O Orçamento do Estado para 2022 foi chumbado, iniciando uma crise parlamentar de fundo. Dias depois, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou eleições antecipadas para 30 de janeiro e a dissolução do parlamento.

Estas eleições marcam a abertura de um novo capítulo político. Marcelo está a tentar desbloquear as instituições e formar um novo e sólido governo, mas não há quaisquer garantias de que o consiga, quer seja com o PS quer seja com o PSD. A burguesia, que até aqui pôde contar com um governo estável para aplicar o seu programa, vê-se agora mergulhada em incerteza. 

O PS governa para o capital

Em 2015, o tremendo movimento de massas contra a austeridade que encheu as ruas durante os primeiros anos da década refletiu-se nas eleições legislativas, e a esquerda conseguiu uma maioria parlamentar. O PS negociou com BE e PCP para conseguir formar governo, celebrou acordos escritos com ambos os partidos e tomou posse prometendo uma nova era de crescimento económico que não deixaria os trabalhadores e jovens de fora.

Tudo isto deu-se com uma correlação de forças extremamente favorável à classe trabalhadora. Deu-se, aliás, como resultado dessa correlação. A juventude, cada vez mais radicalizada, continuou a mostrar a sua combatividade em grandes movimentos contra a violência machista, o racismo e a destruição do ambiente. No mesmo período, a direita via-se numa pesada crise depois de governar durante 4 anos de ataques selvagens contra os trabalhadores. 

Perante o governo PS estava, portanto, uma oportunidade dourada de reverter as políticas da direita. Em vez disso, António Costa manteve intactas as contra-reformas no código laboral, as privatizações, a liberalização do mercado imobiliário, o subfinanciamento dos serviços públicos, e ainda assegurou a paz social — recorrendo à repressão quando necessário. Servindo-se da lei da “requisição civil”, chegou mesmo a proibir as greves dos estivadores, dos enfermeiros, dos professores e dos camionistas.

E sempre que precisou, Costa contou com PSD e CDS para aprovar as medidas que BE e PCP se negavam a apoiar — como aconteceu com as injeções de dinheiro público no Novo Banco, que já estão próximas dos 8.000 milhões de euros. 

A gestão criminosa da crise sanitária foi talvez a melhor demonstração disto. O PS encheu as grandes empresas de dinheiro público, com incontáveis milhares de milhões de euros a ser dados em ajudas diretas e indiretas. Empresas não-essenciais foram mantidas em funcionamento constituindo focos de contágio, e nenhuma empresa foi alvo de nacionalização ou requisição temporária para ajudar no combate à pandemia. Enquanto o SNS era esmagado por sucessivas ondas do vírus, a saúde privada teve total liberdade para explorar a doença e a morte de dezenas de milhares. Os grandes laboratórios privados triplicaram e quadruplicaram os seus lucros durante a pandemia. Em suma, a propriedade privada foi colocada acima das vidas de trabalhadores e pobres.

A burguesia não podia estar mais satisfeita, como demonstram as celebrações das empresas do PSI-20, que registam já enormes aumentos nos seus lucros. A questão para os capitalistas, agora, é saber como o PS terá condições para continuar a prestar este serviço.

Já para nós, trabalhadores e jovens, a governação de Costa tem um balanço muito diferente. Vivemos hoje em piores condições do que vivíamos antes da Grande Recessão de 2008. Continuamos com precariedade, o aumento dos salários foi largamente ultrapassado pela inflação e pela especulação das empresas de energia e dos senhorios, os serviços públicos estão subfinanciados e em degradação acelerada — o PS não resolveu um único problema, e como tal, todas as “conquistas” e “avanços” que apresentou com grande alarde estão a ser anulados.

Não podia ser de outra forma. A social-democracia pôde manter uma estabilidade relativa durante o período de fraco crescimento económico entre 2015 e 2019. Mas medidas dirigidas a solucionar os problemas da classe trabalhadora e da vasta maioria da população chocam frontalmente com a sacrossanta propriedade privada e, por isso mesmo, são impensáveis para o PS.

A crise da social-democracia e da democracia parlamentar

Está claro que a crise parlamentar que se instalou não caiu do céu, e tampouco é uma manobra genial de Costa para ter a maioria absoluta. Há que entender como chegámos aqui e tirar todas as conclusões destes últimos anos.

Focando todos os seus esforços nas instituições, as direções do BE e do PCP julgaram que poderiam melhorar as nossas condições de vida através de hábeis negociações e manobras parlamentares. Por isso mesmo, encararam sempre a radicalização dos trabalhadores e dos jovens com desconfiança e receio, fazendo todos os possíveis para conduzir a revolta e a contestação para as calmas águas do institucionalismo burguês.

No final das contas, as direções do BE e do PCP acabaram a conformar-se com a função de estabilizadores do governo, efetivamente dando a Costa as condições necessárias para prosseguir com a sua política capitalista. 

Esta política semeou desmoralização, desencanto e ceticismo especialmente entre uma camada de ativistas e militantes que têm o BE e o PCP como referência. O enfraquecimento eleitoral e organizativo de ambos os partidos resulta em boa parte dessa desmoralização, que o PS explora ao máximo na sua campanha pelo “voto útil”.

Para sair deste pântano, o necessário é ir muito além do chumbo do orçamento no parlamento. Há que mudar radicalmente de política. As condições para isso existem! A radicalização da nova geração de trabalhadores e da juventude não foi revertida nem travada pelos governos de Costa. Os protestos, as greves e os movimentos dos últimos anos deixam isto claríssimo.

É assim porque o processo de polarização social tem as suas raízes na decadência do capitalismo, não só à escala nacional senão, acima de tudo, à escala mundial. Acelerou o seu ritmo com a Grande Recessão e, uma vez mais, com a crise sanitária e a nova crise económica que rebentaram em 2020. A burguesia, por todo o mundo, sente fraquejar o regime de dominação que manteve de maneira equilibrada durante todo o último período histórico. Tudo o que era estável se desequilibra, inclusive o sistema de relações internacionais.

A crise parlamentar em Portugal tem lugar neste contexto, é um sintoma da crise global da democracia parlamentar burguesa. Uma das faces desta crise é precisamente a ascensão da extrema-direita que, como em tantos outros países, cresceu com o desespero da pequena-burguesia empobrecida e com todos os elementos de desmoralização entre os trabalhadores e os jovens. A social-democracia, com a sua submissão ao grande capital abre cada vez mais as portas a um governo da direita e às forças mais reacionárias. Esta é uma conclusão essencial que a história do século 20 já tinha deixado clara e que está a ser reafirmada pelos acontecimentos dos nossos dias. França mostra isto de forma dramática, com Le Pen e Zemmour a esmagar Mélenchon nas sondagens para as presidenciais de abril de 2022. Ao atuarem como uma social-democracia 2.0, BE e PCP não podem esperar outro desenlace.

Já vemos o processo de reorganização da direita a dar os seus frutos. O PSD dá os primeiros sinais de recuperação e o Chega surge em algumas sondagens com mais de uma dezena de deputados.

A luta é o único caminho!

Um governo com maioria absoluta do PS é, sem dúvida alguma, o cenário que mais agrada a burguesia nestes tempos de incerteza. Marcelo esforça-se para realizar esse cenário, mas a crise da social-democracia, apesar de estar a passar a fatura mais pesada ao BE e ao PCP, também já se manifesta no PS — as eleições autárquicas mostraram-no bem.

Por esse motivo, Marcelo tenta ao mesmo tempo compôr, se não para 30 de janeiro, então para o mais cedo possível, uma direita capaz de constituir governo. Assim atua a grande burguesia, tentando adaptar-se à nova situação o melhor que pode, preparando-se para os vários cenários possíveis na composição parlamentar.

Pragmático como sempre, o grande capital não exclui sequer a possibilidade de um governo como o espanhol, com o PS coligado com partidos à sua esquerda. Em qualquer um dos cenários, o fundamental é aumentar os lucros e fazer os explorados e oprimidos pagar os custos da crise capitalista, ou seja, deixar o campo aberto à especulação e a todo o tipo de manobras financeiras, manter as contra-reformas laborais da troika e avançar com novas contra-reformas o mais rapidamente possível, continuar o processo de privatizações e de pilhagem da riqueza pública… Enfim, atacar a classe trabalhadora e a juventude por todos os meios.

Como a experiência dos últimos anos demonstra, para resistir a esta ofensiva, a política social-democrata é não só inútil como danosa. O que precisamos é de mobilização, de organização e de um plano de luta dos trabalhadores com total independência de classe.

Há que romper de uma vez por todas com as políticas social-democratas e apresentar um programa alternativo e verdadeiramente socialista, baseado na luta dos trabalhadores e da juventude nas ruas, não nas instituições do Estado burguês. É necessária uma declaração de guerra aos capitalistas e ao seu sistema! Uma guerra que a nossa classe tem força para vencer.

Bandeiras que nos parecem indispensáveis são:

- Subida do salário mínimo para 1.200 euros, assim como das pensões e do subsídio de desemprego para o mesmo valor.

- Fim da precariedade! Contratação coletiva em todas as empresas, revogação imediata de todas as contra-reformas do código laboral e limitação da semana de trabalho a 30 horas para o setor público e para o setor privado, garantindo centenas de milhares de novos postos de trabalho dignos.

- Expropriação dos fundos imobiliários e investimento público massivo na habitação, com a criação de um parque de habitação pública de qualidade e com rendas acessíveis destinadas à manutenção e desenvolvimento da habitação pública.

- Construção de uma rede nacional, pública, gratuita e de qualidade de creches e infantários, lavandarias e refeitórios.

- Nacionalização sob controlo dos trabalhadores e integração de todas as empresas de saúde privadas num Serviço Nacional de Saúde gratuito, universal e de qualidade. Investimento público massivo, construção de infraestruturas e contratação de trabalhadores para o SNS.

- Nacionalização sob controlo dos trabalhadores de todo o setor da educação, estabelecendo o acesso universal e gratuito a uma educação de qualidade e inclusiva.

- Nacionalização de todo o setor da energia sob controlo dos trabalhadores e estabelecimento de preços acessíveis que se destinem não ao lucro, mas à manutenção e desenvolvimento da rede de energia e à transição energética no menor espaço de tempo possível.

- Expropriação e nacionalização das grandes propriedades agrícolas sob controlo dos trabalhadores, pondo um fim às condições de trabalho análogas à escravatura entre os trabalhadores agrícolas! Planificação da produção agrícola industrializada e ecologicamente sustentável.

- Expropriação, nacionalização e centralização de toda a banca sob controlo dos trabalhadores, sem indemnização. A riqueza produzida pela nossa classe tem de ser colocada ao serviço da vasta maioria da população e não de um punhado de banqueiros que lucra com a nossa miséria.

- Nacionalização sob controlo dos trabalhadores de todos os restantes setores chave da economia, como as águas, os transportes, os portos e aeroportos e os correios.

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