense: 90% da força laboral agrícola e 30% da construção. Por isso, apesar dos desejos de Trump de deportar 15 milhões de imigrantes, não poderá fazê-lo. Os esforços para fortalecer o ICE correspondem também a um objetivo de primeira ordem: dividir a classe trabalhadora em linhas raciais, e justificar a ideia de que os baixos salários e a perda de direitos laborais são também culpa dos imigrantes. A desumanização dos nossos irmãos e irmãs de classe é fundamental para que toda esta demagogia mesquinha possa cumprir a sua função política.

img
São milhares os homens e mulheres de todas as raças que se opõem nas ruas com valentia à repressão orquestrada pela Administração Trump.

O ICE é um lado da moeda. Mas nestes meses assistimos a outro movimento de fundo. O envio de milhares de fuzileiros navais, militares e guardas nacionais a Los Angeles para conter as mobilizações massivas que se organizaram em junho contra as detenções massivas de imigrantes. Durante semanas, Trump militarizou as ruas da Califórnia para sufocar as manifestações multitudinárias, mas o efeito que conseguiu foi o oposto: a 14 de julho, milhões de pessoas saíram às ruas para lutar contra esta ofensiva repressiva com 2000 ações em mais de 200 cidades de todo o país.

Obviamente a aposta de Trump é alta, e não vai ser facilmente dissuadido. No passado 11 de agosto assinou uma nova ordem executiva para mobilizar a Guarda Nacional em Washington D.C. e pôr a polícia local da capital sob as suas ordens diretas, como parte de um plano para "libertar" a cidade de pessoas sem abrigo e da delinquência. O fez com estas palavras que publicou nas redes sociais:

"Washington, D.C. will be LIBERATED today! Crime, Savagery, Filth, and Scum will DISAPPEAR. I will, MAKE OUR CAPITAL GREAT AGAIN!" ("Washington, D.C. será LIBERTADA hoje! Crime, Selvajaria, Imundície e Escória irão DESAPARECER. Eu tornarei a nossa CAPITAL GRANDE NOVAMENTE!")

Uma lei de 1973 outorga ao presidente dos EUA a possibilidade de intervir na capital política do país, mas limitada a um período máximo de 30 dias. No entanto, Trump já anunciou que solicitará ao Congresso que estenda o controlo federal para além dos 30 dias, num desafio aberto ao Partido Democrata e às próprias leis federais. E se restava alguma dúvida das suas intenções de militarizar outras cidades como Chicago…

Da sua parte, os representantes do Partido Democrata continuam a limitar-se a responder com declarações retóricas e confiando na via judicial para frear estas agressões.

É o caso de Muriel Bowser, presidente Democrata da Câmara de Washington DC, que descreveu o decreto de Trump como "inquietante e sem precedentes", para posteriormente chegar a sugerir que a intervenção federal poderia beneficiar a cidade: "O facto de que tenhamos mais forças de ordem e presença nos bairros pode ser positivo".

Os Democratas estão a demonstrar que são parte do problema e não da solução. Isto pôde ser comprovado em junho, quando o Governador Democrata da Califórnia, Gavin Newsom, que se apresentava publicamente como um defensor dos imigrantes, não se importou nem um pouco de enviar a polícia do Estado, em coordenação com a Guarda Nacional e a Highway Patrol, para reprimir com gás lacrimogénio, balas de borracha e granadas de atordoamento o movimento anti-racista que se levantou contra o ICE, com o resultado de 70 pessoas feridas.

Estamos a falar de uma formação política histórica da burguesia estado-unidense com um longo histórico de agressões à classe trabalhadora, de privatizações massivas, medidas fiscais a favor dos ricos, intervenções militares e apoio ao genocídio sionista sob a Administração de Biden.

Os Democratas participaram lado a lado com o Partido Republicano na elaboração e aplicação das políticas racistas e repressivas que abriram o caminho às de Donald Trump. Foram os governos de Biden e Obama que bateram recordes de deportação de imigrantes, num número inclusive superior ao de Trump até agora, e os que mantiveram muitas das leis e medidas que se estão a utilizar agora.

Primeiro vieram atrás dos imigrantes, a seguir, de toda a classe trabalhadora e juventude

Members of Congress and even former Presidents have been openly embracing vile creeds such as socialism, Marxism, and straight-up communism.” (“Membros do Congresso e até ex-Presidentes têm abraçado abertamente credos vis como o socialismo, o marxismo e o comunismo puro.”)

"The Homeless have to move out, IMMEDIATELY. We will give you places to stay, but FAR from the Capital. The Criminals, you don't have to move out. We're going to put you in jail where you belong. It's all going to happen very fast, just like the Border." (Os sem-abrigo têm de sair, IMEDIATAMENTE. Nós vamos dar-vos lugares para ficar, mas LONGE da Capital. Os criminosos, vocês não têm de sair. Vamos pô-los na prisão onde pertencem. Tudo vai acontecer muito depressa, como na Fronteira)

Estas declarações de Trump deixam claro que ele quer acabar, custe o que custar, com a esquerda, o comunismo, os protestos, a imigração, aqueles que construiram o Black Lives Matter, as mulheres que responderam nas ruas à sua eleição como presidente, as pessoas sem-abrigo e com o conjunto da classe trabalhadora e da juventude. E não está sozinho nessa guerra. Conta com um sector cada vez mais amplo da classe dominante estado-unidense e internacional, assim como com a admiração e o apoio dos partidos e elementos da extrema-direita de todo o mundo, os mesmos que abraçam o genocídio de Netanyahu ao povo palestiniano, porque gostariam de fazer o mesmo em cada um dos seus países.

Por isso, a resposta e a solidariedade de classe com a qual se tem respondido a Trump é tão valiosa. Por um lado, nos bairros de classe trabalhadora, onde se organizaram milhares de pessoas para protestar as investidas racistas, ajudar os imigrantes perseguidos e identificar e denunciar os membros do ICE que tentam levar detidos os vizinhos. Por outro, com as mobilizações de milhões nas ruas.

Cada investida deste governo reacionário está a ser respondida com mobilizações massivas, enfrentando uma repressão selvagem como a que vimos em Los Angeles e, posteriormente, nas mobilizações do No Kings Day.

img
A resposta e a solidariedade de classe com que se tem respondido a Trump é muito forte. Milhares de pessoas se organizaram para parar as buscas racistas, além de milhões se terem mobilizado nas ruas de todo o país.

Ainda sem uma direção revolucionária à frente, sem uma organização que canalize toda essa força e toda essa raiva, a recusa de milhões de jovens, de trabalhadores e trabalhadoras estado-unidenses e migrantes, em sucumbir sob o jugo trumpista mostra todo o potencial para varrer este reacionário e as suas políticas.

Precisamos de um partido militante da classe trabalhadora estado-unidense, que rompa definitivamente com os Democratas e que levante a bandeira da revolução socialista. A força destas mobilizações, reunindo a solidariedade dos trabalhadores migrantes e nativos, unindo os sectores mais oprimidos da nossa classe, mostra que é totalmente possível.

JORNAL DA ESQUERDA REVOLUCIONÁRIA

JORNAL DA LIVRES E COMBATIVAS

Sindicato de Estudantes

Os cookies facilitam o fornecimento dos nossos serviços. Ao usares estes serviços, estás a permitir-nos usar cookies.